Gerotempo: 828. Protocolo de Quioto: PORTUGAL

06-07-2011
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Artigo de Rita CalvárioPortugal assumiu o compromisso de aumentar até 27% as suas emissões no período de 2008-2012, no entanto esse valor foi há muito ultrapassado. Na 11ª Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas a Comissão Europeia apresentou um relatório que prevê para Portugal vários cenários: em qualquer dos casos é o pior desempenho da União Europeia a 25. As medidas ficam aquém do necessário e muitas ficam até por implementar. Artigo de Rita Calvário. O Contexto Actual No âmbito do Protocolo de Quioto, Portugal assumiu o compromisso de aumentar até 27% as suas emissões no período de 2008-2012, em relação ao ano de 1990. Isto é, todas as emissões acima deste patamar, durante os cinco anos referidos, terão de ser adquiridas em termos de direitos de emissão junto de outros países desenvolvidos que conseguiram ir mais além das metas acordadas. No entanto esse valor já foi há muito ultrapassado. Em 2003 (um ano em que a produção de electricidade assente em centrais hidroeléctricas foi considerável), estava 38,5% acima de 1990. Em 2004 esse crescimento já estava nos 42%, o que lhe conferiu o segundo lugar nos países da U.E. com maior aumento das emissões entre 1990-2004.Em Montreal, na 11ª Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (28 Novembro a 9 de Dezembro de 2005), a Comissão Europeia apresentou um relatório que prevê para Portugal vários cenários. De acordo com o melhor cenário, estima-se que em 2012 o país atingirá os 42,2% de emissões de CO2, um dos principais GEE. Com o pior cenário, Portugal terá mais 52.1% de emissões que em 1990. Em qualquer dos casos, este representa o pior desempenho da Europa a 25.Na última revisão do Plano Nacional sobre as Alterações Climáticas (PNAC 2006), dá-se conta de um aumento de 39% das emissões de GEE para 2010, ficando 12% acima daquilo que é permitido pelo Protocolo de Quioto. Para Portugal, este facto revela a extrema incapacidade demonstrada em alterar a economia, tornando-a menos dependente dos combustíveis fósseis. A falta de políticas públicas fortes que sejam capazes de inverter este ciclo é grave, principalmente quando o aumento das emissões não foi acompanhado por um crescimento da economia. Os Sectores Responsáveis pelas Emissões de GEE - Portugal tem uma economia altamente dependente dos combustíveis fósseis. 85% do seu consumo de energia primária provém de reservas exteriores, 58% dos quais são petróleo e os restantes (gás natural e carvão) são indexados ao seu preço. A intensidade energética (consumo de energia/PIB) degradou-se continuamente desde 1970, tendo Portugal entre 1992 e 2002 o maior crescimento no consumo de energia primária e de energia eléctrica per capita da Europa a 25 (Eurostat). Este facto deve-se sobretudo à baixa eficiência energética da economia, sendo que cerca de 60% da energia consumida poderia ser poupada. As altas taxas de crescimento no consumo têm-se verificado sobretudo nos sectores dos transportes e edifícios: em 1990 os transportes representavam 30% do consumo total de energia, a indústria 38% e os edifícios (residencial e serviços) 27%, sendo que em 2004 os transportes representavam 38%, face a 33% da indústria e a 29% dos edifícios (DGE). O sector dos transportes é o que mais contribui para a emissão de GEE (20,2% em 2003), sendo que entre 1990 e 2003 as emissões subiram 95%. De acordo com a última revisão do Plano Nacional sobre as Alterações Climáticas (PNAC 2006), prevê-se um aumento de 110% das emissões deste sector entre 1990 e 2010 (sendo que as medidas adicionais apenas trarão uma redução de 3%). O modo rodoviário merece destaque, pois se em 1990 detinha 91,3% das emissões do sector, em 2010 atingirá os 96%. Tal reflecte a expansão do parque automóvel dos últimos 15-20 anos, resultante da prevalência do privado face ao público devido às opções de ordenamento do território e dos sistemas urbanos, bem como da aposta que se fez no investimento das infra-estruturas rodoviárias em detrimento das ligações ferroviárias O transporte individual representa já quase 60% do total de emissões do sector dos transportes. Portugal está no pelotão da frente dos países da U.E. com mais automóveis por habitante (Eurostat). Entre 1990 e 2004, houve um aumento de 38% do número de automóveis, atingindo a proporção de 1 carro para cada 2 pessoas. Mais de 60% da electricidade é consumida nos edifícios, nem sempre de modo eficiente: este sector regista perdas de eficiência superiores a 50%. Até 2010 estima-se que o consumo de energia neste sector aumentará 75% (PNAC 2006). O abandono dos espaços rurais e a ausência de políticas activas para a floresta, têm justificado o elevado número de ocorrências de incêndios florestais, com dimensões elevadas, nas últimas décadas. Tal tem contribuído para o aumento das emissões atmosféricas de CO2 e para a destruição de um importante sumidouro de carbono. Desde 1980 os incêndios devastaram mais de 2.7 milhões de hectares de áreas florestais, ou seja, um terço do território continental. Os anos de 2003 e 2005 foram uma verdadeira calamidade em termos das ocorrências e da área ardida (cerca de 425 mil ha e 300 mil ha, respectivamente). A taxa anual de área ardida (2.7%) é quatro vezes superior à dos países do sul da Europa (‹1%), nomeadamente à de Espanha (0.6%), onde a vegetação e as condições climatéricas são comparáveis. O que significa que, apesar das alterações climatéricas potenciarem um maior n.º de incêndios florestais, a sua dimensão e consequências depende muito do tipo de políticas que se adoptarem para o ordenamento e gestão dos espaços florestais. Também ao nível da gestão dos resíduos, a prioridade dada à deposição em aterro e à incineração, ou o não tratamento adequado das águas residuais e dos efluentes derivados da produção animal, também tem contribuído para o aumento das emissões de GEE. Respostas Políticas aos Compromissos de Quioto - Em 1998 foi criada interministerialmente a Comissão para as Alterações Climáticas, que elaborou o Plano Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC), revisto em 2003 e aprovado em 2004. O PNAC estabelece um conjunto de políticas e medidas (e respectivos instrumentos) para reduzir as emissões de GEE, como a produção de electricidade a partir de fontes renováveis de energia, o controlo de emissões na fonte, a reformulação do imposto automóvel em função das emissões de CO2, a redução dos incêndios florestais, a melhoria da exploração e gestão florestal. No entanto, os cenários apresentados foram considerados por muitos como desviados da realidade e poucas medidas foram de facto implementadas até ao momento. Refira-se o lançamento do Programa E4 (Eficiência Energética e Energias Endógenas) em 2001, que incluía o Programa Água Quente Solar para Portugal (AQSpP) visando a criação de um mercado de colectores solares para o aquecimento de água. Este estabelecia a meta de ter 150 000 m2 de novos colectores por ano, o que conduziria a uma meta da ordem de 1 milhão de m2 de colectores instalados e operacionais até 2010. Este programa está a ser um insucesso por falta de operacionalização, sendo que em 2004 foram criados 16 mil metros quadrados, mesmo assim mais do que os 9200 m2 de 2003. Em Janeiro de 2006 foi publicado um relatório que avalia o estado de cumprimento do PQ por parte de Portugal e revê as estimativas, efectuadas no PNAC-2004, de projecção de gases com efeito de estufa (GEE). Este deu origem ao PNAC 2006, aprovado em Agosto, que revê as metas previstas para algumas medidas e propõe outras. No entanto o PNAC 2006 fica muito aquém do esforço necessário e muitas das medidas propostas não pretendem afrontar o problema de forma profunda, sendo algumas mesmo irrealistas ou insignificantes. Por exemplo, ao nível do sector dos transportes (o maior contribuidor para as emissões) as medidas focam-se em estimativas muito optimistas ligadas à expansão da rede do metro (sem serem acompanhadas por outras essenciais para se incentivar o recurso a este meio de transporte), e a outras "meio estranhas" como a redução da velocidade permitida em auto-estradas de 120 km/h para 118 km/h, a redução dos dias de serviço dos táxis (máximo de 6 dias/semana), e a conversão de 200 táxis em veículos a gás natural. Por outro lado, continua a não saber-se como se vão cumprir estas medidas. Por exemplo, o PNAC previa que até dia 15 de Setembro cada ministério apresentasse um plano de acção onde constassem as medidas a desenvolver, a sua calendarização, os meios previstos para alcançar esses fins, os indicadores e resultados esperados e o organismo interno responsável pelo acompanhamento. Mas até agora ainda não se sabe de nada. A acompanhar o PNAC têm sido elaboradas estratégias, planos e programas para os vários sectores (sobretudo para o sector da energia), com o intuito de contribuírem para a redução das emissões a nível nacional e o cumprimento de Quioto. No entanto, a maioria destas medidas tem ficado por implementar ao longo dos anos. Têm sido as Directivas emanadas da U.E., muitas das quais estabelecem metas específicas para Portugal (p.e. ao nível das fontes de energia renovável e dos biocombustíveis), que têm impulsionado muitas das políticas nacionais (regulamentos energéticos para os edifícios, eficiência energética de equipamentos, co-geração, ...). Plano Nacional de Atribuição de Licenças de Emissões (PNALE) - Em 2004, foi apresentado o primeiro PNALE para o período de 2005-2007. Este abrangeu 38,161 Mton de CO2, divididos entre 36,896 Mton para 244 instalações industriais (cerca de 46% das emissões de Portugal em 2004) e uma parte restante para novas instalações. Estas quotas atribuídas à indústria tiveram por base o histórico das emissões, sendo consideradas por muitos como excessivas e tendo sido parcialmente corrigidas pela Comissão Europeia. O PNALE, além de definir o quantitativo de direitos de emissão a atribuir ao conjunto das instalações, estabelece ainda: os critérios e metodologias para a sua distribuição; as condições para a operacionalização do registo nacional para a transacção dos direitos de emissão, compreendendo a sua regulamentação; o sistema de fiscalização e auditoria das instalações, incluindo a avaliação da capacidade destas de monitorizar e reportar as suas emissões; as directrizes para a utilização dos créditos MDL e IC no registo nacional; o manual de procedimentos para a participação das empresas nesses mecanismos. Fazendo o balanço entre o que não se utilizou e o que se comprou de emissões, no ano de 2005, houve 479 mil toneladas não usadas (1,3% das emissões distribuídas). Porém, se as empresas que compraram tivessem usado a quantidade que lhes tinha sido atribuída e não mais, o total de emissões disponíveis (não utilizadas) por parte das restantes seria de 2,2 milhões de toneladas, ou seja 6% do valor atribuído. O facto de existirem emissões não utilizadas e das excedidas terem sido em valor reduzido, significa que, mesmo num ano em que a seca obrigou à maior queima de combustíveis fósseis nas centrais termoeléctricas, o Governo deu mais emissões do que aquelas que na prática eram necessárias, não obrigando assim ao esforço de redução que seria desejável. A Comissão Europeia aponta para o período de 2008-2012 para uma redução média de 6% em relação aos valores fixados para 2005-2007, sendo no entanto que os países que estiverem mais distantes do cumprimento das metas de Quioto terão de fazer um esforço maior, o que acontece precisamente no caso de Portugal onde em 2004 já se tinha mais 40% de emissões acima das de 1990. O PNALE II, aprovado em 2006, define os limites de licenças de emissão da indústria entre 2008 e 2012, período em que os limites do Protocolo de Quioto já têm de ser cumpridos. Há uma redução de 9% nas emissões permitidas à indústria, mas como a quota de reserva é fixada em 5,1 Mton (para as novas instalações) verifica-se uma redução de 0,7% no total de emissões. Mas, de acordo com cálculos da associação Quercus, se fossem contabilizadas as indústrias anteriormente abrangidas pode-se mesmo falar de um aumento relativo na ordem dos 2,3% (isto porque foram introduzidas algumas instalações, como as unidades de co-geração e de combustão do sector químico e agro-alimentar, enquanto que parte da indústria cerâmica ficará de fora). No caso de incumprimento dos mecanismos flexíveis previstos no Protocolo, o infractor terá de pagar uma coima de 40 euros por tonelada de CO2 em excesso até 2008 e, depois dessa data, 100 euros por tonelada. Além disso, o infractor fica obrigado a entregar o número de licenças necessárias à cobertura do excesso de emissões. Fundo de Carbono - Em 2006, foi constituído o Fundo de Carbono com uma verba inicial de 6 milhões de euros para investimento em projectos internacionais, directamente ou através de fundos privados, que se traduzam na obtenção de créditos de emissão, apoiar projectos nacionais que conduzam a uma redução das emissões ou comprar licenças de emissões. A entidade gestora do fundo é a MC2 - Mercado de Carbono e Mudanças Climáticas, empresa detida em 55% pela Fomentinvest [tem como accionistas a Flad, Fundação Luso--americana, Fundação Oriente, BES e Ilídio Pinho] e por 5 instituições bancárias, estando o restante capital divido entre Climate Change Capital e a EcoSecurities. Prevê-se que entrem empresas poluidoras, com quotas de emissões definidas pelo PNALE. Para 2007 prevê-se um montante de 78 milhões de euros (o qual é variável, podendo ser mais ou menos), e afirma o Ministro do Ambiente que até 2012 deverá contar com 348 milhões de euros. A associação ambientalista Quercus estimou que, se o ritmo de crescimento de emissões se mantiver nos 3,5 por cento ao ano, Portugal terá de gastar cerca de dois mil milhões de euros para adquirir cem milhões de toneladas de dióxido de carbono e compensar a ultrapassagem dos limites a que se tinha proposto. Estas medidas são suficientes? - Face aos compromissos que Portugal assumiu no âmbito de Quioto e ao seu provável incumprimento (como aliás reconhece o último PNAC), tendo em conta o percurso das emissões de GEE nos últimos anos, seria necessário cumprir de facto muitas das medidas que têm sido preconizadas e adoptar medidas muito mais rigorosas e sérias do que aquelas que se têm tomado. É certo que se tem feito um esforço de investimento na área das energias renováveis, sobretudo nas eólicas e mais recentemente na fotovoltaica, prevendo-se também na energia proveniente da biomassa e das marés. Mas o formato em que tem tido lugar os concursos para concessão de potência destas fontes de energia, negociada em grandes quantidades, apesar de ser a que mais rapidamente permite aumentar a produção de energia a partir de FER, levanta algumas dúvidas sobre se esta será a melhor forma de substituir as fontes tradicionais de produção de energia a prazo: pela criação de monopólios nas renováveis e mantendo (de certa forma) a centralização na produção e distribuição. Por exemplo, seria muito interessante que o Programa Água Quente Solar concretizasse os seus objectivos iniciais, sendo o solar térmico uma tecnologia que já está madura e, portanto, dá um retorno mais imediato a quem invista. A descentralização da produção e distribuição de energia (p.e. apostando no funcionamento de redes locais e na figura do produtor-consumidor), promovendo-se a democraticidade da sua utilização e a redução de impactes ambientais (como acontece nos grandes parques eólicos em relação à avifauna), deveria ser uma aposta séria para a reconversão do sector energético (ao exemplo do que o Reino Unido está a fazer com a sua estratégia de promoção da microgeração). Certo é que é precisa uma aposta combinada forte em todas as energias renováveis, diversificando-se o mix de produção. As diferentes tecnologias são soluções complementares e nenhuma delas pode por si só ser a solução para as necessidades energéticas. Em Portugal já se começa a apostar noutras energias alternativas que não apenas a eólica. Mas nem sempre o modelo é o mais adequado. Por exemplo, no caso das 15 centrais de biomassa que estão projectadas para o País, estas além de estarem localizadas segundo o critério de existir ligação à rede eléctrica, apresentam uma capacidade excessiva: ou seja, para funcionarem necessitam de uma quantidade muito grande de resíduos florestais, o que pode ter efeitos perversos na gestão florestal (incluindo o abate de árvores ou a plantação de espécies de crescimento rápido para alimentar as centrais). Por outro lado, muitas das energias renováveis, como é o caso da fotovoltaica, estão ainda pouco maduras e podem dar grandes "saltos" com investimento na investigação e desenvolvimento das tecnologias (I&D), o que pode trazer outras mais-valias para o país ao nível dos sectores produtivos, do crescimento da economia e da criação de emprego. Ora, em Portugal o investimento nesta área continua a ser diminuto e instável (p.e. o investimento nas centrais fotovoltaicas e de aproveitamento das ondas das marés deveria ser fortemente precedido e acompanhado no apoio à I&D). Mas mais urgente e necessário é a aposta na eficiência energética da economia, sobretudo no sector dos edifícios e dos transportes, já que os desperdícios e as perdas de energias são extremamente elevadas e é aqui que se podem obter ganhos mais directos na redução das necessidades energéticas de consumo e das emissões de GEE. A legislação aprovada, já tardiamente, para aumentar a eficiência energética e o conforto térmico dos edifícios é positiva mas apresenta algumas limitações: ela define quais os padrões que devem ser verificados ao nível do consumo de energia, mas aplica-se apenas aos novos edifícios e aos grandes edifícios existentes, sendo o certificado passado apenas depois destes estarem construídos o que pode prejudicar a correcção de anomalias. Complementarmente, seria interessante apostar-se na generalização da arquitectura bioclimática para todos os novos edifícios (uso de sistemas solares passivos), estabelecendo regras e normas obrigatórias a aplicar nas fases de concepção arquitectónica e construção. Por outro lado, a aposta deve ser feita na requalificação e reabilitação do edificado existente (de preferência aplicando-se princípios de eficiência energética), grande parte dele devoluto e entregue à especulação imobiliária, ao invés de se continuar a investir em construção nova. O sector da construção é responsável por grandes consumos energéticos e emissões de GEE e outros poluentes. Para além disso, continua-se a assistir a um crescimento urbano excessivo e desordenado em "mancha de óleo" em torno dos grandes centros urbanos, com consequentes acréscimos das necessidades de mobilidade para os movimentos pendulares e as deslocações intra-urbanas. E aqui entra-se no preocupante sector dos transportes. Deve claramente desincentivar-se o uso do automóvel, para o qual é preciso mudar a política de planeamento e organização das cidades (reduzindo as necessidades de mobilidade) e a política de transportes colectivos e transportes individuais não poluentes. As cidades devem ser multifuncionais, integrando as funções de habitação com o comércio e os serviços de proximidade. As cidades devem ser ordenadas e multipolares, não se promovendo a expansão urbana caótica para a periferia e priorizando-se a reabilitação urbana. As cidades devem ser planeadas em função das pessoas e dos espaços públicos colectivos de encontro e lazer, ao invés de serem pensadas em função da circulação automóvel. As cidades devem ser pedonalizadas ao máximo, prevendo corredores de circulação para os modos suaves de transporte (bicicletas, patins, skate, ...). As cidades devem ter uma política de estacionamento que evite a entrada de automóveis para os centros, em articulação com uma rede de transportes públicos eficiente e acessível. Os transportes colectivos devem ser públicos e de acesso universal, com uma política tarifária assente em preços sociais e que generalize os títulos de transporte multimodais. Os transportes públicos devem ser estruturados de forma a facilitar a intermodalidade, acompanhados da generalização dos parques de estacionamento gratuitos junto aos locais de ligação dos vários tipos de transporte. A política de transportes tem de prever a informação ao público em tempo real, tendo em vista uma opção pelos melhores trajectos e escolhas modais, bem como a criação de mais corredores bus, com barreiras que impeçam a circulação automóvel. Os transportes devem ser eficientes, ao nível da frequência, rapidez e conforto. Por outro lado, nas ligações entre cidades deve ser criada uma rede ferroviária nacional que seja eficiente e acessível, ligando os vários pontos do país, ao invés de se continuar a priorizar o investimento na construção de rodovias e o progressivo desmantelamento e abandono (em ruína) da ferrovia. Ao nível da floresta é necessário inverter o ciclo vicioso de abandono e desertificação dos espaços rurais, apostando-se em políticas de desenvolvimento rural que dêem reais oportunidades de vida às pessoas nesses locais. A gestão activa da floresta, que tenha em conta os actores locais que aí habitam e valorize o associativismo, e as políticas de prevenção assentes no correcto ordenamento florestal podem ser elementos-chave para reduzir o número de ocorrências e a dimensão dos incêndios florestais. As novas plantações ou a reflorestação não podem repetir os erros do passado: não priorizando as espécies de rápido crescimento em sistema de monocultura. Só assim se fará uma aposta séria neste recurso enquanto sumidouro de carbono. Quanto aos resíduos deve apostar-se na adopção da "produção limpa", evitando-se o problema na origem, bem como na crescente reciclagem e regeneração dos mesmos. A deposição em aterro e a incineração (e co-incineração) devem ser operações a eliminar a prazo como processos de tratamento de resíduos.* * * * * * * * * * * * *Fonte: Esquerda


Artigo de Rita CalvárioPortugal assumiu o compromisso de aumentar até 27% as suas emissões no período de 2008-2012, no entanto esse valor foi há muito ultrapassado. Na 11ª Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas a Comissão Europeia apresentou um relatório que prevê para Portugal vários cenários: em qualquer dos casos é o pior desempenho da União Europeia a 25. As medidas ficam aquém do necessário e muitas ficam até por implementar. Artigo de Rita Calvário. O Contexto Actual No âmbito do Protocolo de Quioto, Portugal assumiu o compromisso de aumentar até 27% as suas emissões no período de 2008-2012, em relação ao ano de 1990. Isto é, todas as emissões acima deste patamar, durante os cinco anos referidos, terão de ser adquiridas em termos de direitos de emissão junto de outros países desenvolvidos que conseguiram ir mais além das metas acordadas. No entanto esse valor já foi há muito ultrapassado. Em 2003 (um ano em que a produção de electricidade assente em centrais hidroeléctricas foi considerável), estava 38,5% acima de 1990. Em 2004 esse crescimento já estava nos 42%, o que lhe conferiu o segundo lugar nos países da U.E. com maior aumento das emissões entre 1990-2004.Em Montreal, na 11ª Conferência das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (28 Novembro a 9 de Dezembro de 2005), a Comissão Europeia apresentou um relatório que prevê para Portugal vários cenários. De acordo com o melhor cenário, estima-se que em 2012 o país atingirá os 42,2% de emissões de CO2, um dos principais GEE. Com o pior cenário, Portugal terá mais 52.1% de emissões que em 1990. Em qualquer dos casos, este representa o pior desempenho da Europa a 25.Na última revisão do Plano Nacional sobre as Alterações Climáticas (PNAC 2006), dá-se conta de um aumento de 39% das emissões de GEE para 2010, ficando 12% acima daquilo que é permitido pelo Protocolo de Quioto. Para Portugal, este facto revela a extrema incapacidade demonstrada em alterar a economia, tornando-a menos dependente dos combustíveis fósseis. A falta de políticas públicas fortes que sejam capazes de inverter este ciclo é grave, principalmente quando o aumento das emissões não foi acompanhado por um crescimento da economia. Os Sectores Responsáveis pelas Emissões de GEE - Portugal tem uma economia altamente dependente dos combustíveis fósseis. 85% do seu consumo de energia primária provém de reservas exteriores, 58% dos quais são petróleo e os restantes (gás natural e carvão) são indexados ao seu preço. A intensidade energética (consumo de energia/PIB) degradou-se continuamente desde 1970, tendo Portugal entre 1992 e 2002 o maior crescimento no consumo de energia primária e de energia eléctrica per capita da Europa a 25 (Eurostat). Este facto deve-se sobretudo à baixa eficiência energética da economia, sendo que cerca de 60% da energia consumida poderia ser poupada. As altas taxas de crescimento no consumo têm-se verificado sobretudo nos sectores dos transportes e edifícios: em 1990 os transportes representavam 30% do consumo total de energia, a indústria 38% e os edifícios (residencial e serviços) 27%, sendo que em 2004 os transportes representavam 38%, face a 33% da indústria e a 29% dos edifícios (DGE). O sector dos transportes é o que mais contribui para a emissão de GEE (20,2% em 2003), sendo que entre 1990 e 2003 as emissões subiram 95%. De acordo com a última revisão do Plano Nacional sobre as Alterações Climáticas (PNAC 2006), prevê-se um aumento de 110% das emissões deste sector entre 1990 e 2010 (sendo que as medidas adicionais apenas trarão uma redução de 3%). O modo rodoviário merece destaque, pois se em 1990 detinha 91,3% das emissões do sector, em 2010 atingirá os 96%. Tal reflecte a expansão do parque automóvel dos últimos 15-20 anos, resultante da prevalência do privado face ao público devido às opções de ordenamento do território e dos sistemas urbanos, bem como da aposta que se fez no investimento das infra-estruturas rodoviárias em detrimento das ligações ferroviárias O transporte individual representa já quase 60% do total de emissões do sector dos transportes. Portugal está no pelotão da frente dos países da U.E. com mais automóveis por habitante (Eurostat). Entre 1990 e 2004, houve um aumento de 38% do número de automóveis, atingindo a proporção de 1 carro para cada 2 pessoas. Mais de 60% da electricidade é consumida nos edifícios, nem sempre de modo eficiente: este sector regista perdas de eficiência superiores a 50%. Até 2010 estima-se que o consumo de energia neste sector aumentará 75% (PNAC 2006). O abandono dos espaços rurais e a ausência de políticas activas para a floresta, têm justificado o elevado número de ocorrências de incêndios florestais, com dimensões elevadas, nas últimas décadas. Tal tem contribuído para o aumento das emissões atmosféricas de CO2 e para a destruição de um importante sumidouro de carbono. Desde 1980 os incêndios devastaram mais de 2.7 milhões de hectares de áreas florestais, ou seja, um terço do território continental. Os anos de 2003 e 2005 foram uma verdadeira calamidade em termos das ocorrências e da área ardida (cerca de 425 mil ha e 300 mil ha, respectivamente). A taxa anual de área ardida (2.7%) é quatro vezes superior à dos países do sul da Europa (‹1%), nomeadamente à de Espanha (0.6%), onde a vegetação e as condições climatéricas são comparáveis. O que significa que, apesar das alterações climatéricas potenciarem um maior n.º de incêndios florestais, a sua dimensão e consequências depende muito do tipo de políticas que se adoptarem para o ordenamento e gestão dos espaços florestais. Também ao nível da gestão dos resíduos, a prioridade dada à deposição em aterro e à incineração, ou o não tratamento adequado das águas residuais e dos efluentes derivados da produção animal, também tem contribuído para o aumento das emissões de GEE. Respostas Políticas aos Compromissos de Quioto - Em 1998 foi criada interministerialmente a Comissão para as Alterações Climáticas, que elaborou o Plano Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC), revisto em 2003 e aprovado em 2004. O PNAC estabelece um conjunto de políticas e medidas (e respectivos instrumentos) para reduzir as emissões de GEE, como a produção de electricidade a partir de fontes renováveis de energia, o controlo de emissões na fonte, a reformulação do imposto automóvel em função das emissões de CO2, a redução dos incêndios florestais, a melhoria da exploração e gestão florestal. No entanto, os cenários apresentados foram considerados por muitos como desviados da realidade e poucas medidas foram de facto implementadas até ao momento. Refira-se o lançamento do Programa E4 (Eficiência Energética e Energias Endógenas) em 2001, que incluía o Programa Água Quente Solar para Portugal (AQSpP) visando a criação de um mercado de colectores solares para o aquecimento de água. Este estabelecia a meta de ter 150 000 m2 de novos colectores por ano, o que conduziria a uma meta da ordem de 1 milhão de m2 de colectores instalados e operacionais até 2010. Este programa está a ser um insucesso por falta de operacionalização, sendo que em 2004 foram criados 16 mil metros quadrados, mesmo assim mais do que os 9200 m2 de 2003. Em Janeiro de 2006 foi publicado um relatório que avalia o estado de cumprimento do PQ por parte de Portugal e revê as estimativas, efectuadas no PNAC-2004, de projecção de gases com efeito de estufa (GEE). Este deu origem ao PNAC 2006, aprovado em Agosto, que revê as metas previstas para algumas medidas e propõe outras. No entanto o PNAC 2006 fica muito aquém do esforço necessário e muitas das medidas propostas não pretendem afrontar o problema de forma profunda, sendo algumas mesmo irrealistas ou insignificantes. Por exemplo, ao nível do sector dos transportes (o maior contribuidor para as emissões) as medidas focam-se em estimativas muito optimistas ligadas à expansão da rede do metro (sem serem acompanhadas por outras essenciais para se incentivar o recurso a este meio de transporte), e a outras "meio estranhas" como a redução da velocidade permitida em auto-estradas de 120 km/h para 118 km/h, a redução dos dias de serviço dos táxis (máximo de 6 dias/semana), e a conversão de 200 táxis em veículos a gás natural. Por outro lado, continua a não saber-se como se vão cumprir estas medidas. Por exemplo, o PNAC previa que até dia 15 de Setembro cada ministério apresentasse um plano de acção onde constassem as medidas a desenvolver, a sua calendarização, os meios previstos para alcançar esses fins, os indicadores e resultados esperados e o organismo interno responsável pelo acompanhamento. Mas até agora ainda não se sabe de nada. A acompanhar o PNAC têm sido elaboradas estratégias, planos e programas para os vários sectores (sobretudo para o sector da energia), com o intuito de contribuírem para a redução das emissões a nível nacional e o cumprimento de Quioto. No entanto, a maioria destas medidas tem ficado por implementar ao longo dos anos. Têm sido as Directivas emanadas da U.E., muitas das quais estabelecem metas específicas para Portugal (p.e. ao nível das fontes de energia renovável e dos biocombustíveis), que têm impulsionado muitas das políticas nacionais (regulamentos energéticos para os edifícios, eficiência energética de equipamentos, co-geração, ...). Plano Nacional de Atribuição de Licenças de Emissões (PNALE) - Em 2004, foi apresentado o primeiro PNALE para o período de 2005-2007. Este abrangeu 38,161 Mton de CO2, divididos entre 36,896 Mton para 244 instalações industriais (cerca de 46% das emissões de Portugal em 2004) e uma parte restante para novas instalações. Estas quotas atribuídas à indústria tiveram por base o histórico das emissões, sendo consideradas por muitos como excessivas e tendo sido parcialmente corrigidas pela Comissão Europeia. O PNALE, além de definir o quantitativo de direitos de emissão a atribuir ao conjunto das instalações, estabelece ainda: os critérios e metodologias para a sua distribuição; as condições para a operacionalização do registo nacional para a transacção dos direitos de emissão, compreendendo a sua regulamentação; o sistema de fiscalização e auditoria das instalações, incluindo a avaliação da capacidade destas de monitorizar e reportar as suas emissões; as directrizes para a utilização dos créditos MDL e IC no registo nacional; o manual de procedimentos para a participação das empresas nesses mecanismos. Fazendo o balanço entre o que não se utilizou e o que se comprou de emissões, no ano de 2005, houve 479 mil toneladas não usadas (1,3% das emissões distribuídas). Porém, se as empresas que compraram tivessem usado a quantidade que lhes tinha sido atribuída e não mais, o total de emissões disponíveis (não utilizadas) por parte das restantes seria de 2,2 milhões de toneladas, ou seja 6% do valor atribuído. O facto de existirem emissões não utilizadas e das excedidas terem sido em valor reduzido, significa que, mesmo num ano em que a seca obrigou à maior queima de combustíveis fósseis nas centrais termoeléctricas, o Governo deu mais emissões do que aquelas que na prática eram necessárias, não obrigando assim ao esforço de redução que seria desejável. A Comissão Europeia aponta para o período de 2008-2012 para uma redução média de 6% em relação aos valores fixados para 2005-2007, sendo no entanto que os países que estiverem mais distantes do cumprimento das metas de Quioto terão de fazer um esforço maior, o que acontece precisamente no caso de Portugal onde em 2004 já se tinha mais 40% de emissões acima das de 1990. O PNALE II, aprovado em 2006, define os limites de licenças de emissão da indústria entre 2008 e 2012, período em que os limites do Protocolo de Quioto já têm de ser cumpridos. Há uma redução de 9% nas emissões permitidas à indústria, mas como a quota de reserva é fixada em 5,1 Mton (para as novas instalações) verifica-se uma redução de 0,7% no total de emissões. Mas, de acordo com cálculos da associação Quercus, se fossem contabilizadas as indústrias anteriormente abrangidas pode-se mesmo falar de um aumento relativo na ordem dos 2,3% (isto porque foram introduzidas algumas instalações, como as unidades de co-geração e de combustão do sector químico e agro-alimentar, enquanto que parte da indústria cerâmica ficará de fora). No caso de incumprimento dos mecanismos flexíveis previstos no Protocolo, o infractor terá de pagar uma coima de 40 euros por tonelada de CO2 em excesso até 2008 e, depois dessa data, 100 euros por tonelada. Além disso, o infractor fica obrigado a entregar o número de licenças necessárias à cobertura do excesso de emissões. Fundo de Carbono - Em 2006, foi constituído o Fundo de Carbono com uma verba inicial de 6 milhões de euros para investimento em projectos internacionais, directamente ou através de fundos privados, que se traduzam na obtenção de créditos de emissão, apoiar projectos nacionais que conduzam a uma redução das emissões ou comprar licenças de emissões. A entidade gestora do fundo é a MC2 - Mercado de Carbono e Mudanças Climáticas, empresa detida em 55% pela Fomentinvest [tem como accionistas a Flad, Fundação Luso--americana, Fundação Oriente, BES e Ilídio Pinho] e por 5 instituições bancárias, estando o restante capital divido entre Climate Change Capital e a EcoSecurities. Prevê-se que entrem empresas poluidoras, com quotas de emissões definidas pelo PNALE. Para 2007 prevê-se um montante de 78 milhões de euros (o qual é variável, podendo ser mais ou menos), e afirma o Ministro do Ambiente que até 2012 deverá contar com 348 milhões de euros. A associação ambientalista Quercus estimou que, se o ritmo de crescimento de emissões se mantiver nos 3,5 por cento ao ano, Portugal terá de gastar cerca de dois mil milhões de euros para adquirir cem milhões de toneladas de dióxido de carbono e compensar a ultrapassagem dos limites a que se tinha proposto. Estas medidas são suficientes? - Face aos compromissos que Portugal assumiu no âmbito de Quioto e ao seu provável incumprimento (como aliás reconhece o último PNAC), tendo em conta o percurso das emissões de GEE nos últimos anos, seria necessário cumprir de facto muitas das medidas que têm sido preconizadas e adoptar medidas muito mais rigorosas e sérias do que aquelas que se têm tomado. É certo que se tem feito um esforço de investimento na área das energias renováveis, sobretudo nas eólicas e mais recentemente na fotovoltaica, prevendo-se também na energia proveniente da biomassa e das marés. Mas o formato em que tem tido lugar os concursos para concessão de potência destas fontes de energia, negociada em grandes quantidades, apesar de ser a que mais rapidamente permite aumentar a produção de energia a partir de FER, levanta algumas dúvidas sobre se esta será a melhor forma de substituir as fontes tradicionais de produção de energia a prazo: pela criação de monopólios nas renováveis e mantendo (de certa forma) a centralização na produção e distribuição. Por exemplo, seria muito interessante que o Programa Água Quente Solar concretizasse os seus objectivos iniciais, sendo o solar térmico uma tecnologia que já está madura e, portanto, dá um retorno mais imediato a quem invista. A descentralização da produção e distribuição de energia (p.e. apostando no funcionamento de redes locais e na figura do produtor-consumidor), promovendo-se a democraticidade da sua utilização e a redução de impactes ambientais (como acontece nos grandes parques eólicos em relação à avifauna), deveria ser uma aposta séria para a reconversão do sector energético (ao exemplo do que o Reino Unido está a fazer com a sua estratégia de promoção da microgeração). Certo é que é precisa uma aposta combinada forte em todas as energias renováveis, diversificando-se o mix de produção. As diferentes tecnologias são soluções complementares e nenhuma delas pode por si só ser a solução para as necessidades energéticas. Em Portugal já se começa a apostar noutras energias alternativas que não apenas a eólica. Mas nem sempre o modelo é o mais adequado. Por exemplo, no caso das 15 centrais de biomassa que estão projectadas para o País, estas além de estarem localizadas segundo o critério de existir ligação à rede eléctrica, apresentam uma capacidade excessiva: ou seja, para funcionarem necessitam de uma quantidade muito grande de resíduos florestais, o que pode ter efeitos perversos na gestão florestal (incluindo o abate de árvores ou a plantação de espécies de crescimento rápido para alimentar as centrais). Por outro lado, muitas das energias renováveis, como é o caso da fotovoltaica, estão ainda pouco maduras e podem dar grandes "saltos" com investimento na investigação e desenvolvimento das tecnologias (I&D), o que pode trazer outras mais-valias para o país ao nível dos sectores produtivos, do crescimento da economia e da criação de emprego. Ora, em Portugal o investimento nesta área continua a ser diminuto e instável (p.e. o investimento nas centrais fotovoltaicas e de aproveitamento das ondas das marés deveria ser fortemente precedido e acompanhado no apoio à I&D). Mas mais urgente e necessário é a aposta na eficiência energética da economia, sobretudo no sector dos edifícios e dos transportes, já que os desperdícios e as perdas de energias são extremamente elevadas e é aqui que se podem obter ganhos mais directos na redução das necessidades energéticas de consumo e das emissões de GEE. A legislação aprovada, já tardiamente, para aumentar a eficiência energética e o conforto térmico dos edifícios é positiva mas apresenta algumas limitações: ela define quais os padrões que devem ser verificados ao nível do consumo de energia, mas aplica-se apenas aos novos edifícios e aos grandes edifícios existentes, sendo o certificado passado apenas depois destes estarem construídos o que pode prejudicar a correcção de anomalias. Complementarmente, seria interessante apostar-se na generalização da arquitectura bioclimática para todos os novos edifícios (uso de sistemas solares passivos), estabelecendo regras e normas obrigatórias a aplicar nas fases de concepção arquitectónica e construção. Por outro lado, a aposta deve ser feita na requalificação e reabilitação do edificado existente (de preferência aplicando-se princípios de eficiência energética), grande parte dele devoluto e entregue à especulação imobiliária, ao invés de se continuar a investir em construção nova. O sector da construção é responsável por grandes consumos energéticos e emissões de GEE e outros poluentes. Para além disso, continua-se a assistir a um crescimento urbano excessivo e desordenado em "mancha de óleo" em torno dos grandes centros urbanos, com consequentes acréscimos das necessidades de mobilidade para os movimentos pendulares e as deslocações intra-urbanas. E aqui entra-se no preocupante sector dos transportes. Deve claramente desincentivar-se o uso do automóvel, para o qual é preciso mudar a política de planeamento e organização das cidades (reduzindo as necessidades de mobilidade) e a política de transportes colectivos e transportes individuais não poluentes. As cidades devem ser multifuncionais, integrando as funções de habitação com o comércio e os serviços de proximidade. As cidades devem ser ordenadas e multipolares, não se promovendo a expansão urbana caótica para a periferia e priorizando-se a reabilitação urbana. As cidades devem ser planeadas em função das pessoas e dos espaços públicos colectivos de encontro e lazer, ao invés de serem pensadas em função da circulação automóvel. As cidades devem ser pedonalizadas ao máximo, prevendo corredores de circulação para os modos suaves de transporte (bicicletas, patins, skate, ...). As cidades devem ter uma política de estacionamento que evite a entrada de automóveis para os centros, em articulação com uma rede de transportes públicos eficiente e acessível. Os transportes colectivos devem ser públicos e de acesso universal, com uma política tarifária assente em preços sociais e que generalize os títulos de transporte multimodais. Os transportes públicos devem ser estruturados de forma a facilitar a intermodalidade, acompanhados da generalização dos parques de estacionamento gratuitos junto aos locais de ligação dos vários tipos de transporte. A política de transportes tem de prever a informação ao público em tempo real, tendo em vista uma opção pelos melhores trajectos e escolhas modais, bem como a criação de mais corredores bus, com barreiras que impeçam a circulação automóvel. Os transportes devem ser eficientes, ao nível da frequência, rapidez e conforto. Por outro lado, nas ligações entre cidades deve ser criada uma rede ferroviária nacional que seja eficiente e acessível, ligando os vários pontos do país, ao invés de se continuar a priorizar o investimento na construção de rodovias e o progressivo desmantelamento e abandono (em ruína) da ferrovia. Ao nível da floresta é necessário inverter o ciclo vicioso de abandono e desertificação dos espaços rurais, apostando-se em políticas de desenvolvimento rural que dêem reais oportunidades de vida às pessoas nesses locais. A gestão activa da floresta, que tenha em conta os actores locais que aí habitam e valorize o associativismo, e as políticas de prevenção assentes no correcto ordenamento florestal podem ser elementos-chave para reduzir o número de ocorrências e a dimensão dos incêndios florestais. As novas plantações ou a reflorestação não podem repetir os erros do passado: não priorizando as espécies de rápido crescimento em sistema de monocultura. Só assim se fará uma aposta séria neste recurso enquanto sumidouro de carbono. Quanto aos resíduos deve apostar-se na adopção da "produção limpa", evitando-se o problema na origem, bem como na crescente reciclagem e regeneração dos mesmos. A deposição em aterro e a incineração (e co-incineração) devem ser operações a eliminar a prazo como processos de tratamento de resíduos.* * * * * * * * * * * * *Fonte: Esquerda

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