Ela escreveu um relatório ingénuo ou prudente?

13-01-2012
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Passos Coelho convidou-a para concorrer à Assembleia da República pelo Porto, ao qual não tinha ligações. Hoje é vice-presidente da bancada do PSD e o seu nome saltou para o espaço mediático quando escreveu um relatório, revelado pelo PÚBLICO, sobre as ligações entre a Maçonaria e as chefias das secretas. Mas quem é Teresa Leal Coelho?

A escolha da Maçonaria ou de outras sociedades "ocultas" para justificar certos enredos político-partidários não é inédita, sobretudo nos momentos em que a instabilidade interna de um país alimenta, com doses generosas, vagas de desconfiança. Nesses momentos, a obsessão colectiva ganha apenas um nome: transparência. Tem sido assim nas últimas duas semanas.

A revelação do documento do PSD, assinado pela deputada Teresa Leal Coelho, no qual são denunciadas as ligações entre "ramos da Maçonaria" e as chefias dos serviços secretos aconteceu no mesmo dia em que foi também divulgada a participação de Luís Montenegro, líder da bancada social-democrata, na Loja Mozart, à qual pertencem ex-agentes dos serviços que estavam a ser investigados pelo Parlamento. Estas descobertas lançaram algumas sombras sobre o documento escrito por Leal Coelho, nomeadamente as críticas acutilantes à Maçonaria. As leituras divergem: alguns falam em ingenuidade e inexperiência política; outros apontam a hipótese de o documento configurar uma medida preventiva para ganhar distância em relação às investigações criminais sobre Jorge Silva Carvalho, ex-director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e actual administrador da Ongoing. Recuemos até meados de Outubro de 2003, quando o PS, liderado por Ferro Rodrigues, continuava a sustentar a tese da "cabala" contra os socialistas no caso da Casa Pia. Paulo Pedroso, então acusado de vários crimes por abuso sexual de menores, tinha sido libertado há poucos dias, depois de quase cinco meses de prisão preventiva. O PS vivia dias de terror. E Teresa Leal Coelho, então professora na Universidade Lusíada de Lisboa e co-fundadora do movimento Pensar Portugal, juntamente com Vasco Rato, Pedro Passos Coelho, Paulo Teixeira Pinto e Luís Coimbra, escreveu no

Diário Económico

sobre o "espectáculo" gerado pelo processo da Casa Pia, protagonizado por "proeminentes representantes" de instituições políticas, jurídicas e constitucionais. O artigo, titulado "Matéria de facto", referia a existência de uma "mão invisível" que "dirigia" muitos dos participantes daquele "drama", no qual se assistia a um "confronto" de "várias corporações". O "incompreensível", escreveu, "leva-nos a recorrer a explicações do foro do "oculto"" e "nesta busca, os "bons ofícios" da Maçonaria ou das maçonarias, ou duma das maçonarias, ou de dissidentes

maçons

são chamados à colação". Em Outubro, oito anos depois da publicação deste artigo, e já na qualidade de vice-presidente da bancada do PSD, Teresa Leal Coelho redigiu um relatório no qual chamou novamente "à colação" a Maçonaria, ou, melhor, "ramos da Maçonaria". Desta vez estavam em causa as irregularidades nos serviços de informação, que originaram uma série de audições na Comissão de Assuntos Constitucionais. A deputada, escolhida para escrever as conclusões do seu partido sobre as diligências parlamentares, reservou uma página e meia do documento de seis páginas e meia para sustentar que o ex-director do SIED, Jorge Silva Carvalho, assim como as chefias e a direcção dos serviços secretos, estavam ligados a "conluios de poder" e sob a "influência de ramos da Maçonaria", caracterizados como "grupos de pressão pretensamente instalados na sociedade portuguesa". Todas estas referências foram depois expurgadas pela própria autora

num projecto de relatório final que deveria ter sido discutido com todas as bancadas parlamentares.Quando o PÚBLICO noticiou isso mesmo, na semana passada, Leal Coelho, numa conferência de imprensa no Parlamento, negou ter apagado as críticas à Maçonaria, sustentando que o segundo relatório, igualmente da sua autoria, era uma súmula das conclusões de todos os partidos. Ficou por explicar a ausência das acusações à Maçonaria. Mas o momento tornou-se mais desconfortável para quem estava ao seu lado, o líder da bancada do PSD, Luís Montenegro, que, poucas horas antes, tinha sido apontado pelo semanário

Expresso

como um dos membros da Loja maçónica Mozart, à qual pertencem precisamente Jorge Silva Carvalho e altos quadros da Ongoing - nem mais, nem menos do que os protagonistas do caso que o Parlamento investigou e que culminou com o relatório assinado por Teresa Leal Coelho.Na Mozart, um dos ramos da Grande Loja Regular de Portugal, estava também um amigo de longa data da própria deputada: Vasco Rato, administrador da Ongoing Brasil, antigo membro da comissão política do PSD e um dos maiores impulsionadores da candidatura de Pedro Passos Coelho à liderança dos sociais-democratas. Em Novembro de 2009, foi ele quem, juntamente com Teresa Leal Coelho e Paulo Gorjão, também membro da Loja Mozart e director do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança, entre outros, fundou a Plataforma Construir Ideias - um movimento então visto pela líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, como um rival do Instituto Francisco Sá Carneiro, presidido por Alexandre Relvas, e ainda lido como uma forma de incitar a contestação interna, permitindo a Passos Coelho ganhar terreno no partido. Perante estas ligações, o meio político começou a questionar-se: por que lançou Teresa Leal Coelho a bomba? O documento traduzia apenas a inexperiência política de uma deputada que chegou ao Parlamento há apenas quatro meses, quando escreveu o relatório? Desconheceria que Luís Montenegro participou em "algumas reuniões e debates" da Mozart, tal como admitiu o próprio?

Passos Coelho e Miguel Relvas conheciam, de facto, o teor do texto, como foi noticiado pelo

Expresso

? A iniciativa de apontar o dedo à Maçonaria partiu exclusivamente de Leal Coelho? Ou a denúncia sobre as relações entre "ramos da Maçonaria" e os serviços secretos serviram ao PSD para se demarcar dos processos criminais em curso sobre as ligações entre Silva Carvalho, as "secretas" e a Ongoing ?No mesmo dia em que foi realizada a conferência de imprensa, Teresa Leal Coelho esteve em duas estações televisivas. Numa delas, a SIC Notícias, considerou irrelevante saber se um titular de cargo público é membro da Maçonaria. "Está no âmbito individual de cada um", disse, manifestando-se contra a possibilidade de os deputados serem obrigados a declarar se são

maçons

no seu registo de interesses. No entanto, no relatório sobre os serviços de informação, tinha qualificado a Maçonaria como um "grupo de pressão instalado na sociedade", sabendo que os

lobbies

são ilegais em Portugal.

CCB, Benfica e PSD-Lisboa

A iniciação político-partidária de Teresa Leal Coelho, 50 anos, fez-se muito antes de ter aderido ao PSD, em 2005. Em Maio desse ano, os sociais-democratas, então liderados por Marques Mendes, aproveitaram a comemoração de mais um aniversário para anunciarem, num jantar em Santarém, a entrada de 33 novos militantes. Entre eles estavam, além de Teresa Leal Coelho, Eduardo Catroga, escolhido por Passos Coelho para negociar o memorando com a

troika

e recém-nomeado para o conselho geral e supervisão da EDP, Susana Toscano, assessora para a Educação do Presidente da República, e Manuela Franco, ex-secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros de Durão Barroso.

Licenciada em Direito pela Universidade Livre, Teresa de Andrade Leal Coelho começou a dar aulas na Faculdade de Direito da Universidade Lusíada em 1986 - leccionou disciplinas como Ciência Política, Direito Comunitário, Direito Internacional Público... -, onde continua a figurar no painel da direcção da Associação dos Antigos Alunos. Foi nesta universidade que conheceu Vasco Rato, professor de Relações Internacionais, e o próprio Passos Coelho, que escolheu a Lusíada para fazer a sua licenciatura em Economia, concluída em 2001. Precisamente nesse ano, ainda antes da demissão de António Guterres, em Dezembro, Passos Coelho fundou o Pensar Portugal. E convidou Teresa Leal Coelho para porta-voz do movimento.O acto mais mediatizado desta plataforma foi a intenção, anunciada em Maio de 2001, de promover um referendo sobre o federalismo europeu. À época, Leal Coelho disse à revista

Focus

que os portugueses "é que têm de decidir se querem ser uma região autónoma da Europa". Até 2004, o Pensar Portugal manteve um espaço de opinião no

Diário Económico

, onde escreviam, alternadamente, Passos Coelho, Vasco Rato, Teresa Leal Coelho, Miguel Freitas da Costa, Paulo Teixeira Pinto, Luís Coimbra e Carlos Blanco de Morais. Nessa época, especificamente em Agosto de 2001, acompanhou as eleições para a Assembleia Constituinte de Timor-Leste enquanto observadora internacional - função que já tinha tido em 1999, durante o processo de consulta popular que deu a vitória à independência do país. A ligação a Timor-Leste perdurou. Em 2002, coordenou o projecto

Férias em Português

, que, em Díli, promoveu acções de formação nas áreas do desporto, canto, teatro e ensino do português.Casada com o diplomata Francisco Ribeiro de Meneses, chefe de gabinete de Passos Coelho (antes de ser convidado pelo primeiro-ministro, trabalhou com Jaime Gama e Luís Amado no Ministério dos Negócios Estrangeiros), Teresa Leal Coelho ingressou em 2006 na militância activa, agora ao lado de uma outra amiga, Paula Teixeira da Cruz, actual ministra da Justiça. Quando Teixeira da Cruz concorreu à liderança do PSD-Lisboa, Leal Coelho integrou um fórum de reflexão criado pela candidata, e no qual participaram também Vasco Rato, António Pinto Leite e Duarte Lima. Nessa altura, a deputada era investigadora não residente do Instituto de Defesa Nacional (IDN), tal como Vasco Rato, tendo exercido o cargo de assessora jurídica desta instituição até Junho do ano passado. Segundo o currículo disponível no

site

do Parlamento, Leal Coelho continua a trabalhar para o IDN, agora como assessora de estudos. A amizade com Teixeira da Cruz, segundo alguns deputados ouvidos pelo P2, tem sido notória na discussão em torno dos projectos sobre o enriquecimento ilícito, nomeadamente no diferendo entre o PSD, que insiste que a criminalização deve abranger todos os cidadãos, e o CDS, que se opõe à proposta, defendendo que o crime seja apenas imputável a titulares de cargos públicos e políticos. A militância activa continuou em 2007, nas eleições intercalares para a Câmara de Lisboa. Ao lado de Vasco Rato, Sérgio Lipari e José Salter Cid, entre outros, Leal Coelho fez parte da lista encabeçada por Fernando Negrão. O PSD sabia que dificilmente iria derrotar o candidato socialista, António Costa, como se verificou, mas Teresa Leal Coelho não desanimou. "É nos momentos maus, quando ninguém quer avançar, que temos de abraçar os desafios", declarou à revista

Visão

.Foi durante a campanha eleitoral para a autarquia lisboeta, em Julho, que o jornal

24 Horas

publicou um artigo intitulado

Número 6 de Negrão foi corrida do CCB

. A notícia dava conta de que Leal Coelho, que foi directora da área comercial do Centro Cultural de Belém nos anos 90, tinha sido acusada de "abuso de funções e utilização abusiva do nome da instituição". A própria afirmou à publicação que tinha sido acusada de "favorecer pessoas amigas em contratos com o CCB, nomeadamente Emídio Rangel, e de ter favorecido a produtora UAU". Fraústo da Silva, então presidente da administração do CCB, afirmou aos

24 Horas

que a jurista tinha sido "enrolada numa enorme trapalhada que envolveu outras organizações que não o CCB, usando materiais que consubstanciaram um abuso de funções e utilização abusiva do nome da instituição".

Teresa Leal Coelho acabou por ser despedida por justa causa do CCB, depois de lhe ter sido instaurado um processo disciplinar. Em 2007, defendeu-se dizendo ter sido "vítima de um processo de saneamento político". "Acusaram-me de ter favorecido terceiros e eu só não consegui provar que tudo isso é falso porque a sentença do meu julgamento teve vícios de obscuridade e falta de transparência. Foi repetido, mas voltei a perder com a mesma juíza. Não recorri dentro do prazo e o caso ficou arrumado", explicou ao jornal. Além do CCB, Teresa Leal Coelho teve uma passagem também fugaz por outra instituição: o Sport Lisboa e Benfica, integrando a administração da Sociedade Anónima Desportiva (SAD) durante oito meses. Vale e Azevedo, presidente benfiquista com ligações ao PSD, escolheu-a para administradora com o pelouro do contencioso, quando constituiu a SAD, a 10 de Fevereiro de 2000. Segundo vários elementos que, na altura, integravam os órgãos sociais do clube, terá sido Martim Cabral, cunhado de Vale e Azevedo e também ele próximo do PSD, a indicá-la para o cargo. Durante o período em que esteve na SAD, Leal Coelho foi pouco interventiva. Apesar de ser a responsável pela área jurídica, os casos mais complexos foram sempre atribuídos a Pedro Mendes Pinto, vice-presidente do clube. E quando Vale e Azevedo perdeu as eleições para a presidência do Benfica, em Outubro de 2000, a jurista abandonou a SAD. Menos de um ano depois, foi uma das 75 testemunhas abonatórias que garantiram, em tribunal, que Vale e Azevedo não pretendia fugir do país - na altura, o ex-presidente estava já detido preventivamente devido ao caso Ovchinnikov (utilizou o dinheiro da venda daquele jogador para comprar um iate). Contudo, ainda em 2001, as relações entre Vale e Azevedo e Teresa Leal Coelho assumiram outro figurino: o antigo presidente reclamou ao Benfica uma dívida de 1,093 milhões de contos (cerca de 5,5 milhões de euros) para cujo pagamento teria sido emitida uma letra da SAD assinada pela então directora da área jurídica e datada de 23 de Outubro de 2000. Em Janeiro de 2002, o semanário

Independente

noticiou que Leal Coelho teria "confessado" ao então presidente do Benfica, Manuel Vilarinho, em Novembro de 2001, que não tinha assinado a letra, reconhecendo ter subscrito apenas uma outra, de 300 mil contos (cerca de 1,5 milhões de euros), relativa à contratação do jogador Fernando Meira ao Vitória de Guimarães. Vale e Azevedo, porém, apresentou uma acção cível contra o Benfica, utilizando o documento como prova, e o Ministério Público iniciou o inquérito. O Benfica, por seu lado, invocou a falsificação da assinatura de Leal Coelho e requereu à 5ª vara cível de Lisboa uma investigação. O processo foi arquivado em 2010.

Ao serviço do país

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A participação activa de Teresa Leal Coelho na plataforma Construir Ideias, uma incubadora da candidatura de Passos à presidência do PSD, não deixava dúvidas de que a professora universitária iria ter um lugar de destaque no partido, na eventualidade de Passos ganhar a liderança social-democrata. Foi isso mesmo que aconteceu em Março de 2010, quando Passos derrotou Paulo Rangel, José Pedro Aguiar-Branco e Castanheira Barros. Cerca de um ano depois, com as legislativas antecipadas, Passos convidou-a para integrar as listas de candidatos a deputados e deu-lhe o segundo lugar pelo Porto, logo atrás de Aguiar-Branco.

Durante a campanha, disse ao PÚBLICO que o convite de Passos a deixara "lisonjeada e satisfeita". E disse mais: "Estou convencida que me preparei durante toda a vida para isto. Tudo o que aprendi quero pôr ao serviço deste país."

Com Jorge Miguel Matias e José Augusto Moreira

Passos Coelho convidou-a para concorrer à Assembleia da República pelo Porto, ao qual não tinha ligações. Hoje é vice-presidente da bancada do PSD e o seu nome saltou para o espaço mediático quando escreveu um relatório, revelado pelo PÚBLICO, sobre as ligações entre a Maçonaria e as chefias das secretas. Mas quem é Teresa Leal Coelho?

A escolha da Maçonaria ou de outras sociedades "ocultas" para justificar certos enredos político-partidários não é inédita, sobretudo nos momentos em que a instabilidade interna de um país alimenta, com doses generosas, vagas de desconfiança. Nesses momentos, a obsessão colectiva ganha apenas um nome: transparência. Tem sido assim nas últimas duas semanas.

A revelação do documento do PSD, assinado pela deputada Teresa Leal Coelho, no qual são denunciadas as ligações entre "ramos da Maçonaria" e as chefias dos serviços secretos aconteceu no mesmo dia em que foi também divulgada a participação de Luís Montenegro, líder da bancada social-democrata, na Loja Mozart, à qual pertencem ex-agentes dos serviços que estavam a ser investigados pelo Parlamento. Estas descobertas lançaram algumas sombras sobre o documento escrito por Leal Coelho, nomeadamente as críticas acutilantes à Maçonaria. As leituras divergem: alguns falam em ingenuidade e inexperiência política; outros apontam a hipótese de o documento configurar uma medida preventiva para ganhar distância em relação às investigações criminais sobre Jorge Silva Carvalho, ex-director do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) e actual administrador da Ongoing. Recuemos até meados de Outubro de 2003, quando o PS, liderado por Ferro Rodrigues, continuava a sustentar a tese da "cabala" contra os socialistas no caso da Casa Pia. Paulo Pedroso, então acusado de vários crimes por abuso sexual de menores, tinha sido libertado há poucos dias, depois de quase cinco meses de prisão preventiva. O PS vivia dias de terror. E Teresa Leal Coelho, então professora na Universidade Lusíada de Lisboa e co-fundadora do movimento Pensar Portugal, juntamente com Vasco Rato, Pedro Passos Coelho, Paulo Teixeira Pinto e Luís Coimbra, escreveu no

Diário Económico

sobre o "espectáculo" gerado pelo processo da Casa Pia, protagonizado por "proeminentes representantes" de instituições políticas, jurídicas e constitucionais. O artigo, titulado "Matéria de facto", referia a existência de uma "mão invisível" que "dirigia" muitos dos participantes daquele "drama", no qual se assistia a um "confronto" de "várias corporações". O "incompreensível", escreveu, "leva-nos a recorrer a explicações do foro do "oculto"" e "nesta busca, os "bons ofícios" da Maçonaria ou das maçonarias, ou duma das maçonarias, ou de dissidentes

maçons

são chamados à colação". Em Outubro, oito anos depois da publicação deste artigo, e já na qualidade de vice-presidente da bancada do PSD, Teresa Leal Coelho redigiu um relatório no qual chamou novamente "à colação" a Maçonaria, ou, melhor, "ramos da Maçonaria". Desta vez estavam em causa as irregularidades nos serviços de informação, que originaram uma série de audições na Comissão de Assuntos Constitucionais. A deputada, escolhida para escrever as conclusões do seu partido sobre as diligências parlamentares, reservou uma página e meia do documento de seis páginas e meia para sustentar que o ex-director do SIED, Jorge Silva Carvalho, assim como as chefias e a direcção dos serviços secretos, estavam ligados a "conluios de poder" e sob a "influência de ramos da Maçonaria", caracterizados como "grupos de pressão pretensamente instalados na sociedade portuguesa". Todas estas referências foram depois expurgadas pela própria autora

num projecto de relatório final que deveria ter sido discutido com todas as bancadas parlamentares.Quando o PÚBLICO noticiou isso mesmo, na semana passada, Leal Coelho, numa conferência de imprensa no Parlamento, negou ter apagado as críticas à Maçonaria, sustentando que o segundo relatório, igualmente da sua autoria, era uma súmula das conclusões de todos os partidos. Ficou por explicar a ausência das acusações à Maçonaria. Mas o momento tornou-se mais desconfortável para quem estava ao seu lado, o líder da bancada do PSD, Luís Montenegro, que, poucas horas antes, tinha sido apontado pelo semanário

Expresso

como um dos membros da Loja maçónica Mozart, à qual pertencem precisamente Jorge Silva Carvalho e altos quadros da Ongoing - nem mais, nem menos do que os protagonistas do caso que o Parlamento investigou e que culminou com o relatório assinado por Teresa Leal Coelho.Na Mozart, um dos ramos da Grande Loja Regular de Portugal, estava também um amigo de longa data da própria deputada: Vasco Rato, administrador da Ongoing Brasil, antigo membro da comissão política do PSD e um dos maiores impulsionadores da candidatura de Pedro Passos Coelho à liderança dos sociais-democratas. Em Novembro de 2009, foi ele quem, juntamente com Teresa Leal Coelho e Paulo Gorjão, também membro da Loja Mozart e director do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança, entre outros, fundou a Plataforma Construir Ideias - um movimento então visto pela líder do PSD, Manuela Ferreira Leite, como um rival do Instituto Francisco Sá Carneiro, presidido por Alexandre Relvas, e ainda lido como uma forma de incitar a contestação interna, permitindo a Passos Coelho ganhar terreno no partido. Perante estas ligações, o meio político começou a questionar-se: por que lançou Teresa Leal Coelho a bomba? O documento traduzia apenas a inexperiência política de uma deputada que chegou ao Parlamento há apenas quatro meses, quando escreveu o relatório? Desconheceria que Luís Montenegro participou em "algumas reuniões e debates" da Mozart, tal como admitiu o próprio?

Passos Coelho e Miguel Relvas conheciam, de facto, o teor do texto, como foi noticiado pelo

Expresso

? A iniciativa de apontar o dedo à Maçonaria partiu exclusivamente de Leal Coelho? Ou a denúncia sobre as relações entre "ramos da Maçonaria" e os serviços secretos serviram ao PSD para se demarcar dos processos criminais em curso sobre as ligações entre Silva Carvalho, as "secretas" e a Ongoing ?No mesmo dia em que foi realizada a conferência de imprensa, Teresa Leal Coelho esteve em duas estações televisivas. Numa delas, a SIC Notícias, considerou irrelevante saber se um titular de cargo público é membro da Maçonaria. "Está no âmbito individual de cada um", disse, manifestando-se contra a possibilidade de os deputados serem obrigados a declarar se são

maçons

no seu registo de interesses. No entanto, no relatório sobre os serviços de informação, tinha qualificado a Maçonaria como um "grupo de pressão instalado na sociedade", sabendo que os

lobbies

são ilegais em Portugal.

CCB, Benfica e PSD-Lisboa

A iniciação político-partidária de Teresa Leal Coelho, 50 anos, fez-se muito antes de ter aderido ao PSD, em 2005. Em Maio desse ano, os sociais-democratas, então liderados por Marques Mendes, aproveitaram a comemoração de mais um aniversário para anunciarem, num jantar em Santarém, a entrada de 33 novos militantes. Entre eles estavam, além de Teresa Leal Coelho, Eduardo Catroga, escolhido por Passos Coelho para negociar o memorando com a

troika

e recém-nomeado para o conselho geral e supervisão da EDP, Susana Toscano, assessora para a Educação do Presidente da República, e Manuela Franco, ex-secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros de Durão Barroso.

Licenciada em Direito pela Universidade Livre, Teresa de Andrade Leal Coelho começou a dar aulas na Faculdade de Direito da Universidade Lusíada em 1986 - leccionou disciplinas como Ciência Política, Direito Comunitário, Direito Internacional Público... -, onde continua a figurar no painel da direcção da Associação dos Antigos Alunos. Foi nesta universidade que conheceu Vasco Rato, professor de Relações Internacionais, e o próprio Passos Coelho, que escolheu a Lusíada para fazer a sua licenciatura em Economia, concluída em 2001. Precisamente nesse ano, ainda antes da demissão de António Guterres, em Dezembro, Passos Coelho fundou o Pensar Portugal. E convidou Teresa Leal Coelho para porta-voz do movimento.O acto mais mediatizado desta plataforma foi a intenção, anunciada em Maio de 2001, de promover um referendo sobre o federalismo europeu. À época, Leal Coelho disse à revista

Focus

que os portugueses "é que têm de decidir se querem ser uma região autónoma da Europa". Até 2004, o Pensar Portugal manteve um espaço de opinião no

Diário Económico

, onde escreviam, alternadamente, Passos Coelho, Vasco Rato, Teresa Leal Coelho, Miguel Freitas da Costa, Paulo Teixeira Pinto, Luís Coimbra e Carlos Blanco de Morais. Nessa época, especificamente em Agosto de 2001, acompanhou as eleições para a Assembleia Constituinte de Timor-Leste enquanto observadora internacional - função que já tinha tido em 1999, durante o processo de consulta popular que deu a vitória à independência do país. A ligação a Timor-Leste perdurou. Em 2002, coordenou o projecto

Férias em Português

, que, em Díli, promoveu acções de formação nas áreas do desporto, canto, teatro e ensino do português.Casada com o diplomata Francisco Ribeiro de Meneses, chefe de gabinete de Passos Coelho (antes de ser convidado pelo primeiro-ministro, trabalhou com Jaime Gama e Luís Amado no Ministério dos Negócios Estrangeiros), Teresa Leal Coelho ingressou em 2006 na militância activa, agora ao lado de uma outra amiga, Paula Teixeira da Cruz, actual ministra da Justiça. Quando Teixeira da Cruz concorreu à liderança do PSD-Lisboa, Leal Coelho integrou um fórum de reflexão criado pela candidata, e no qual participaram também Vasco Rato, António Pinto Leite e Duarte Lima. Nessa altura, a deputada era investigadora não residente do Instituto de Defesa Nacional (IDN), tal como Vasco Rato, tendo exercido o cargo de assessora jurídica desta instituição até Junho do ano passado. Segundo o currículo disponível no

site

do Parlamento, Leal Coelho continua a trabalhar para o IDN, agora como assessora de estudos. A amizade com Teixeira da Cruz, segundo alguns deputados ouvidos pelo P2, tem sido notória na discussão em torno dos projectos sobre o enriquecimento ilícito, nomeadamente no diferendo entre o PSD, que insiste que a criminalização deve abranger todos os cidadãos, e o CDS, que se opõe à proposta, defendendo que o crime seja apenas imputável a titulares de cargos públicos e políticos. A militância activa continuou em 2007, nas eleições intercalares para a Câmara de Lisboa. Ao lado de Vasco Rato, Sérgio Lipari e José Salter Cid, entre outros, Leal Coelho fez parte da lista encabeçada por Fernando Negrão. O PSD sabia que dificilmente iria derrotar o candidato socialista, António Costa, como se verificou, mas Teresa Leal Coelho não desanimou. "É nos momentos maus, quando ninguém quer avançar, que temos de abraçar os desafios", declarou à revista

Visão

.Foi durante a campanha eleitoral para a autarquia lisboeta, em Julho, que o jornal

24 Horas

publicou um artigo intitulado

Número 6 de Negrão foi corrida do CCB

. A notícia dava conta de que Leal Coelho, que foi directora da área comercial do Centro Cultural de Belém nos anos 90, tinha sido acusada de "abuso de funções e utilização abusiva do nome da instituição". A própria afirmou à publicação que tinha sido acusada de "favorecer pessoas amigas em contratos com o CCB, nomeadamente Emídio Rangel, e de ter favorecido a produtora UAU". Fraústo da Silva, então presidente da administração do CCB, afirmou aos

24 Horas

que a jurista tinha sido "enrolada numa enorme trapalhada que envolveu outras organizações que não o CCB, usando materiais que consubstanciaram um abuso de funções e utilização abusiva do nome da instituição".

Teresa Leal Coelho acabou por ser despedida por justa causa do CCB, depois de lhe ter sido instaurado um processo disciplinar. Em 2007, defendeu-se dizendo ter sido "vítima de um processo de saneamento político". "Acusaram-me de ter favorecido terceiros e eu só não consegui provar que tudo isso é falso porque a sentença do meu julgamento teve vícios de obscuridade e falta de transparência. Foi repetido, mas voltei a perder com a mesma juíza. Não recorri dentro do prazo e o caso ficou arrumado", explicou ao jornal. Além do CCB, Teresa Leal Coelho teve uma passagem também fugaz por outra instituição: o Sport Lisboa e Benfica, integrando a administração da Sociedade Anónima Desportiva (SAD) durante oito meses. Vale e Azevedo, presidente benfiquista com ligações ao PSD, escolheu-a para administradora com o pelouro do contencioso, quando constituiu a SAD, a 10 de Fevereiro de 2000. Segundo vários elementos que, na altura, integravam os órgãos sociais do clube, terá sido Martim Cabral, cunhado de Vale e Azevedo e também ele próximo do PSD, a indicá-la para o cargo. Durante o período em que esteve na SAD, Leal Coelho foi pouco interventiva. Apesar de ser a responsável pela área jurídica, os casos mais complexos foram sempre atribuídos a Pedro Mendes Pinto, vice-presidente do clube. E quando Vale e Azevedo perdeu as eleições para a presidência do Benfica, em Outubro de 2000, a jurista abandonou a SAD. Menos de um ano depois, foi uma das 75 testemunhas abonatórias que garantiram, em tribunal, que Vale e Azevedo não pretendia fugir do país - na altura, o ex-presidente estava já detido preventivamente devido ao caso Ovchinnikov (utilizou o dinheiro da venda daquele jogador para comprar um iate). Contudo, ainda em 2001, as relações entre Vale e Azevedo e Teresa Leal Coelho assumiram outro figurino: o antigo presidente reclamou ao Benfica uma dívida de 1,093 milhões de contos (cerca de 5,5 milhões de euros) para cujo pagamento teria sido emitida uma letra da SAD assinada pela então directora da área jurídica e datada de 23 de Outubro de 2000. Em Janeiro de 2002, o semanário

Independente

noticiou que Leal Coelho teria "confessado" ao então presidente do Benfica, Manuel Vilarinho, em Novembro de 2001, que não tinha assinado a letra, reconhecendo ter subscrito apenas uma outra, de 300 mil contos (cerca de 1,5 milhões de euros), relativa à contratação do jogador Fernando Meira ao Vitória de Guimarães. Vale e Azevedo, porém, apresentou uma acção cível contra o Benfica, utilizando o documento como prova, e o Ministério Público iniciou o inquérito. O Benfica, por seu lado, invocou a falsificação da assinatura de Leal Coelho e requereu à 5ª vara cível de Lisboa uma investigação. O processo foi arquivado em 2010.

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A participação activa de Teresa Leal Coelho na plataforma Construir Ideias, uma incubadora da candidatura de Passos à presidência do PSD, não deixava dúvidas de que a professora universitária iria ter um lugar de destaque no partido, na eventualidade de Passos ganhar a liderança social-democrata. Foi isso mesmo que aconteceu em Março de 2010, quando Passos derrotou Paulo Rangel, José Pedro Aguiar-Branco e Castanheira Barros. Cerca de um ano depois, com as legislativas antecipadas, Passos convidou-a para integrar as listas de candidatos a deputados e deu-lhe o segundo lugar pelo Porto, logo atrás de Aguiar-Branco.

Durante a campanha, disse ao PÚBLICO que o convite de Passos a deixara "lisonjeada e satisfeita". E disse mais: "Estou convencida que me preparei durante toda a vida para isto. Tudo o que aprendi quero pôr ao serviço deste país."

Com Jorge Miguel Matias e José Augusto Moreira

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