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01-02-2014
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Marc Ferro, historiador de gabarito internacional, co-responsável da revista Les Annales, escreveu um interessante livro sobre a importância do "ressentimento" na história e na narrativa historiográfica.

Foi traduzido e publicado em português (parece-me, a tradução, muito deficiente, mas não chega para enternecer a qualidade do livro) pela Teorema, em 2009. A edição francesa é de 2007.

Actualíssima abordagem e sugere chaves interpretativas para a crise politica em Portugal, digo eu.

A parte final resume bem o sentido da démarche do historiador.

E cito:

'(...)Se as ligações que podem estabelecer-se entre um ressentimento individual e o de uma colectividade constituem uma das características que este trabalho revelou, assim como a ambivalência do sinal da revolta que o ressentimento pode segregar, impõe-se uma outra constatação que não figurava entre as nossas hipóteses à partida: a reciprocidade dos ressentimentos.

O ressentimento não é apanágio daqueles que no ínicio identificámos como vítimas: escravos, classes oprimidas, povos vencidos, etc. A investigação descobre que, simultânea ou alternadamente, o ressentimento pode afectar, inibir não apenas uma das partes em causa, mas as duas. O caso da reacção que se segue a uma revolução é óbvio, mas os percursos deste tipo são múltiplos e variados.

Como é que, logo nos primórdios do cristianismo, a Igreja perseguida, assim que o Estado a institui, se torna perseguidora, nomeadamente de hereges? Como é que, no outro estremo da História, ao ressentimento dos nazis contra os judeus, acusados de impedir a Alemanha de cumprir o seu destino, que a leva ao genocídio, responde o ressentimento dos sobreviventes? Há alemães do pós-guerra que «perdoam» aos judeus os seus delitos imaginários (...).

Esta reciprocidade, síncrona ou alternada, é um dos viveiros que lhe asseguram a perenidade. Devemos a Pierre Nora ter identificado estes lugares de memória, quer se trate da escola ou da Igreja, da comemoração ou da celebração.'

Ora o que explica a crise politica actual, que vivemos em Portugal, é da dimensão do ressentimento.

O PSD não perdoou, nunca, a segunda vitória de Sócrates, sem maioria absoluta. Aproveitou-se dessa fragilidade para o exaurir até ao tutano.

O último discurso de Manuela Ferreira Leite, na votação do PEC III, na Assembleia da República, foi a prova provada disso mesmo, como bem sublinhou a deputada socialista Sónia Fertuzinhos, e não teve réplica da economista social-democrata.

O discurso do senhor Silva, na sua tomada de posse como PR, para um segundo mandato, é outra prova provada disso mesmo. O ressentimento deste politico algarvio por lhe terem descoberto fraquezas, bem humanas por sinal, de ganhar dinheiro fácil em operações financeiras de duvidosa procedência, de ter comprado, a preço de favor e de "ilegitimamente" ter construído, um enorme vivenda na urbanização da Coelha foi bem notório. Cavaco Silva responsabiliza os socialistas e Sócrates por essa "campanha negra", diz ele, e portanto quer a cabeça do primeiro-ministro e a derrota dos socialistas. Disto não restam dúvidas.

Portanto, tentar falar de interesse nacional, de patriotismo, de serviço público e de outras falácias é de ir às lágrimas.

O que tem comandado e formatado a actual situação é memo o ressentimento dos políticos sociais-democratas.

Não tenho o menor tipo de dúvida.

O livro de Marc Ferro ajuda, claramente, a perceber e a descodificar este vírus letal na politica e na história.

Marc Ferro, historiador de gabarito internacional, co-responsável da revista Les Annales, escreveu um interessante livro sobre a importância do "ressentimento" na história e na narrativa historiográfica.

Foi traduzido e publicado em português (parece-me, a tradução, muito deficiente, mas não chega para enternecer a qualidade do livro) pela Teorema, em 2009. A edição francesa é de 2007.

Actualíssima abordagem e sugere chaves interpretativas para a crise politica em Portugal, digo eu.

A parte final resume bem o sentido da démarche do historiador.

E cito:

'(...)Se as ligações que podem estabelecer-se entre um ressentimento individual e o de uma colectividade constituem uma das características que este trabalho revelou, assim como a ambivalência do sinal da revolta que o ressentimento pode segregar, impõe-se uma outra constatação que não figurava entre as nossas hipóteses à partida: a reciprocidade dos ressentimentos.

O ressentimento não é apanágio daqueles que no ínicio identificámos como vítimas: escravos, classes oprimidas, povos vencidos, etc. A investigação descobre que, simultânea ou alternadamente, o ressentimento pode afectar, inibir não apenas uma das partes em causa, mas as duas. O caso da reacção que se segue a uma revolução é óbvio, mas os percursos deste tipo são múltiplos e variados.

Como é que, logo nos primórdios do cristianismo, a Igreja perseguida, assim que o Estado a institui, se torna perseguidora, nomeadamente de hereges? Como é que, no outro estremo da História, ao ressentimento dos nazis contra os judeus, acusados de impedir a Alemanha de cumprir o seu destino, que a leva ao genocídio, responde o ressentimento dos sobreviventes? Há alemães do pós-guerra que «perdoam» aos judeus os seus delitos imaginários (...).

Esta reciprocidade, síncrona ou alternada, é um dos viveiros que lhe asseguram a perenidade. Devemos a Pierre Nora ter identificado estes lugares de memória, quer se trate da escola ou da Igreja, da comemoração ou da celebração.'

Ora o que explica a crise politica actual, que vivemos em Portugal, é da dimensão do ressentimento.

O PSD não perdoou, nunca, a segunda vitória de Sócrates, sem maioria absoluta. Aproveitou-se dessa fragilidade para o exaurir até ao tutano.

O último discurso de Manuela Ferreira Leite, na votação do PEC III, na Assembleia da República, foi a prova provada disso mesmo, como bem sublinhou a deputada socialista Sónia Fertuzinhos, e não teve réplica da economista social-democrata.

O discurso do senhor Silva, na sua tomada de posse como PR, para um segundo mandato, é outra prova provada disso mesmo. O ressentimento deste politico algarvio por lhe terem descoberto fraquezas, bem humanas por sinal, de ganhar dinheiro fácil em operações financeiras de duvidosa procedência, de ter comprado, a preço de favor e de "ilegitimamente" ter construído, um enorme vivenda na urbanização da Coelha foi bem notório. Cavaco Silva responsabiliza os socialistas e Sócrates por essa "campanha negra", diz ele, e portanto quer a cabeça do primeiro-ministro e a derrota dos socialistas. Disto não restam dúvidas.

Portanto, tentar falar de interesse nacional, de patriotismo, de serviço público e de outras falácias é de ir às lágrimas.

O que tem comandado e formatado a actual situação é memo o ressentimento dos políticos sociais-democratas.

Não tenho o menor tipo de dúvida.

O livro de Marc Ferro ajuda, claramente, a perceber e a descodificar este vírus letal na politica e na história.

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