De passagem ou em retiro, abençoados sejam aqueles que visitam o Mosteiro de Singeverga

15-12-2019
marcar artigo

Lucília Monteiro

Há um culto da beleza impregnado nos diferentes espaços do Mosteiro de Singeverga. A descrição dos claustros feita pelo abade Bernardino Costa, durante a visita guiada, é particularmente simbólica. “Este é o lugar do silêncio, com elementos como a água, as plantas e a geometria a recordar o Paraíso”, sussurra. Um lugar que não está parado no tempo e onde as melhorias são sempre bem-vindas, como se vê pela fonte desenhada pelo arquiteto Ricardo Azevedo e pelas esculturas de Paulo Neves.

A forte presença beneditina em Santo Tirso vem de longe. Após a expropriação dos bens das ordens religiosas, em 1834, desapareceram deste território durante algumas décadas do séc. XIX, mas graças a uma doação particular, ali se voltaram a fixar. Mais concretamente, numa vasta propriedade agrícola, com 80 hectares, na freguesia de Roriz, onde se fundou o Mosteiro de Singeverga, em 1892. Com o crescimento da comunidade, na primeira metade do séc. XX, avançou-se com a construção de um novo edifício, entre 1953-57, projeto de linhas modernistas que nunca ficou concluído.

Lucília Monteiro

Há 15 anos, foi remodelada a igreja, no lugar onde deveria existir um refeitório. E foi mais ou menos por esta altura que os beneditinos receberam a notícia de uma herança significativa. Um quadro de grandes dimensões, de autor desconhecido, retratando a adoração dos magos. Só em 2018, após um congresso com vários entendidos, se chegou a um consenso sobre a autoria: o mestre italiano Tintoretto (1518-1594), em conjunto com os seus discípulos. A tela, com diferentes planos, ocupa um lugar central no espaço litúrgico e, hoje, é uma das principais atrações de Singeverga. “Quando temos a luz de maio a bater nas janelas, ao final da tarde, parece que entramos pelo quadro adentro”, conta o abade Bernardino. A contribuir para a serenidade celestial da capela estão ainda o altar e o ambão de mármore branco, a representar os 12 apóstolos e um anjo (em confronto, o lugar da crucificação e da ressurreição), obras de Paulo Neves.

Lucília Monteiro

De outra ordem, que não a do divino, é a entrada no pequeno museu de etnografia e zoologia de Angola. Um cenário inesperadamente exótico no mosteiro, com o aroma da naftalina a pairar entre os exemplares de borboletas e outros insetos, caveiras de elefantes e leões, arte e artefactos africanos, recolhidos nas missões que os monges beneditinos foram obrigados a fazer, durante o antigo regime, nas ex-colónias.

Lucília Monteiro

Por marcação, é possível agendar uma visita geral a Singeverga e conhecer esta e outras preciosidades. Por enquanto, não é cobrada qualquer quantia, mas aceitam-se donativos e vendem-se produtos feitos pelos próprios monges (atualmente, vivem 23 irmãos na casa). Entre eles, as originais encadernações de couro, de Bíblias ou de simples blocos de notas, disponíveis também por encomenda.

O acolhimento aos grupos faz-se na Sala do Capítulo, com a imagem de Cristo Ressuscitado da autoria de Charters de Almeida e os murais alusivos a Roriz do artista plástico brasileiro Cláudio Pastro. Aqui é servido o célebre licor da casa (igualmente à venda). “Muita gente faz licores caseiros, mas não há comparação possível”, defende o padre Albino, responsável pela supervisão do processo de produção, moroso e praticamente artesanal, dividido em várias etapas.

A receita, feita por um engenheiro químico, mantém-se no segredo dos deuses (ou de um só Deus), mas, nos frasquinhos dispostos na adega, são reveladas algumas das especiarias usadas (como açafrão, baunilha, pau de canela, cravinho, semente de coentros ou cálamo aromático). As gravuras da caixa, alusivas à vida de S. Bento, e o formato da garrafa (feita por sopro, na Marinha Grande) são similares aos do início da produção, em 1945, tal como o carimbo de chumbo que a sela.

Lucília Monteiro

Quem anseie por paz e silêncio poderá ficar em retiro no mosteiro. “Não é um hotel, aceitamos pessoas que chegam com algum propósito espiritual ou uma recomendação”, sublinha o abade Bernardino Costa. “Há quem venha à procura de Deus e quem precise apenas de sossego para estudar”, conta. Todos os hóspedes podem participar na oração litúrgica diária e tomar as refeições em conjunto com a comunidade, além de poderem usufruir de um bosque para longos passeios. Há dois anos, à hospedaria interior (com 15 quartos, só para homens), dentro do espaço de clausura, foi adicionada uma exterior, completamente independente, com oito quartos (dois deles para casais), cozinha equipada, uma singela e belíssima capela (também com peças de Paulo Neves), e um vasto jardim. Instalações a cumprir a Regra de São Bento sobre a receção aos hóspedes, que aqui reproduzimos: “Todos os hóspedes que se apresentam no mosteiro sejam recebidos como se fosse o próprio Cristo, pois Ele dirá um dia: ‘Fui hóspede e recebestes-me’. E dispense-se a todos a devida honra, principalmente aos irmãos na fé e aos peregrinos.” Abençoados princípios.

Lucília Monteiro

Lucília Monteiro

Há um culto da beleza impregnado nos diferentes espaços do Mosteiro de Singeverga. A descrição dos claustros feita pelo abade Bernardino Costa, durante a visita guiada, é particularmente simbólica. “Este é o lugar do silêncio, com elementos como a água, as plantas e a geometria a recordar o Paraíso”, sussurra. Um lugar que não está parado no tempo e onde as melhorias são sempre bem-vindas, como se vê pela fonte desenhada pelo arquiteto Ricardo Azevedo e pelas esculturas de Paulo Neves.

A forte presença beneditina em Santo Tirso vem de longe. Após a expropriação dos bens das ordens religiosas, em 1834, desapareceram deste território durante algumas décadas do séc. XIX, mas graças a uma doação particular, ali se voltaram a fixar. Mais concretamente, numa vasta propriedade agrícola, com 80 hectares, na freguesia de Roriz, onde se fundou o Mosteiro de Singeverga, em 1892. Com o crescimento da comunidade, na primeira metade do séc. XX, avançou-se com a construção de um novo edifício, entre 1953-57, projeto de linhas modernistas que nunca ficou concluído.

Lucília Monteiro

Há 15 anos, foi remodelada a igreja, no lugar onde deveria existir um refeitório. E foi mais ou menos por esta altura que os beneditinos receberam a notícia de uma herança significativa. Um quadro de grandes dimensões, de autor desconhecido, retratando a adoração dos magos. Só em 2018, após um congresso com vários entendidos, se chegou a um consenso sobre a autoria: o mestre italiano Tintoretto (1518-1594), em conjunto com os seus discípulos. A tela, com diferentes planos, ocupa um lugar central no espaço litúrgico e, hoje, é uma das principais atrações de Singeverga. “Quando temos a luz de maio a bater nas janelas, ao final da tarde, parece que entramos pelo quadro adentro”, conta o abade Bernardino. A contribuir para a serenidade celestial da capela estão ainda o altar e o ambão de mármore branco, a representar os 12 apóstolos e um anjo (em confronto, o lugar da crucificação e da ressurreição), obras de Paulo Neves.

Lucília Monteiro

De outra ordem, que não a do divino, é a entrada no pequeno museu de etnografia e zoologia de Angola. Um cenário inesperadamente exótico no mosteiro, com o aroma da naftalina a pairar entre os exemplares de borboletas e outros insetos, caveiras de elefantes e leões, arte e artefactos africanos, recolhidos nas missões que os monges beneditinos foram obrigados a fazer, durante o antigo regime, nas ex-colónias.

Lucília Monteiro

Por marcação, é possível agendar uma visita geral a Singeverga e conhecer esta e outras preciosidades. Por enquanto, não é cobrada qualquer quantia, mas aceitam-se donativos e vendem-se produtos feitos pelos próprios monges (atualmente, vivem 23 irmãos na casa). Entre eles, as originais encadernações de couro, de Bíblias ou de simples blocos de notas, disponíveis também por encomenda.

O acolhimento aos grupos faz-se na Sala do Capítulo, com a imagem de Cristo Ressuscitado da autoria de Charters de Almeida e os murais alusivos a Roriz do artista plástico brasileiro Cláudio Pastro. Aqui é servido o célebre licor da casa (igualmente à venda). “Muita gente faz licores caseiros, mas não há comparação possível”, defende o padre Albino, responsável pela supervisão do processo de produção, moroso e praticamente artesanal, dividido em várias etapas.

A receita, feita por um engenheiro químico, mantém-se no segredo dos deuses (ou de um só Deus), mas, nos frasquinhos dispostos na adega, são reveladas algumas das especiarias usadas (como açafrão, baunilha, pau de canela, cravinho, semente de coentros ou cálamo aromático). As gravuras da caixa, alusivas à vida de S. Bento, e o formato da garrafa (feita por sopro, na Marinha Grande) são similares aos do início da produção, em 1945, tal como o carimbo de chumbo que a sela.

Lucília Monteiro

Quem anseie por paz e silêncio poderá ficar em retiro no mosteiro. “Não é um hotel, aceitamos pessoas que chegam com algum propósito espiritual ou uma recomendação”, sublinha o abade Bernardino Costa. “Há quem venha à procura de Deus e quem precise apenas de sossego para estudar”, conta. Todos os hóspedes podem participar na oração litúrgica diária e tomar as refeições em conjunto com a comunidade, além de poderem usufruir de um bosque para longos passeios. Há dois anos, à hospedaria interior (com 15 quartos, só para homens), dentro do espaço de clausura, foi adicionada uma exterior, completamente independente, com oito quartos (dois deles para casais), cozinha equipada, uma singela e belíssima capela (também com peças de Paulo Neves), e um vasto jardim. Instalações a cumprir a Regra de São Bento sobre a receção aos hóspedes, que aqui reproduzimos: “Todos os hóspedes que se apresentam no mosteiro sejam recebidos como se fosse o próprio Cristo, pois Ele dirá um dia: ‘Fui hóspede e recebestes-me’. E dispense-se a todos a devida honra, principalmente aos irmãos na fé e aos peregrinos.” Abençoados princípios.

Lucília Monteiro

marcar artigo