(original daqui)Em entrevista ao Público que eu não li na totalidade, Vítor Gaspar disse tudo o que havia a dizer sobre os cortes na despesa. Muito resumidinha, a afirmação central era esta: é impossível fazer cortes racionais em tão curto espaço de tempo, portanto fazemos uns quantos irracionais, cobramos mais impostos e logo se vê.Não me lembro de alguém em Portugal ter dito com tamanha clareza que não fazia ideia do que andava a fazer.Lendo as diferentes notícias que vao saindo sobre os primeiros cortes, este desnorte é ainda mais claro. A política geral é esta: cortar primeiro, avaliar depois (ler por exemplo aqui sobre a educação). Não se trata de fazer mais com menos, nem de fazer o mesmo com menos e nem sequer de ver como fazer o máximo possível com os meios possíveis - trata-se de cortar cegamente e ver no que dá. O combate ao desperdício é nulo, não há uma medida anunciada que diga "cortamos aqui porque isto não é preciso" ou "fazemos antes assim e gastamos menos dinheiro", o que há são cortes percentuais, mais ou menos arbitrários, cujos efeitos só serao conhecidos daqui a muitos anos, caso alguém entenda estudá-los algum dia.Entretanto, ninguém anda realmente à procura das fontes de despesismo e desperdício, o que significa que todos os cortes na despesa vão continuar a significar que estamos a pagar cada vez mais impostos por cada vez menos Estado. É a clássica lei da oferta e da procura: quanto mais o cidadão tiver de procurar para encontrar os resíduos do Estado, mais caros lhe ficarão estes.O caso da saúde é o mais chocante de todos. Honestamente, não me choca que a pílula deixe de ser comparticipada, desde que continue a ser distribuída gratuitamente nos centros de saúde. Claro que é preciso melhorar e mudar muita coisa para que o sistema funcione suficientemente bem para um número mais alargado de utentes, mas se é mais económico para o Estado dar pílulas do que comparticipá-las esta não me parece uma poupança inteiramente irresponsável.Já o mesmo nao pode ser dito da reduçao da comparticipaçao dos medicamentos para asmáticos, completamente injustificada, ou da decisao absolutamente inaceitável de cortar na despesa reduzindo, ainda por cima retroactivamente, o orçamento de incentivo aos transplantes. Sim, porque toda a gente sabe que os transplantes são uma fonte de desperdício, uma despesa extra, qu'isto hoje em dia transplanta-se por tudo e por nada. Em bom Português, pelo menos no Português anterior ao acordo ortográfico, esta medida significava literalmente "assassínio" e estava listada no índice abaixo de "comportamentos criminosos". Para além disso, parece que ainda por cima significa, indiretamente, desperdício.Isto não é uma política de controlo da despesa, um programa de contenção de gastos, uma afronta neo-liberal ou um ataque da direita - é uma roleta russa, irresponsável, irracional e inaceitável, qualquer que seja o quadrante político a partir do qual escolhamos observá-la.E encontra, acho que isto é o que mais me entristece, um país amorfo, triste e incapaz de reagir, uma oposição inerte, uma imprensa incapaz de questionar medidas e até uma blogosfera entregue a vernizes e posts compridos sobre casas de chá ou quezílias políticas completamente irrelevantes em tons exageradamente exaltados. E eu, a das casas de chá, também não sei de nortada que pudesse combater este desnorte.Update: a ler, um começo possível.
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(original daqui)Em entrevista ao Público que eu não li na totalidade, Vítor Gaspar disse tudo o que havia a dizer sobre os cortes na despesa. Muito resumidinha, a afirmação central era esta: é impossível fazer cortes racionais em tão curto espaço de tempo, portanto fazemos uns quantos irracionais, cobramos mais impostos e logo se vê.Não me lembro de alguém em Portugal ter dito com tamanha clareza que não fazia ideia do que andava a fazer.Lendo as diferentes notícias que vao saindo sobre os primeiros cortes, este desnorte é ainda mais claro. A política geral é esta: cortar primeiro, avaliar depois (ler por exemplo aqui sobre a educação). Não se trata de fazer mais com menos, nem de fazer o mesmo com menos e nem sequer de ver como fazer o máximo possível com os meios possíveis - trata-se de cortar cegamente e ver no que dá. O combate ao desperdício é nulo, não há uma medida anunciada que diga "cortamos aqui porque isto não é preciso" ou "fazemos antes assim e gastamos menos dinheiro", o que há são cortes percentuais, mais ou menos arbitrários, cujos efeitos só serao conhecidos daqui a muitos anos, caso alguém entenda estudá-los algum dia.Entretanto, ninguém anda realmente à procura das fontes de despesismo e desperdício, o que significa que todos os cortes na despesa vão continuar a significar que estamos a pagar cada vez mais impostos por cada vez menos Estado. É a clássica lei da oferta e da procura: quanto mais o cidadão tiver de procurar para encontrar os resíduos do Estado, mais caros lhe ficarão estes.O caso da saúde é o mais chocante de todos. Honestamente, não me choca que a pílula deixe de ser comparticipada, desde que continue a ser distribuída gratuitamente nos centros de saúde. Claro que é preciso melhorar e mudar muita coisa para que o sistema funcione suficientemente bem para um número mais alargado de utentes, mas se é mais económico para o Estado dar pílulas do que comparticipá-las esta não me parece uma poupança inteiramente irresponsável.Já o mesmo nao pode ser dito da reduçao da comparticipaçao dos medicamentos para asmáticos, completamente injustificada, ou da decisao absolutamente inaceitável de cortar na despesa reduzindo, ainda por cima retroactivamente, o orçamento de incentivo aos transplantes. Sim, porque toda a gente sabe que os transplantes são uma fonte de desperdício, uma despesa extra, qu'isto hoje em dia transplanta-se por tudo e por nada. Em bom Português, pelo menos no Português anterior ao acordo ortográfico, esta medida significava literalmente "assassínio" e estava listada no índice abaixo de "comportamentos criminosos". Para além disso, parece que ainda por cima significa, indiretamente, desperdício.Isto não é uma política de controlo da despesa, um programa de contenção de gastos, uma afronta neo-liberal ou um ataque da direita - é uma roleta russa, irresponsável, irracional e inaceitável, qualquer que seja o quadrante político a partir do qual escolhamos observá-la.E encontra, acho que isto é o que mais me entristece, um país amorfo, triste e incapaz de reagir, uma oposição inerte, uma imprensa incapaz de questionar medidas e até uma blogosfera entregue a vernizes e posts compridos sobre casas de chá ou quezílias políticas completamente irrelevantes em tons exageradamente exaltados. E eu, a das casas de chá, também não sei de nortada que pudesse combater este desnorte.Update: a ler, um começo possível.