Grande Loja do Queijo Limiano

01-07-2011
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Não leio a revista Sábado. Por causa dos cronistas e por causa da fraquíssima qualidade de escrita e temática habitual. Escusado será dizer que é revista sem futuro à vista.

Leio o Abrupto, quando o tema me interessa. O tema que lá está hoje, transcrito da revista Sábado, e intitulado “Será que o MP não consegue fazer as coisas bem uma única vez?” , é uma perfeita ignomínia. Mais uma.

Analisemos o artigo:

1.” A mediatização da Justiça foi deliberadamente procurada por um dos “agentes da justiça”, o Ministério Público.”

Esta afirmação, de vulto e de tomo, precisa de factos para a sustentar. Mas não há factos nessa sentença aviltante. Opinião pura, seria pura e simplesmente riscada, por um qualquer fact checker que se prezasse. Vale zero como afirmação e sendo, na minha perspectiva, inteiramente falsa, é a primeira ignomínia. Ampliada pelos pretensos factóides relativos à politização do MP, em casos contados e apontados - MP contra PSD; MP contra CDS e MP contra PS- bastaria um exercício mais atento de análise, para perceber que o MP não poderia mudar assim tanto, com o tempo e tendo em conta que tais mudanças ocorriam com o mesmo PGR, Cunha Rodrigues. É uma opinião que nem sequer abona inteligência de quem a produz.

2. “Os políticos do PSD, do PS, do CDS e do PCP deram ao MP quase tudo que ele exigia, em particular um modelo de autonomia quase sem limites, à italiana, com medo de parecerem pouco zelosos na luta contra a corrupção.”

Esta afirmação, vinda de quem vem, tem o seu interesse. Pacheco Pereira, era um dos deputados na AR,( um político do PSD, portanto) em 27 de Fevereiro de 1992, altura em que se discutiu na mesma AR a autonomia do MP que alguns ( Proença de Carvalho à cabeça) queriam cortar cerce, escolhendo outro modelo que não o actual e que tinha sido consagrado em 1978 no Estatuto do MP e depois na Constituição, na revisão de 1989, ficando expresso legalmente em 1992.

Não me lembro de ver Pacheco Pereira falar ou escrever nesse dia ou noutros, na AR, acerca do assunto da autonomia do MP. Lembro-me bem de o ver, numa das primeiras bancadas, a questionar o presidente do hemiciclo ( Barbosa de Melo, do seu partido) para saber quem tinha deixado entrar nos corredores da Assembleia umas centenas de manifestantes ordeiros que se sentaram nas galerias e a mencionar a desigualdade dessa extravagante concessão de direito de entrada, antes da abertura da sala nobre do Parlamento e da entrada dos deputados no hemiciclo! Citou os operários da Lisnave a quem provavelmente não seria concedido tal direito...

E contudo, apesar de ficar publicamente mudo e quieto sobre o assunto, sendo deputado e político, muito teria então a dizer sobre a autonomia e o modelo italiano que na altura fazia furor. Mas então não o fez- que se saiba. Fá-lo agora, sem fundamento teórico de espécie alguma e só para dizer de substancial que essa autonomia quase não tem limites!

Será preciso dizer-lhe frontalmente, desmentindo-o, que tem limites. E muito importantes. “A autonomia do Ministério Público caracteriza-se pela existência de mecanismos de governo próprio, pela vinculação dos magistrados a critérios de legalidade e objectividade e pela sua exclusiva sujeição às directivas, ordens e instruções previstas no Estatuto do Ministério Público.” São esses os limites e discutir o assunto, deste modo, atirando a afirmação gratuita , não passa da demagogia e da mais rasteira, parece-me.

3. . “A instituição( o MP) estava solidamente ancorada no justicialismo”, diz Pacheco Pereira. Justicialismo?!! Mas que é isso de justicialismo? Onde foi ler tal enormidade para escrever aqui? Será o justicialismo peronista?! Alguma nova doutrina inventada a preceito para o artigo da Sábado?! E se a explicação for a que adiantou a seguir com a singular frase definidora de “atitude justicialista, ou seja, de uma política que nada tem a ver com a democracia”, confesso, com pesar, a minha profunda ignorância deste nova corrente filosófico-sociológico-normativa, a comprometer axiologiamente o MP com uma esquerda ou uma direita canhota que não se enxerga.

4. “Com a mudança do Procurador, este encontrou um MP fortalecido com poderes até ao limite da afronta às liberdades pessoais e direitos de defesa, com utilização quase indiscriminada e incontrolada das escutas telefónicas (responsável: António Costa) e da prisão preventiva como instrumento de coação”.

Vejamos: o código de Processo Penal, vindo de 1987, aprovado pelo governo do PSD,( em que Pacheco Pereira foi deputado pelo PSD) viu a sua última revisão de fundo, em 1998, pela mão do professor da UC, Germano Marques da Silva e do PS.

A lei de processo penal é o instrumento chave dos poderes de intervenção do MP. E porquê do MP? Porque a filosofia desse código, genericamente apoiada pelo professor de Direito, Figueiredo Dias ( do PSD) na qualidade de presidente da Comissão Revisora, atribui ao MP o monopólio da acção penal e da direcção do Inquérito, onde se investigam todos os crimes. Pacheco Pereira tem de saber isto, para poder escrever o que escreveu sobre estes assuntos.

E só lhe seria útil saber também que relativamente a todos os casos polémicos, Cunha Rodrigues, em entrevista ao Independente de 5.12.1998, disse que “O Ministério Público foi pressionado” e sobre os tais poderes fortalecidos do MP, o mesmo Cunha Rodrigues se queixava, como ainda hoje se queixam alguns magistrados do DCIAP e de outros lados, de que “ o MP tem a tutela funcional dos processos, mas não tem os meios. Que interessa ter a tutela funcional do processo se não são adjundicados meios ao processo ou são adjudicados segundo decisões que não são as do MP?"

Pacheco Pereira sabe o que isto significa? Precisamente o contrário do que escreveu.

Pacheco Pereira sabe como funcionava e funciona a PJ? De quem depende efectivamente e qual o sentido da noção de dependência funcional?

Saberá qual a diferença essencial que existe entre o modelo português e o italiano que tanto cita no artigo? Desconfio que não sabe, pois se soubesse não escreveria o que escreveu.

Mais ainda e bem pior: ao dizer que o MP fez uma utilização “quase indiscriminada e incontrolada das escutas telefónicas”, supõe-se que Pacheco Pereira saiba quem autoriza as escutas telefónicas num processo concreto. E saberá igualmente tal coisa, no que se refere às prisões preventivas.

E assim, como sabe que é sempre um juiz de instrução, independente do MP, sabendo ainda qual a distinção entre os poderes de um JIC e os do MP, o que resta perguntar, é: que sentido faz o que escreveu? Para quem escreve, afinal? Para bacocos ou para um público por quem é preciso ter algum respeito intelectual?

De resto, Pacheco Pereira acaba no ponto que começou: com uma acusação concreta ao MP de estar a fazer política. Por causa do "envelope nove". E mostrando ainda que não percebeu, depois deste tempo todo, qual o motivo do Inquérito.

A acusação é grave, a precisar urgentemente de provas. Que se sabe muito bem que não virão. Pacheco Pereira vive de frases soltas, como essa, em que processa intencionalmente toda uma instituição, sem qualquer fundamento credível a não ser a do palpite opinativo.

E terminando também no seu registo, “quando uma instituição central do nosso sistema de justiça é acusada sem fundamento sério, de entrar na política e essa acusação ficar impune, está posto em causa o funcionamento normal da democracia.”

Isto assim, de facto, não pode continuar e impõe-se uma intervenção de quem de direito.

Publicado por josé

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Não leio a revista Sábado. Por causa dos cronistas e por causa da fraquíssima qualidade de escrita e temática habitual. Escusado será dizer que é revista sem futuro à vista.

Leio o Abrupto, quando o tema me interessa. O tema que lá está hoje, transcrito da revista Sábado, e intitulado “Será que o MP não consegue fazer as coisas bem uma única vez?” , é uma perfeita ignomínia. Mais uma.

Analisemos o artigo:

1.” A mediatização da Justiça foi deliberadamente procurada por um dos “agentes da justiça”, o Ministério Público.”

Esta afirmação, de vulto e de tomo, precisa de factos para a sustentar. Mas não há factos nessa sentença aviltante. Opinião pura, seria pura e simplesmente riscada, por um qualquer fact checker que se prezasse. Vale zero como afirmação e sendo, na minha perspectiva, inteiramente falsa, é a primeira ignomínia. Ampliada pelos pretensos factóides relativos à politização do MP, em casos contados e apontados - MP contra PSD; MP contra CDS e MP contra PS- bastaria um exercício mais atento de análise, para perceber que o MP não poderia mudar assim tanto, com o tempo e tendo em conta que tais mudanças ocorriam com o mesmo PGR, Cunha Rodrigues. É uma opinião que nem sequer abona inteligência de quem a produz.

2. “Os políticos do PSD, do PS, do CDS e do PCP deram ao MP quase tudo que ele exigia, em particular um modelo de autonomia quase sem limites, à italiana, com medo de parecerem pouco zelosos na luta contra a corrupção.”

Esta afirmação, vinda de quem vem, tem o seu interesse. Pacheco Pereira, era um dos deputados na AR,( um político do PSD, portanto) em 27 de Fevereiro de 1992, altura em que se discutiu na mesma AR a autonomia do MP que alguns ( Proença de Carvalho à cabeça) queriam cortar cerce, escolhendo outro modelo que não o actual e que tinha sido consagrado em 1978 no Estatuto do MP e depois na Constituição, na revisão de 1989, ficando expresso legalmente em 1992.

Não me lembro de ver Pacheco Pereira falar ou escrever nesse dia ou noutros, na AR, acerca do assunto da autonomia do MP. Lembro-me bem de o ver, numa das primeiras bancadas, a questionar o presidente do hemiciclo ( Barbosa de Melo, do seu partido) para saber quem tinha deixado entrar nos corredores da Assembleia umas centenas de manifestantes ordeiros que se sentaram nas galerias e a mencionar a desigualdade dessa extravagante concessão de direito de entrada, antes da abertura da sala nobre do Parlamento e da entrada dos deputados no hemiciclo! Citou os operários da Lisnave a quem provavelmente não seria concedido tal direito...

E contudo, apesar de ficar publicamente mudo e quieto sobre o assunto, sendo deputado e político, muito teria então a dizer sobre a autonomia e o modelo italiano que na altura fazia furor. Mas então não o fez- que se saiba. Fá-lo agora, sem fundamento teórico de espécie alguma e só para dizer de substancial que essa autonomia quase não tem limites!

Será preciso dizer-lhe frontalmente, desmentindo-o, que tem limites. E muito importantes. “A autonomia do Ministério Público caracteriza-se pela existência de mecanismos de governo próprio, pela vinculação dos magistrados a critérios de legalidade e objectividade e pela sua exclusiva sujeição às directivas, ordens e instruções previstas no Estatuto do Ministério Público.” São esses os limites e discutir o assunto, deste modo, atirando a afirmação gratuita , não passa da demagogia e da mais rasteira, parece-me.

3. . “A instituição( o MP) estava solidamente ancorada no justicialismo”, diz Pacheco Pereira. Justicialismo?!! Mas que é isso de justicialismo? Onde foi ler tal enormidade para escrever aqui? Será o justicialismo peronista?! Alguma nova doutrina inventada a preceito para o artigo da Sábado?! E se a explicação for a que adiantou a seguir com a singular frase definidora de “atitude justicialista, ou seja, de uma política que nada tem a ver com a democracia”, confesso, com pesar, a minha profunda ignorância deste nova corrente filosófico-sociológico-normativa, a comprometer axiologiamente o MP com uma esquerda ou uma direita canhota que não se enxerga.

4. “Com a mudança do Procurador, este encontrou um MP fortalecido com poderes até ao limite da afronta às liberdades pessoais e direitos de defesa, com utilização quase indiscriminada e incontrolada das escutas telefónicas (responsável: António Costa) e da prisão preventiva como instrumento de coação”.

Vejamos: o código de Processo Penal, vindo de 1987, aprovado pelo governo do PSD,( em que Pacheco Pereira foi deputado pelo PSD) viu a sua última revisão de fundo, em 1998, pela mão do professor da UC, Germano Marques da Silva e do PS.

A lei de processo penal é o instrumento chave dos poderes de intervenção do MP. E porquê do MP? Porque a filosofia desse código, genericamente apoiada pelo professor de Direito, Figueiredo Dias ( do PSD) na qualidade de presidente da Comissão Revisora, atribui ao MP o monopólio da acção penal e da direcção do Inquérito, onde se investigam todos os crimes. Pacheco Pereira tem de saber isto, para poder escrever o que escreveu sobre estes assuntos.

E só lhe seria útil saber também que relativamente a todos os casos polémicos, Cunha Rodrigues, em entrevista ao Independente de 5.12.1998, disse que “O Ministério Público foi pressionado” e sobre os tais poderes fortalecidos do MP, o mesmo Cunha Rodrigues se queixava, como ainda hoje se queixam alguns magistrados do DCIAP e de outros lados, de que “ o MP tem a tutela funcional dos processos, mas não tem os meios. Que interessa ter a tutela funcional do processo se não são adjundicados meios ao processo ou são adjudicados segundo decisões que não são as do MP?"

Pacheco Pereira sabe o que isto significa? Precisamente o contrário do que escreveu.

Pacheco Pereira sabe como funcionava e funciona a PJ? De quem depende efectivamente e qual o sentido da noção de dependência funcional?

Saberá qual a diferença essencial que existe entre o modelo português e o italiano que tanto cita no artigo? Desconfio que não sabe, pois se soubesse não escreveria o que escreveu.

Mais ainda e bem pior: ao dizer que o MP fez uma utilização “quase indiscriminada e incontrolada das escutas telefónicas”, supõe-se que Pacheco Pereira saiba quem autoriza as escutas telefónicas num processo concreto. E saberá igualmente tal coisa, no que se refere às prisões preventivas.

E assim, como sabe que é sempre um juiz de instrução, independente do MP, sabendo ainda qual a distinção entre os poderes de um JIC e os do MP, o que resta perguntar, é: que sentido faz o que escreveu? Para quem escreve, afinal? Para bacocos ou para um público por quem é preciso ter algum respeito intelectual?

De resto, Pacheco Pereira acaba no ponto que começou: com uma acusação concreta ao MP de estar a fazer política. Por causa do "envelope nove". E mostrando ainda que não percebeu, depois deste tempo todo, qual o motivo do Inquérito.

A acusação é grave, a precisar urgentemente de provas. Que se sabe muito bem que não virão. Pacheco Pereira vive de frases soltas, como essa, em que processa intencionalmente toda uma instituição, sem qualquer fundamento credível a não ser a do palpite opinativo.

E terminando também no seu registo, “quando uma instituição central do nosso sistema de justiça é acusada sem fundamento sério, de entrar na política e essa acusação ficar impune, está posto em causa o funcionamento normal da democracia.”

Isto assim, de facto, não pode continuar e impõe-se uma intervenção de quem de direito.

Publicado por josé

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