Classe de Piano do Conservatório Regional de Setúbal: O Prodígio

22-01-2012
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Numa rara entrevista, o pianista russo Evgeny Kissin fala a Vadim Prokhorov sobre a sua vida e arte – e da noite que, com 12 anos, uma única actuação o projectou para a história da música.2 de Janeiro de 2004 (in The Guardian)Já com cerca de duas horas de conversa, Evgeny Kissin, sentado no seu apartamento no Upper West Side de Nova Iorque, fica de algum modo inquieto e pergunta quantas questões eu ainda tenho para ele. “Não muitas, na realidade”, respondo. “A razão pela qual pergunto”, continua, “é que o nosso prédio tem uma nova regra: é proibido estudar piano após as 21 horas e já são sete da tarde”.Esta nova regra é ainda um reflexo da experiência vivida por ele e sua família no apartamento que tinham em Moscovo. O seu vizinho de baixo de então, um capitão de artilharia, telefonou à escola de música distrital onde a mãe de Kissin trabalhava como professora de piano e queixou-se do barulho que Kissin (de 14 anos de idade) fazia. Também levantou a suspeita que a mãe de Kissin estaria a dar lições particulares em casa, o que era um crime na altura na União Soviética. Mais tarde, em conversa com a mãe de Kissin, o capitão perguntou-lhe se o seu filho frequentava a escola – a pergunta era uma “rasteira”, pois também era crime se uma criança não fosse à escola. A mãe de Kissin respondeu que o seu filho tinha um estatuto especial de frequência das aulas de maneira a poder estudar mais em casa. O capitão respondeu: “eu sou um oficial de artilharia, mas não ando a disparar canhões em casa”.Um grupo de vizinhos fez queixa em tribunal, alegando que Kissin tinha um enorme piano de cauda no meio de uma sala – “Na realidade nós tínhamos um piano vertical na altura” comenta Evgeny Kissin – e que “um rapaz está sentado ao piano a carregar nos pedais com força”. Mais tarde, um polícia foi investigar. Nesse dia em particular, Kissin estava num ensaio no Kremlin para um concerto de gala integrado no 27º Congresso do Partido Comunista. “O meu pai explicou ao polícia a razão da minha ausência”, diz Kissin. “O polícia fez então continência e disse, ‘Seja. O estudar piano nunca mais será problema daqui em diante’ “O capitão de artilharia na realidade não sofreu muito com problemas de “ruído” quando Kissin era criança. No seu primeiro ano na Escola de Música Especial de Gnesin, onde ele entrou com 6 anos de idade, Kissin estudava no máximo 20 minutos por dia. No seu segundo ano na escola, ele estudava perto de uma hora, e após 3 anos, quatro horas por dia. “Eu acho que não precisava de muita disciplina no início”, diz Kissin. “como músico, estava a desenvolver-me muito depressa e quando se tem um verdadeiro talento, consegue-se evoluir usando apenas o talento natural, sem muito esforço. Mais tarde chega o momento em que não se consegue crescer sem trabalho árduo”.Kissin, actualmente [2004] com 32 anos, era bastante calmo em criança. Ficava no seu berço e ouvia a sua irmã mais velha tocar piano. Um dia ele cantarolou um tema de uma Fuga de Bach que a irmã estava a estudar. Ele tinha apenas 1 ano de idade. Daí em diante ele cantava tudo que ouvia: o repertório que a irmã estudava, melodias que ouvia na rádio, TV e discos. Aos dois anos de idade começou a estudar piano. Ninguém, o ensinou antes de ingressar na escola e foi apenas aí que começou a ler música. “Os meus pais não esperavam que eu tivesse um talento para a música”, diz Kissin. “Eles não pensavam que eu pudesse tornar-me um músico, por isso permitiram que fizesse o que queria. Pensavam que a minha irmã seria pianista”. Na Escola de Gnesin entrou para a classe de Anna Pavlovna Kantor – a única professora de piano que sempre teve. “Desde que me lembro”, diz Kissin, “sempre estive mais interessado em música do que em brincar na rua com as outras crianças. Sempre foi um impulso que nem eu nem ninguém conseguiu travar. Talvez alguns pensem que a minha infância não foi normal. Para mim foi tão normal e natural como respirar”. A sua primeira actuação foi com 7 anos de idade, quando tocou composições suas. Tocou o seu primeiro concerto com orquestra com 10 anos; aos 12 tocou os concertos para piano e orquestra de Chopin com a Orquestra Filarmónica de Moscovo e Dmitry Kitaenko na grande sala do Conservatório de Moscovo. Este célebre concerto foi um dos marcos mais importantes e memoráveis na carreira do pianista. Ele era virtualmente desconhecido até aquela noite; acordou na manhã seguinte uma lenda.Em 1988 conheceu Herbert von Karajan e tocou com ele o primeiro concerto para piano e orquestra de Tchaikovsky. A sua apresentação a este maestro foi muito inesperada. O seu empresário Hans-Dieter Gohre convidou Kissin e a sua família para ficarem em Munique antes do início da sua tournée pela Áustria e Suiça com os Moscow Virtuosi. Uma certa manhã, Gohre telefonou-lhe e perguntou-lhe se ele estaria na disposição de conhecer e tocar para Karajan. Ele tinha enviado a Karajan gravações de Kissin, perguntando-lhe se estaria disponível para o conhecer. Karajan acedeu. Kissin recorda cada minuto desse encontro e o efeito extraordinário que Karajan exerceu nele. O efeito foi mutuo e Kissin lembra que Karajan apontou para ele e disse: “Génio”.Kissin apresenta-se cerca de 40 vezes por ano em concerto, o que é uma das razões para o facto de nunca parecer cansado de tocar piano. Apesar de se interessar por várias coisas, não tem nenhum hobbie em particular. “A minha arte é a minha vida”, assegura. “Uma é inseparável da outra”.


Numa rara entrevista, o pianista russo Evgeny Kissin fala a Vadim Prokhorov sobre a sua vida e arte – e da noite que, com 12 anos, uma única actuação o projectou para a história da música.2 de Janeiro de 2004 (in The Guardian)Já com cerca de duas horas de conversa, Evgeny Kissin, sentado no seu apartamento no Upper West Side de Nova Iorque, fica de algum modo inquieto e pergunta quantas questões eu ainda tenho para ele. “Não muitas, na realidade”, respondo. “A razão pela qual pergunto”, continua, “é que o nosso prédio tem uma nova regra: é proibido estudar piano após as 21 horas e já são sete da tarde”.Esta nova regra é ainda um reflexo da experiência vivida por ele e sua família no apartamento que tinham em Moscovo. O seu vizinho de baixo de então, um capitão de artilharia, telefonou à escola de música distrital onde a mãe de Kissin trabalhava como professora de piano e queixou-se do barulho que Kissin (de 14 anos de idade) fazia. Também levantou a suspeita que a mãe de Kissin estaria a dar lições particulares em casa, o que era um crime na altura na União Soviética. Mais tarde, em conversa com a mãe de Kissin, o capitão perguntou-lhe se o seu filho frequentava a escola – a pergunta era uma “rasteira”, pois também era crime se uma criança não fosse à escola. A mãe de Kissin respondeu que o seu filho tinha um estatuto especial de frequência das aulas de maneira a poder estudar mais em casa. O capitão respondeu: “eu sou um oficial de artilharia, mas não ando a disparar canhões em casa”.Um grupo de vizinhos fez queixa em tribunal, alegando que Kissin tinha um enorme piano de cauda no meio de uma sala – “Na realidade nós tínhamos um piano vertical na altura” comenta Evgeny Kissin – e que “um rapaz está sentado ao piano a carregar nos pedais com força”. Mais tarde, um polícia foi investigar. Nesse dia em particular, Kissin estava num ensaio no Kremlin para um concerto de gala integrado no 27º Congresso do Partido Comunista. “O meu pai explicou ao polícia a razão da minha ausência”, diz Kissin. “O polícia fez então continência e disse, ‘Seja. O estudar piano nunca mais será problema daqui em diante’ “O capitão de artilharia na realidade não sofreu muito com problemas de “ruído” quando Kissin era criança. No seu primeiro ano na Escola de Música Especial de Gnesin, onde ele entrou com 6 anos de idade, Kissin estudava no máximo 20 minutos por dia. No seu segundo ano na escola, ele estudava perto de uma hora, e após 3 anos, quatro horas por dia. “Eu acho que não precisava de muita disciplina no início”, diz Kissin. “como músico, estava a desenvolver-me muito depressa e quando se tem um verdadeiro talento, consegue-se evoluir usando apenas o talento natural, sem muito esforço. Mais tarde chega o momento em que não se consegue crescer sem trabalho árduo”.Kissin, actualmente [2004] com 32 anos, era bastante calmo em criança. Ficava no seu berço e ouvia a sua irmã mais velha tocar piano. Um dia ele cantarolou um tema de uma Fuga de Bach que a irmã estava a estudar. Ele tinha apenas 1 ano de idade. Daí em diante ele cantava tudo que ouvia: o repertório que a irmã estudava, melodias que ouvia na rádio, TV e discos. Aos dois anos de idade começou a estudar piano. Ninguém, o ensinou antes de ingressar na escola e foi apenas aí que começou a ler música. “Os meus pais não esperavam que eu tivesse um talento para a música”, diz Kissin. “Eles não pensavam que eu pudesse tornar-me um músico, por isso permitiram que fizesse o que queria. Pensavam que a minha irmã seria pianista”. Na Escola de Gnesin entrou para a classe de Anna Pavlovna Kantor – a única professora de piano que sempre teve. “Desde que me lembro”, diz Kissin, “sempre estive mais interessado em música do que em brincar na rua com as outras crianças. Sempre foi um impulso que nem eu nem ninguém conseguiu travar. Talvez alguns pensem que a minha infância não foi normal. Para mim foi tão normal e natural como respirar”. A sua primeira actuação foi com 7 anos de idade, quando tocou composições suas. Tocou o seu primeiro concerto com orquestra com 10 anos; aos 12 tocou os concertos para piano e orquestra de Chopin com a Orquestra Filarmónica de Moscovo e Dmitry Kitaenko na grande sala do Conservatório de Moscovo. Este célebre concerto foi um dos marcos mais importantes e memoráveis na carreira do pianista. Ele era virtualmente desconhecido até aquela noite; acordou na manhã seguinte uma lenda.Em 1988 conheceu Herbert von Karajan e tocou com ele o primeiro concerto para piano e orquestra de Tchaikovsky. A sua apresentação a este maestro foi muito inesperada. O seu empresário Hans-Dieter Gohre convidou Kissin e a sua família para ficarem em Munique antes do início da sua tournée pela Áustria e Suiça com os Moscow Virtuosi. Uma certa manhã, Gohre telefonou-lhe e perguntou-lhe se ele estaria na disposição de conhecer e tocar para Karajan. Ele tinha enviado a Karajan gravações de Kissin, perguntando-lhe se estaria disponível para o conhecer. Karajan acedeu. Kissin recorda cada minuto desse encontro e o efeito extraordinário que Karajan exerceu nele. O efeito foi mutuo e Kissin lembra que Karajan apontou para ele e disse: “Génio”.Kissin apresenta-se cerca de 40 vezes por ano em concerto, o que é uma das razões para o facto de nunca parecer cansado de tocar piano. Apesar de se interessar por várias coisas, não tem nenhum hobbie em particular. “A minha arte é a minha vida”, assegura. “Uma é inseparável da outra”.

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