Boas Intenções: dos grandes e dos pequeninos

24-01-2012
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um post em três partes sobre pássaros, penas e filmesUma vez comprei umas almofadas de penas na Ebay que em teoria eram maravilhosas. Quando chegaram descobri que, entre o luxo da descrição e a pobreza do resultado, eu tinha sido vítima de uma tradução precipitada. Se eu pensasse que penas eram penas provavelmente tinha chegado sozinha a uma conclusão útil sobre o resultado provável da minha compra, mas eu vinha de Portugal onde se chama edredon e casaco de penas a edredons e casacos de penugem delicada. Voltando às almofadas: eram de penas. Grandes. Às vezes brancas, às vezes pretas, às vezes de duas cores. Uma fronha, duas fronhas, nada resolvia o problema: para além do desconforto, uma pessoa acordava e parecia que tinha assaltado um galinheiro durante a noite ou participado em rituais de magia negra. E foi assim que as arrumei no fundo do fundo de um cesto.Uma vez havia um filme à volta do qual se fazia um sururu e que aparentemente seria uma coisa incrível. Ora neste caso deu-se que, antes de ver o respectivo, li uma crítica que levantava alguns pontos que me pareciam de validade mais do que provável, graças à qual decidi ver o dito cujo no conforto do lar (enfim, conforto respectivo, que a minha sala naquele dia era mais uma central de triagem de roupa com área de refeições que outra coisa). Assim, ao contrário da situação anterior, graças a Deus e ao Tolan não só não paguei muito como não ia à espera de mais do que o que encontrei (usar o nome de Deus em vão num contexto de partilha virtual de ficheiros familiares deve ser uma espécie de pecado novo - deve ser para isso que instituíram a confissão por iPhone).E o que encontrei, honestamente: um filme que cria suspense à custa de artifícios fáceis e demasiado reconhecíveis com uma personagem mal construída e uma história que cresce e se constrói de forma irregular e pouco conseguida. Durante toda a primeira metade do filme, trocar a banda sonora daria uma coisa fofinha sobre o ballet (alguém devia testar isto no You Tube). Todas as personagens que nao a principal sao clichets e a evoluçao da personagem central é mais um conjunto de saltos, culminando no salto final que só é inesperado porque também não foi suficientemente construído, o que dificilmente constitui um trunfo. Disseram-me que me preparasse, que fosse com alguém a quem me pudesse abraçar, que as imagens eram chocantes - eu achei um excelente filme para ver enquanto se dobra a roupa.E por último, havia um outro filme à volta do qual já não se fazia sururu nenhum e só existia uma pessoa no planeta que tinha medo de ver. Que não era nada, nao havia nada a temer, era muito bom, dizia o namorado da altura. Que uma pessoa via aquilo e só se ria da fraca qualidade dos efeitos especiais de antigamente, dizia a minha mãe. Mas de alguma forma esta vossa Rita Maria nunca deixou de acreditar que havia ali mais do que o que a queriam fazer acreditar. Um dia convoquei toda a minha coragem e vi "Os Pássaros". Fechei os olhos, arrepiei-me, olhei para o lado, voltei a olhar para o filme, apreciei a estrutura e as delícias da por vezes aparente falta dela, gozei o brilhantismo da banda sonora, cantei aquela canção da escola durante seis semanas. Os efeitos especiais eram do século passado e sim, eram só pássaros, mas o que é que isso interessa? O génio é outra coisa.Três histórias de pássaros para dizer isto: tal como as minhas almofadas galinheiro não chegam aos calcanhares das verdadeiras almofadas de penugem de ganso, também não chega a um filme ter peneiras para ser um grande filme. Temos pena.


um post em três partes sobre pássaros, penas e filmesUma vez comprei umas almofadas de penas na Ebay que em teoria eram maravilhosas. Quando chegaram descobri que, entre o luxo da descrição e a pobreza do resultado, eu tinha sido vítima de uma tradução precipitada. Se eu pensasse que penas eram penas provavelmente tinha chegado sozinha a uma conclusão útil sobre o resultado provável da minha compra, mas eu vinha de Portugal onde se chama edredon e casaco de penas a edredons e casacos de penugem delicada. Voltando às almofadas: eram de penas. Grandes. Às vezes brancas, às vezes pretas, às vezes de duas cores. Uma fronha, duas fronhas, nada resolvia o problema: para além do desconforto, uma pessoa acordava e parecia que tinha assaltado um galinheiro durante a noite ou participado em rituais de magia negra. E foi assim que as arrumei no fundo do fundo de um cesto.Uma vez havia um filme à volta do qual se fazia um sururu e que aparentemente seria uma coisa incrível. Ora neste caso deu-se que, antes de ver o respectivo, li uma crítica que levantava alguns pontos que me pareciam de validade mais do que provável, graças à qual decidi ver o dito cujo no conforto do lar (enfim, conforto respectivo, que a minha sala naquele dia era mais uma central de triagem de roupa com área de refeições que outra coisa). Assim, ao contrário da situação anterior, graças a Deus e ao Tolan não só não paguei muito como não ia à espera de mais do que o que encontrei (usar o nome de Deus em vão num contexto de partilha virtual de ficheiros familiares deve ser uma espécie de pecado novo - deve ser para isso que instituíram a confissão por iPhone).E o que encontrei, honestamente: um filme que cria suspense à custa de artifícios fáceis e demasiado reconhecíveis com uma personagem mal construída e uma história que cresce e se constrói de forma irregular e pouco conseguida. Durante toda a primeira metade do filme, trocar a banda sonora daria uma coisa fofinha sobre o ballet (alguém devia testar isto no You Tube). Todas as personagens que nao a principal sao clichets e a evoluçao da personagem central é mais um conjunto de saltos, culminando no salto final que só é inesperado porque também não foi suficientemente construído, o que dificilmente constitui um trunfo. Disseram-me que me preparasse, que fosse com alguém a quem me pudesse abraçar, que as imagens eram chocantes - eu achei um excelente filme para ver enquanto se dobra a roupa.E por último, havia um outro filme à volta do qual já não se fazia sururu nenhum e só existia uma pessoa no planeta que tinha medo de ver. Que não era nada, nao havia nada a temer, era muito bom, dizia o namorado da altura. Que uma pessoa via aquilo e só se ria da fraca qualidade dos efeitos especiais de antigamente, dizia a minha mãe. Mas de alguma forma esta vossa Rita Maria nunca deixou de acreditar que havia ali mais do que o que a queriam fazer acreditar. Um dia convoquei toda a minha coragem e vi "Os Pássaros". Fechei os olhos, arrepiei-me, olhei para o lado, voltei a olhar para o filme, apreciei a estrutura e as delícias da por vezes aparente falta dela, gozei o brilhantismo da banda sonora, cantei aquela canção da escola durante seis semanas. Os efeitos especiais eram do século passado e sim, eram só pássaros, mas o que é que isso interessa? O génio é outra coisa.Três histórias de pássaros para dizer isto: tal como as minhas almofadas galinheiro não chegam aos calcanhares das verdadeiras almofadas de penugem de ganso, também não chega a um filme ter peneiras para ser um grande filme. Temos pena.

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