Sobe a incerteza em Atenas

25-06-2011
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A Grécia é um modelo de acumulação de erros de gestão de uma crise, pela UE e pelos gregos. Em Dezembro de 2009, uma simples palavra de garantia da chanceler Merkel teria provavelmente circunscrito o incêndio. Com o tempo, os custos elevaram-se exponencialmente. Hoje, está em jogo o euro e, por isso, a UE e o FMI apostam tudo no "resgate" de Atenas, arriscando a sua própria credibilidade. Do lado grego - o que aqui nos interessa - essa gestão é ainda mais penosa. O factor incerteza deslocou-se para Atenas e de forma dramática: não se sabe se as reformas necessárias são politicamente viáveis. É o que os gregos decidirão.

O governo de Papandreou obteve na terça-feira um voto de confiança do Parlamento, o que motivou um curto suspiro de alívio em Bruxelas. Na quinta-feira, houve acordo - um segundo plano de ajuda, que pode ultrapassar os 110 mil milhões de euros, condicionado pela aplicação de medidas de austeridade. Envolve uma quase reforma fiscal - "Fez-se num dia o que os gregos discutem há trinta anos", observou um jornalista.

Falta a aprovação pelo Parlamento de Atenas, entre 28 e 30 de Junho. Mesmo que Giorgios Papandreou consiga fazer passar o acordo, assegurando a precária coesão do Pasok, o partido maioritário, tal não significa o fim dos trabalhos. Será sempre uma decisão frágil pois não terá os votos da oposição. A Grécia será de novo paralisada por uma greve geral. E, sobretudo, a "tolerância pública da austeridade pode ter atingido o ponto de ruptura", avisa um economista grego.

Quais são as alternativas? O líder da oposição conservadora, Antonis Samaras, continua a cavalgar o descontentamento, calculando que, assim, vencerá as eleições que considera inevitáveis. E já que a Grécia ameaça "arrastar o euro na sua queda", ele "estica a corda" e diz não aos apelos da UE para aceitar um governo de "unidade nacional". Recusa a austeridade - "a medicação que está a matar o doente" - e exige uma política de relançamento assente numa baixa geral de impostos. Não explica as consequências de um default, que implicaria o risco de saída do euro.

Mas explicam-no os economistas: fuga maciça de capitais, corrida aos depósitos, colapso da banca, regresso à dracma. A dívida, em euros, seria multiplicada, graças à moeda desvalorizada. Os funcionários correriam o risco de não ser pagos. Como os gregos importam a maior parte do que consomem, a inflação explodiria. "A introdução da dracma não levará provavelmente a um aumento da competitividade", observa o economista Angelo Antzoulatos, da Universidade do Pireu. "Pode conduzir ao círculo vicioso da inflação-depreciação, o que anulará o desejado ganho de competitividade." A reestruturação da dívida pode vir a ser inevitável - é a opinião de muitos economistas -, mas será tão ou mais amarga que a austeridade.

Do lado da sociedade, o quadro é dramático mais pela angústia da falta de perspectiva de saída da crise do que pelos efeitos imediatos da austeridade. Instalou-se a insegurança. Adverte Loukas Tsoukalis, especialista de integração europeia na Universidade de Atenas: "Qual é a dose correcta de austeridade? Em excesso, é economicamente contraproducente. A tolerância pública da austeridade pode ter atingido o ponto de ruptura. O crescimento é a chave. Sem ele, todos os programas de ajustamento estão condenados."

E na ausência de um "consenso político" pouco se fará, sublinha Tsoukalis num artigo no New York Times: "A criação de um governo de unidade nacional, com um programa específico de duração limitada, poderia restaurar a confiança pública e alargar a base de apoio para medidas politicamente difíceis, designadamente a eliminação de postos de trabalho na função pública."

Há um ano, o plano de austeridade de Papandreou tinha o apoio de 60 por cento dos gregos. Hoje, 47 por cento opõem-se a novas medidas de austeridade. Apenas 35 apoiam a aprovação do novo plano acordado com a UE. Os gregos dizem aprovar as privatizações, a reforma fiscal, a moralização da justiça, o "emagrecimento" do Estado. Mas Papandreou perdeu a confiança da opinião pública e o sistema político alienou o que lhe restava de credibilidade. Prospera o populismo e procuram-se bodes expiatórios.

Há um ano, declarava numa entrevista Giorgio Papaconstantinou, ex-ministro das Finanças: "Para convencer os gregos a apoiar as nossas reformas, é preciso mostrar-lhes que os sacrifícios não serão em vão e são partilhados. (...) Os cidadãos querem, legitimamente, a punição daqueles que, no mundo político ou nos meios económicos, não pagaram os seus impostos, desviaram dinheiros públicos ou se deixaram corromper." Falava na necessidade de "reconstruir o Estado" e reabilitar a noção do "bem comum". Reconhecia a nocividade do clientelismo na política grega.

Pode acontecer que a Grécia seja irreformável, que a luta contra a fraude fiscal não possa dar resultados práticos num ano ou que reconstruir o Estado esteja acima da vontade de um governo assente num partido clientelar como todos os outros. O mais importante é que, após um arranque em força, o governo Papandreou perdeu o ímpeto reformador.

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A maioria dos gregos sofreu o peso da austeridade. Mas as reformas arrastaram-se, minando a credibilidade do governo. Terão sido travadas pela burocracia e pelas clientelas que lhes são hostis. Caso exemplar é o das privatizações, aprovadas por quatro quintos da opinião pública mas bloqueadas pela resistência dos seus gestores e sindicatos - e de muitos deputados do Pasok. As empresas privatizáveis são agora a ponta de lança do contra-ataque sindical a Papandreou.

Nas situações de emergência, o tempo e a iniciativa são factores determinantes. Importam muito mais do que a perfeição das soluções - as internas e as externas - que se podem corrigir. Demorar as decisões permite condensar as mais contraditórias resistências numa oposição geral e difusa, num clima de "falência moral". O governo está refém e, com ele, a Grécia.

Esta semana, os riscos subiram, para Atenas e para Bruxelas - e naturalmente para Lisboa.

A Grécia é um modelo de acumulação de erros de gestão de uma crise, pela UE e pelos gregos. Em Dezembro de 2009, uma simples palavra de garantia da chanceler Merkel teria provavelmente circunscrito o incêndio. Com o tempo, os custos elevaram-se exponencialmente. Hoje, está em jogo o euro e, por isso, a UE e o FMI apostam tudo no "resgate" de Atenas, arriscando a sua própria credibilidade. Do lado grego - o que aqui nos interessa - essa gestão é ainda mais penosa. O factor incerteza deslocou-se para Atenas e de forma dramática: não se sabe se as reformas necessárias são politicamente viáveis. É o que os gregos decidirão.

O governo de Papandreou obteve na terça-feira um voto de confiança do Parlamento, o que motivou um curto suspiro de alívio em Bruxelas. Na quinta-feira, houve acordo - um segundo plano de ajuda, que pode ultrapassar os 110 mil milhões de euros, condicionado pela aplicação de medidas de austeridade. Envolve uma quase reforma fiscal - "Fez-se num dia o que os gregos discutem há trinta anos", observou um jornalista.

Falta a aprovação pelo Parlamento de Atenas, entre 28 e 30 de Junho. Mesmo que Giorgios Papandreou consiga fazer passar o acordo, assegurando a precária coesão do Pasok, o partido maioritário, tal não significa o fim dos trabalhos. Será sempre uma decisão frágil pois não terá os votos da oposição. A Grécia será de novo paralisada por uma greve geral. E, sobretudo, a "tolerância pública da austeridade pode ter atingido o ponto de ruptura", avisa um economista grego.

Quais são as alternativas? O líder da oposição conservadora, Antonis Samaras, continua a cavalgar o descontentamento, calculando que, assim, vencerá as eleições que considera inevitáveis. E já que a Grécia ameaça "arrastar o euro na sua queda", ele "estica a corda" e diz não aos apelos da UE para aceitar um governo de "unidade nacional". Recusa a austeridade - "a medicação que está a matar o doente" - e exige uma política de relançamento assente numa baixa geral de impostos. Não explica as consequências de um default, que implicaria o risco de saída do euro.

Mas explicam-no os economistas: fuga maciça de capitais, corrida aos depósitos, colapso da banca, regresso à dracma. A dívida, em euros, seria multiplicada, graças à moeda desvalorizada. Os funcionários correriam o risco de não ser pagos. Como os gregos importam a maior parte do que consomem, a inflação explodiria. "A introdução da dracma não levará provavelmente a um aumento da competitividade", observa o economista Angelo Antzoulatos, da Universidade do Pireu. "Pode conduzir ao círculo vicioso da inflação-depreciação, o que anulará o desejado ganho de competitividade." A reestruturação da dívida pode vir a ser inevitável - é a opinião de muitos economistas -, mas será tão ou mais amarga que a austeridade.

Do lado da sociedade, o quadro é dramático mais pela angústia da falta de perspectiva de saída da crise do que pelos efeitos imediatos da austeridade. Instalou-se a insegurança. Adverte Loukas Tsoukalis, especialista de integração europeia na Universidade de Atenas: "Qual é a dose correcta de austeridade? Em excesso, é economicamente contraproducente. A tolerância pública da austeridade pode ter atingido o ponto de ruptura. O crescimento é a chave. Sem ele, todos os programas de ajustamento estão condenados."

E na ausência de um "consenso político" pouco se fará, sublinha Tsoukalis num artigo no New York Times: "A criação de um governo de unidade nacional, com um programa específico de duração limitada, poderia restaurar a confiança pública e alargar a base de apoio para medidas politicamente difíceis, designadamente a eliminação de postos de trabalho na função pública."

Há um ano, o plano de austeridade de Papandreou tinha o apoio de 60 por cento dos gregos. Hoje, 47 por cento opõem-se a novas medidas de austeridade. Apenas 35 apoiam a aprovação do novo plano acordado com a UE. Os gregos dizem aprovar as privatizações, a reforma fiscal, a moralização da justiça, o "emagrecimento" do Estado. Mas Papandreou perdeu a confiança da opinião pública e o sistema político alienou o que lhe restava de credibilidade. Prospera o populismo e procuram-se bodes expiatórios.

Há um ano, declarava numa entrevista Giorgio Papaconstantinou, ex-ministro das Finanças: "Para convencer os gregos a apoiar as nossas reformas, é preciso mostrar-lhes que os sacrifícios não serão em vão e são partilhados. (...) Os cidadãos querem, legitimamente, a punição daqueles que, no mundo político ou nos meios económicos, não pagaram os seus impostos, desviaram dinheiros públicos ou se deixaram corromper." Falava na necessidade de "reconstruir o Estado" e reabilitar a noção do "bem comum". Reconhecia a nocividade do clientelismo na política grega.

Pode acontecer que a Grécia seja irreformável, que a luta contra a fraude fiscal não possa dar resultados práticos num ano ou que reconstruir o Estado esteja acima da vontade de um governo assente num partido clientelar como todos os outros. O mais importante é que, após um arranque em força, o governo Papandreou perdeu o ímpeto reformador.

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A maioria dos gregos sofreu o peso da austeridade. Mas as reformas arrastaram-se, minando a credibilidade do governo. Terão sido travadas pela burocracia e pelas clientelas que lhes são hostis. Caso exemplar é o das privatizações, aprovadas por quatro quintos da opinião pública mas bloqueadas pela resistência dos seus gestores e sindicatos - e de muitos deputados do Pasok. As empresas privatizáveis são agora a ponta de lança do contra-ataque sindical a Papandreou.

Nas situações de emergência, o tempo e a iniciativa são factores determinantes. Importam muito mais do que a perfeição das soluções - as internas e as externas - que se podem corrigir. Demorar as decisões permite condensar as mais contraditórias resistências numa oposição geral e difusa, num clima de "falência moral". O governo está refém e, com ele, a Grécia.

Esta semana, os riscos subiram, para Atenas e para Bruxelas - e naturalmente para Lisboa.

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