Boas Intenções: O professor

01-07-2011
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(um post durante as férias de Outono, para matar saudades)O meu professor de Latim é um senhor de quarenta e sete anos (ah! a internet!), de aspecto lavado mas não demasiado cuidado. Veste umas calças de bombazine cor de ferrugem que se equilibram na última zona da barriga em que o equilíbrio é possível e, por detrás da camisa, entrevemos por vezes uma pele muito branca, mas de uma brancura que não é transparente, com uns pelinhos perdidos aqui e ali. Isto muito resumido, a sua aparência, encimada pelo corte de cabelo anjo Gabriel, é acima de tudo mediana.Os dois pontos de referência do meu professor de Latim são ele próprio (I) e a forma como as coisas são desde o princípio dos tempos (II). O grau de erro depende depois do grau de divergência, mas deve em qualquer um dos casos ser expresso por agudo desprezo e crítica severa.Por exemplo: os nossos colegas. Aqueles de nós que apanharam logo a coisa e têm um ar inteligente foram imediatamente apreciados, a respeito dos que pelo aspecto ou competências demonstradas parecem menos aptos não se absteve o nosso delicado professor, na viagem para casa, de garantir que iam desistir em breve.Outro exemplo: o Nome da Rosa. Porque é que o filme é terrível? Porque é evidente para qualquer pessoa com o mínimo de conhecimentos (i.e., o parâmetro I, ele) que a acção está centrada um dois séculos depois do que no livro. Já o livro é muito bom...embora, não, porque se perdem ali algumas oportunidades de divulgação não apenas da filosofia mas do raciocínio filosófico. Mas, concedamos, não é muito mau.Outro ainda: o ensino das línguas. Resulta evidente que deviam ser todas ensinadas como o Latim, com um ênfase no vocabulário e na gramática e que o método moderno, o método comunicativo, resulta em mentes menos estruturadas. É verdade, eu recomendo muito o médico antigo para as mentes estruturadas. Já para as competências linguísticas, não tenho a menor dúvida em preferir o método comunicativo*.E o último: a gramática de Latim: claro que todas as versões modernas não hão-de ser péssimas, mas ele recomenda uma edição da Langenscheidt dos anos 70, que foi a que ele teve na escola e com a qual fez o seu exame final de Latim. Desde então, resulta evidente, não se publicou nada de jeito, nem entre as modernas há piores e melhores. Alfarrabistas connosco!Para além de ensinar Latim e Grego Antigo e de ter estudado Filosofia e Psicologia (esta última uma disciplina que não exerce uma vez que isso implicaria ter de fazer o estágio ao abrigo duma escola cuja validade nao reconhece e de trabalhar no início sob a alçada de especialistas certamente piores que ele - desculpem, era outro exemplo escondido, não resisti), o professor de Latim tem, ou pelo menos assim anuncia na internet, um serviço de consultoria filosófica.Eu imagino a coisa assim: uma empresa está em dificuldades, contrata-o e pergunta "o que é o bem?". Ou um casal que lhe liga para saber "o que é a fidelidade?". Ou uma rapariga aborrecida, cansada do gnothi seauton que lhe escreve "e se for uma seca?".E no fim disto tudo ouvir a resposta deste senhor, poder beneficiar da sua sabedoria, do seu raciocínio, do seu discernimento, e, last but not the least da insegurança e frustraçao transmitidas a cada segundo por este desprezo constante do mundo, a tristeza que guardam.(*note-se aqui como também eu me uso como ponto de referência sem qualquer pudor, sendo portanto pelo menos tão tonta como o meu esnobante professor de latim)


(um post durante as férias de Outono, para matar saudades)O meu professor de Latim é um senhor de quarenta e sete anos (ah! a internet!), de aspecto lavado mas não demasiado cuidado. Veste umas calças de bombazine cor de ferrugem que se equilibram na última zona da barriga em que o equilíbrio é possível e, por detrás da camisa, entrevemos por vezes uma pele muito branca, mas de uma brancura que não é transparente, com uns pelinhos perdidos aqui e ali. Isto muito resumido, a sua aparência, encimada pelo corte de cabelo anjo Gabriel, é acima de tudo mediana.Os dois pontos de referência do meu professor de Latim são ele próprio (I) e a forma como as coisas são desde o princípio dos tempos (II). O grau de erro depende depois do grau de divergência, mas deve em qualquer um dos casos ser expresso por agudo desprezo e crítica severa.Por exemplo: os nossos colegas. Aqueles de nós que apanharam logo a coisa e têm um ar inteligente foram imediatamente apreciados, a respeito dos que pelo aspecto ou competências demonstradas parecem menos aptos não se absteve o nosso delicado professor, na viagem para casa, de garantir que iam desistir em breve.Outro exemplo: o Nome da Rosa. Porque é que o filme é terrível? Porque é evidente para qualquer pessoa com o mínimo de conhecimentos (i.e., o parâmetro I, ele) que a acção está centrada um dois séculos depois do que no livro. Já o livro é muito bom...embora, não, porque se perdem ali algumas oportunidades de divulgação não apenas da filosofia mas do raciocínio filosófico. Mas, concedamos, não é muito mau.Outro ainda: o ensino das línguas. Resulta evidente que deviam ser todas ensinadas como o Latim, com um ênfase no vocabulário e na gramática e que o método moderno, o método comunicativo, resulta em mentes menos estruturadas. É verdade, eu recomendo muito o médico antigo para as mentes estruturadas. Já para as competências linguísticas, não tenho a menor dúvida em preferir o método comunicativo*.E o último: a gramática de Latim: claro que todas as versões modernas não hão-de ser péssimas, mas ele recomenda uma edição da Langenscheidt dos anos 70, que foi a que ele teve na escola e com a qual fez o seu exame final de Latim. Desde então, resulta evidente, não se publicou nada de jeito, nem entre as modernas há piores e melhores. Alfarrabistas connosco!Para além de ensinar Latim e Grego Antigo e de ter estudado Filosofia e Psicologia (esta última uma disciplina que não exerce uma vez que isso implicaria ter de fazer o estágio ao abrigo duma escola cuja validade nao reconhece e de trabalhar no início sob a alçada de especialistas certamente piores que ele - desculpem, era outro exemplo escondido, não resisti), o professor de Latim tem, ou pelo menos assim anuncia na internet, um serviço de consultoria filosófica.Eu imagino a coisa assim: uma empresa está em dificuldades, contrata-o e pergunta "o que é o bem?". Ou um casal que lhe liga para saber "o que é a fidelidade?". Ou uma rapariga aborrecida, cansada do gnothi seauton que lhe escreve "e se for uma seca?".E no fim disto tudo ouvir a resposta deste senhor, poder beneficiar da sua sabedoria, do seu raciocínio, do seu discernimento, e, last but not the least da insegurança e frustraçao transmitidas a cada segundo por este desprezo constante do mundo, a tristeza que guardam.(*note-se aqui como também eu me uso como ponto de referência sem qualquer pudor, sendo portanto pelo menos tão tonta como o meu esnobante professor de latim)

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