Boas Intenções: dos jornalistas, dos blogues e das comitivas

21-01-2012
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Na escola de lavores, um blogue que eu até leio e de que até gosto todos os quinze dias, uma jornalista acusa o Ministro da Administraçao Interna de alguma prepotência contrária à boa educaçao. Nesse mesmo post, o ministro responde-lhe e várias pessoas se juntam à conversa, entre outros jornalistas, na sua maioria com histórias distintas, anónimos (esses malfeitores) e um senhor que nao para de brandir o seu cartao de militante do PSD, um conhecido garante de credibilidade.Sobre o caso ocorrem-me dizer tantas coisas que as quero separar por pontos:1) Quando os jornalistas chegaram à blogosfera, chegaram como se o facto de serem jornalistas os tornasse bloggers de especial categoria e como se o manto de credibilidade que detêm enquanto portadores de uma carteira profissional devesse ser extensível aos mesmos jornalistas quando escrevem blogues. Ora isto nao é verdade porque 1) nos blogues a legitimidade e a credibilidade estao sujeitos a outros parâmetros de validaçao, 2) o que os jornalistas escrevem nos blogues raramente sao peças jornalísticas, o que evidentemente nada tem de grave ou negativo e 3) nos blogues, ao contrário do jornalismo, eles nao sao obrigados a nenhum dos procedimentos que a deontologia lhes prescreve (como confirmar as fontes ou, neste caso, contactar o visado para declaraçoes). Assim, um jornalista nao é para a blogosfera mais do que um médico ou um pedreiro. O que nao é pouco, é muito. Mas é outro jogo, com outras regras.2) Os comentários anónimos nos blogues têm o valor que lhes artibui o blogger que decidiu permitir a sua existência. Se eu sou da opiniao que é uma cobardia pouco credível deixar comentários anónimos, devo proibi-los no meu blogue, se acho que eles devem ser permitidos por um determinado número de razoes, devo respeitá-los. Permitir uma forma de participaçao no meu blogue que depois me dou ao luxo de desprezar é que nao funciona. A blogosfera é um diálogo do qual, como bloggers, controlamos as regras. Os leitores podem escolher ler-nos, comentar-nos ou ignorar-nos e até aqui controlamos as regras.Mas quando escolhem comentar-nos, iniciam um diálogo connosco. Podemos ignorá-lo, mas nao nos devíamos dar ao luxo de desprezar pessoas que nos dao a importância que, para dizer a verdade, até nem temos.Os jornalistas nao estao habituados a este mundo do diálogo em pé de igualdade e nao é a primeira vez que os vejo reagir em corporaçao, como se quem os critica num blogue fosse automaticamente equiparado a um daqueles senhores que dizem mal da "comunicaçao social". O problema é aqui nao há a "comunicaçao social". Outras regras, outro jogo.3) Se Obama usa blogues, o Facebook e Deus sabe mais o quê, o mundo espanta-se como uma criança e desfaz-se em ovaçoes. Um ministro escreve um comentário num blogue sobre uma coisa que directamente lhe diz respeito, levando a sério uma esfera pública que efectivamente existe e toda a blogosfera se ri dele. Que o ministro lê blogues (ridículo!), que se importa com o que dizem sobre ele (nao terá mais nada que fazer? vai combater o crime, malandro!) e que se achar errado escreve um comentário (nao devia antes emitir um comunicado de imprensa a desmentir para nos rirmos do exagero da reacçao? nao valia mais ficar lá no seu pedestal, para disso o podermos acusar? que ridicularia é esta do diálogo?).4) O melhor de tudo: pelo post e pelas suas caixas de comentários afora, recebemos as versoes da história da jornalista, do ministro, dos seus assessores e de outros jornalistas. Nao há duas versoes da história que batam certo, embora existam duas bastante parecidas. O ministro sentiu-se obrigado a comentar e responder, a jornalista nao se sente obrigada a clarificar a situaçao de forma clara, embora dê meio dito por nao dito a um leitor que, ao contrário dos outros, lhe "merece uma resposta".Nao gostava de ser jornalista e ter um blogue sobre a actualidade sobre a qual escrevo profissionalmente, acho que nao deve ser fácil e admiro alguns casos mais bem conseguidos dessa esparregata. Mas se um jornalista escreve um blogue e nesse blogue nao exerce jornalismo, passa a blogger. A coisa requer uma certa humildade e nao dá para, ao menor sarrabulho, deixar a plebe para se irem refugiar outra vez no altar da classe.5) Por último, resta a evidência de que fica por provar a utilidade de as comitivas políticas viajarem com uma comitiva jornalística correspondente. Nem o jornalismo nem a política ganham alguma coisa desta convivência forçada e desta co-dependência articial. Isto é, nem o jornalismo, nem a política, nem os blogues.Nem a propósito, a história acaba por ser clarificado só no Público, ao qual a jornalista conta a história de repente de uma forma diferente e já mais clara e coerente.


Na escola de lavores, um blogue que eu até leio e de que até gosto todos os quinze dias, uma jornalista acusa o Ministro da Administraçao Interna de alguma prepotência contrária à boa educaçao. Nesse mesmo post, o ministro responde-lhe e várias pessoas se juntam à conversa, entre outros jornalistas, na sua maioria com histórias distintas, anónimos (esses malfeitores) e um senhor que nao para de brandir o seu cartao de militante do PSD, um conhecido garante de credibilidade.Sobre o caso ocorrem-me dizer tantas coisas que as quero separar por pontos:1) Quando os jornalistas chegaram à blogosfera, chegaram como se o facto de serem jornalistas os tornasse bloggers de especial categoria e como se o manto de credibilidade que detêm enquanto portadores de uma carteira profissional devesse ser extensível aos mesmos jornalistas quando escrevem blogues. Ora isto nao é verdade porque 1) nos blogues a legitimidade e a credibilidade estao sujeitos a outros parâmetros de validaçao, 2) o que os jornalistas escrevem nos blogues raramente sao peças jornalísticas, o que evidentemente nada tem de grave ou negativo e 3) nos blogues, ao contrário do jornalismo, eles nao sao obrigados a nenhum dos procedimentos que a deontologia lhes prescreve (como confirmar as fontes ou, neste caso, contactar o visado para declaraçoes). Assim, um jornalista nao é para a blogosfera mais do que um médico ou um pedreiro. O que nao é pouco, é muito. Mas é outro jogo, com outras regras.2) Os comentários anónimos nos blogues têm o valor que lhes artibui o blogger que decidiu permitir a sua existência. Se eu sou da opiniao que é uma cobardia pouco credível deixar comentários anónimos, devo proibi-los no meu blogue, se acho que eles devem ser permitidos por um determinado número de razoes, devo respeitá-los. Permitir uma forma de participaçao no meu blogue que depois me dou ao luxo de desprezar é que nao funciona. A blogosfera é um diálogo do qual, como bloggers, controlamos as regras. Os leitores podem escolher ler-nos, comentar-nos ou ignorar-nos e até aqui controlamos as regras.Mas quando escolhem comentar-nos, iniciam um diálogo connosco. Podemos ignorá-lo, mas nao nos devíamos dar ao luxo de desprezar pessoas que nos dao a importância que, para dizer a verdade, até nem temos.Os jornalistas nao estao habituados a este mundo do diálogo em pé de igualdade e nao é a primeira vez que os vejo reagir em corporaçao, como se quem os critica num blogue fosse automaticamente equiparado a um daqueles senhores que dizem mal da "comunicaçao social". O problema é aqui nao há a "comunicaçao social". Outras regras, outro jogo.3) Se Obama usa blogues, o Facebook e Deus sabe mais o quê, o mundo espanta-se como uma criança e desfaz-se em ovaçoes. Um ministro escreve um comentário num blogue sobre uma coisa que directamente lhe diz respeito, levando a sério uma esfera pública que efectivamente existe e toda a blogosfera se ri dele. Que o ministro lê blogues (ridículo!), que se importa com o que dizem sobre ele (nao terá mais nada que fazer? vai combater o crime, malandro!) e que se achar errado escreve um comentário (nao devia antes emitir um comunicado de imprensa a desmentir para nos rirmos do exagero da reacçao? nao valia mais ficar lá no seu pedestal, para disso o podermos acusar? que ridicularia é esta do diálogo?).4) O melhor de tudo: pelo post e pelas suas caixas de comentários afora, recebemos as versoes da história da jornalista, do ministro, dos seus assessores e de outros jornalistas. Nao há duas versoes da história que batam certo, embora existam duas bastante parecidas. O ministro sentiu-se obrigado a comentar e responder, a jornalista nao se sente obrigada a clarificar a situaçao de forma clara, embora dê meio dito por nao dito a um leitor que, ao contrário dos outros, lhe "merece uma resposta".Nao gostava de ser jornalista e ter um blogue sobre a actualidade sobre a qual escrevo profissionalmente, acho que nao deve ser fácil e admiro alguns casos mais bem conseguidos dessa esparregata. Mas se um jornalista escreve um blogue e nesse blogue nao exerce jornalismo, passa a blogger. A coisa requer uma certa humildade e nao dá para, ao menor sarrabulho, deixar a plebe para se irem refugiar outra vez no altar da classe.5) Por último, resta a evidência de que fica por provar a utilidade de as comitivas políticas viajarem com uma comitiva jornalística correspondente. Nem o jornalismo nem a política ganham alguma coisa desta convivência forçada e desta co-dependência articial. Isto é, nem o jornalismo, nem a política, nem os blogues.Nem a propósito, a história acaba por ser clarificado só no Público, ao qual a jornalista conta a história de repente de uma forma diferente e já mais clara e coerente.

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