NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI: LUSOFONIA?

30-06-2011
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«Está pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história. [...] Felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa glória. A Europa imitará Portugal. Morte à morte! Guerra à guerra! Viva a vida! Ódio ao ódio. A liberdade é uma cidade imensa da qual todos somos concidadãos.»Victor Hugo, em 1876, a propósito da abolição da pena de morte em Portugal (o primeiro país europeu a fazê-lo).Um cidadão Brasileiro à beira da morte e outro abatido, alvejados por snipers dos GOE, após assalto a uma instituição bancária e tentiva de fuga escudados com dois reféns, parece ter a aprovação silenciosa das multidões patetas que se atarefam pelas manhãs do meu País, novo ideal de homem engordado pelo capitalismo, não há protestos, a vida continua (já foi na passada quinta-feira), os políticos acharam bem e os racistas do costume aproveitaram para orquestrar a difamação em surdina contra os imigrantes Brasileiros, no youtube, por e-mail, nos blogues e nos fóruns de sempre, mas também se ouve pelos cafés e transportes. A polícia agiu bem, o senhor Ministro agiu bem. Agiram?O senhor Ministro da Administração Interna, Rui Pereira, que deu a ordem para disparar, é um criminoso, perante a Constituição Portuguesa, o Direito, a Ética, a Justiça e a Carta dos Direitos Humanos, cometeu, além disso, um crime de lesa civilização. Em Portugal não há pena de morte, em Portugal há um Estado de Direito e tribunais, em Portugal as polícias não têm ordem para matar e apenas o dever de usar a violência proporcional em caso de evidente risco, para si ou terceiros. Quem estava em risco neste caso? Os reféns? Entendo que não. Os sequestradores no decorrer do processo de negociação haviam libertado todos os reféns, excepto dois, ambos funcionários do banco. Queriam, manifestamente, evitar a captura. Por que razão essa fuga não foi permitida? Para onde fugiriam? Num país pequeno com uma das melhores polícias de investigação do mundo, um país em que só escapam à acção da Polícia Judiciária os crimes de colarinho branco! Matariam os reféns? Não acredito. Não o podemos saber ao certo, mas há peritos na avaliação psicológica criminal que, face à situação e ao cadastro dos marginais envolvidos, concordariam comigo. Não mataram nenhum refém, soltaram-nos, retiveram dois como garantia – esse não é o comportamento de dois assassinos enlouquecidos e reincidentes, esse é o comportamento de dois homens desesperados. Decerto soltariam os reféns ao fim de alguns quilómetros. Acho que teria valido a pena correr esse risco e era possível tê-lo minimizado com as negociações adequadas – é possível estabelecer acordos entre os homens. Temos a obrigação moral de acreditar que assim é, em nome da humanidade e da vida e da decência. As civilizações são tanto maiores quanto magnânimas são. Que crime hediondo haviam praticado estes dois homens? Assaltar a merda de um banco?Mais, os GOE foram criados e treinados no contexto do combate ao terrorismo, são civis fardados, não são militares nem para-militares. Foi nisto que a polícia militar brasileira, os BOPE, veio treinar os nossos? É isto a lusofonia? É isto a Civilização Portuguesa? É este o Portugal que trago no coração? Vergonha, funda, funda vergonha.Quem são estes homens? Porque decidiram cometer aquele delito? Quem é a sua família? Quem são as mães que os choram agora? Têm filhos? Esposas? Quem são os seus amigos? Quem são? Não interessa saber?? São animais selvagens que nunca receberam um nome? Não havia neles uma única réstea de bondade, de nobreza? Eram incapazes de amar? Nada disto interessa a nós, Portugueses e Portuguesas, cidadãos que sustentamos com o nosso trabalho e o nosso voto este regime e esta sociedade? Eu ordenei a morte de alguém? Vós ordenastes? Se sim, digam-me, que é para que possa, tão rápido quanto possível, passar a fronteira.


«Está pois a pena de morte abolida nesse nobre Portugal, pequeno povo que tem uma grande história. [...] Felicito a vossa nação. Portugal dá o exemplo à Europa. Desfrutai de antemão essa imensa glória. A Europa imitará Portugal. Morte à morte! Guerra à guerra! Viva a vida! Ódio ao ódio. A liberdade é uma cidade imensa da qual todos somos concidadãos.»Victor Hugo, em 1876, a propósito da abolição da pena de morte em Portugal (o primeiro país europeu a fazê-lo).Um cidadão Brasileiro à beira da morte e outro abatido, alvejados por snipers dos GOE, após assalto a uma instituição bancária e tentiva de fuga escudados com dois reféns, parece ter a aprovação silenciosa das multidões patetas que se atarefam pelas manhãs do meu País, novo ideal de homem engordado pelo capitalismo, não há protestos, a vida continua (já foi na passada quinta-feira), os políticos acharam bem e os racistas do costume aproveitaram para orquestrar a difamação em surdina contra os imigrantes Brasileiros, no youtube, por e-mail, nos blogues e nos fóruns de sempre, mas também se ouve pelos cafés e transportes. A polícia agiu bem, o senhor Ministro agiu bem. Agiram?O senhor Ministro da Administração Interna, Rui Pereira, que deu a ordem para disparar, é um criminoso, perante a Constituição Portuguesa, o Direito, a Ética, a Justiça e a Carta dos Direitos Humanos, cometeu, além disso, um crime de lesa civilização. Em Portugal não há pena de morte, em Portugal há um Estado de Direito e tribunais, em Portugal as polícias não têm ordem para matar e apenas o dever de usar a violência proporcional em caso de evidente risco, para si ou terceiros. Quem estava em risco neste caso? Os reféns? Entendo que não. Os sequestradores no decorrer do processo de negociação haviam libertado todos os reféns, excepto dois, ambos funcionários do banco. Queriam, manifestamente, evitar a captura. Por que razão essa fuga não foi permitida? Para onde fugiriam? Num país pequeno com uma das melhores polícias de investigação do mundo, um país em que só escapam à acção da Polícia Judiciária os crimes de colarinho branco! Matariam os reféns? Não acredito. Não o podemos saber ao certo, mas há peritos na avaliação psicológica criminal que, face à situação e ao cadastro dos marginais envolvidos, concordariam comigo. Não mataram nenhum refém, soltaram-nos, retiveram dois como garantia – esse não é o comportamento de dois assassinos enlouquecidos e reincidentes, esse é o comportamento de dois homens desesperados. Decerto soltariam os reféns ao fim de alguns quilómetros. Acho que teria valido a pena correr esse risco e era possível tê-lo minimizado com as negociações adequadas – é possível estabelecer acordos entre os homens. Temos a obrigação moral de acreditar que assim é, em nome da humanidade e da vida e da decência. As civilizações são tanto maiores quanto magnânimas são. Que crime hediondo haviam praticado estes dois homens? Assaltar a merda de um banco?Mais, os GOE foram criados e treinados no contexto do combate ao terrorismo, são civis fardados, não são militares nem para-militares. Foi nisto que a polícia militar brasileira, os BOPE, veio treinar os nossos? É isto a lusofonia? É isto a Civilização Portuguesa? É este o Portugal que trago no coração? Vergonha, funda, funda vergonha.Quem são estes homens? Porque decidiram cometer aquele delito? Quem é a sua família? Quem são as mães que os choram agora? Têm filhos? Esposas? Quem são os seus amigos? Quem são? Não interessa saber?? São animais selvagens que nunca receberam um nome? Não havia neles uma única réstea de bondade, de nobreza? Eram incapazes de amar? Nada disto interessa a nós, Portugueses e Portuguesas, cidadãos que sustentamos com o nosso trabalho e o nosso voto este regime e esta sociedade? Eu ordenei a morte de alguém? Vós ordenastes? Se sim, digam-me, que é para que possa, tão rápido quanto possível, passar a fronteira.

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