Oriundo de terras bávaras, onde o casario se deixa coroar por funestos telhados negros que se opõem ao verde dominante, a descida despercebida do avião estarreceu-me quando, acordado do enfado da viagem, avistei telhados de vermelho garrido em pequenas e singelas casas dispersas, salpicando uma paisagem rural de relevo incerto e mosaicos assimétricos. O planar do sopé de uma montanha revelou a lisura de um encosta que reconheci outrora em guerra, ou não fosse ela o pano de fundo de inúmeras reportagens que anunciaram sórdidos combates e terror. Emergiu alguma fealdade, à medida que a concentração de casas deu lugar a altos e funestos prédios sem harmonia, à medida que a densidade das moradias desvelava a urbe. Zagreb espraiava-se no meu olhar. Acto contínuo à normal aterragem, encontrava-me no interior de uma aerogare digna, mas sem brilho. Desde a passagem nos serviços transfonteiriços até apanhar a bagagem foi um instante. Lá fora perscrutei todos os cantos em busca de informação sobre câmbio. Nada, as poucas casas para o efeito apresentavam-se apinhadas e porque a fome apertava, encontrei uma máquina automática. Levantei o que a intuição me sugeriu: 300 kunas. Julguei suficientes para me fazer à cidade e para qualquer gasto imprevisto. Lá fora fui surpreendido pelo verde envolvente, onde a Primavera já explodira na sua plenitude. Aquiesci: um clima assaz amigo para esta chegada. Todavia, o cauto aconselhou a não afeiçoar-me a qualquer assombro prematuro. Zagreb, como cidade, evocava conflito, e, de certo modo, ia preparado para tudo. Foi fácil descortinar um meio de transporte até à cidade, disponível num autocarro guiado por um sujeito de trejeitos másculos. Pelo caminho, em 20 min de viagem atravessei o Rio Sava, além dos mais alcandorados edifícios sem estética que ladeavam o rio que a cidade não abraçava. Esta tinha uma vocação mais montanhista.Daí até estacionar e iniciar a minha orientação na cidade, foi um fado. As informações eram deficitárias e os mapas da estação central careciam do providencial e útil “você está aqui. Meti por um passeio até à linha dos eléctricos que normalmente se encontra no trilho dos centros, e aí tomei uma imensa avenida marginal que, no dizer do mapa, me levaria à rua pretendida. Fui flanqueado por graffitis que me prognosticaram o pior cenário. Sempre associei esta arte (que respeito) à prevalência de problemas sociais e violência. Vetustos prédios ensombravam o meu caminhar e certamente eram vestígios do comunismo, incorporando uma arquitectura gélida e informe. Até à rua estipulada, precisava de comunicar com um tal Sr. Dinko Morovic. Pelo caminho, numa rota pouco afável ao recém-chegado, a impressão foi de pobreza e miséria. O progressivo caminhar foi exibindo um decrescendo de indigência, que dava lugar à modernidade que já conheci em longitudes do Leste Europeu. Esta impressão derivava do esboço que fui lendo nos rostos que se me cruzavam, patenteando auto-confiança e assertividade. Os femininos exibiam uma beleza infinita. E se necessidades fisiológicas me obrigaram a alienar das observações preliminares, não fiquei indiferente ao verde que quebrou a desarmonia inicial, nem à confortável segurança que me foi rodeando, enleando a minha chegada. Ainda não o conhecia, mas o rei Tomislav, perpetuado na estátua equestre, saudou-me à chegada, porém, por entre o bulício formigueiro que efervescia da estação de comboios que ele velava, e a não habituação a recepções régias, alienei-me do seu acolhimento.Posteriormente redimi-me do sacrilégio e compensei o Rei e os seus outrora súbditos.
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Oriundo de terras bávaras, onde o casario se deixa coroar por funestos telhados negros que se opõem ao verde dominante, a descida despercebida do avião estarreceu-me quando, acordado do enfado da viagem, avistei telhados de vermelho garrido em pequenas e singelas casas dispersas, salpicando uma paisagem rural de relevo incerto e mosaicos assimétricos. O planar do sopé de uma montanha revelou a lisura de um encosta que reconheci outrora em guerra, ou não fosse ela o pano de fundo de inúmeras reportagens que anunciaram sórdidos combates e terror. Emergiu alguma fealdade, à medida que a concentração de casas deu lugar a altos e funestos prédios sem harmonia, à medida que a densidade das moradias desvelava a urbe. Zagreb espraiava-se no meu olhar. Acto contínuo à normal aterragem, encontrava-me no interior de uma aerogare digna, mas sem brilho. Desde a passagem nos serviços transfonteiriços até apanhar a bagagem foi um instante. Lá fora perscrutei todos os cantos em busca de informação sobre câmbio. Nada, as poucas casas para o efeito apresentavam-se apinhadas e porque a fome apertava, encontrei uma máquina automática. Levantei o que a intuição me sugeriu: 300 kunas. Julguei suficientes para me fazer à cidade e para qualquer gasto imprevisto. Lá fora fui surpreendido pelo verde envolvente, onde a Primavera já explodira na sua plenitude. Aquiesci: um clima assaz amigo para esta chegada. Todavia, o cauto aconselhou a não afeiçoar-me a qualquer assombro prematuro. Zagreb, como cidade, evocava conflito, e, de certo modo, ia preparado para tudo. Foi fácil descortinar um meio de transporte até à cidade, disponível num autocarro guiado por um sujeito de trejeitos másculos. Pelo caminho, em 20 min de viagem atravessei o Rio Sava, além dos mais alcandorados edifícios sem estética que ladeavam o rio que a cidade não abraçava. Esta tinha uma vocação mais montanhista.Daí até estacionar e iniciar a minha orientação na cidade, foi um fado. As informações eram deficitárias e os mapas da estação central careciam do providencial e útil “você está aqui. Meti por um passeio até à linha dos eléctricos que normalmente se encontra no trilho dos centros, e aí tomei uma imensa avenida marginal que, no dizer do mapa, me levaria à rua pretendida. Fui flanqueado por graffitis que me prognosticaram o pior cenário. Sempre associei esta arte (que respeito) à prevalência de problemas sociais e violência. Vetustos prédios ensombravam o meu caminhar e certamente eram vestígios do comunismo, incorporando uma arquitectura gélida e informe. Até à rua estipulada, precisava de comunicar com um tal Sr. Dinko Morovic. Pelo caminho, numa rota pouco afável ao recém-chegado, a impressão foi de pobreza e miséria. O progressivo caminhar foi exibindo um decrescendo de indigência, que dava lugar à modernidade que já conheci em longitudes do Leste Europeu. Esta impressão derivava do esboço que fui lendo nos rostos que se me cruzavam, patenteando auto-confiança e assertividade. Os femininos exibiam uma beleza infinita. E se necessidades fisiológicas me obrigaram a alienar das observações preliminares, não fiquei indiferente ao verde que quebrou a desarmonia inicial, nem à confortável segurança que me foi rodeando, enleando a minha chegada. Ainda não o conhecia, mas o rei Tomislav, perpetuado na estátua equestre, saudou-me à chegada, porém, por entre o bulício formigueiro que efervescia da estação de comboios que ele velava, e a não habituação a recepções régias, alienei-me do seu acolhimento.Posteriormente redimi-me do sacrilégio e compensei o Rei e os seus outrora súbditos.