As reacções extremamente agrestes ao que diz ou escreve Saramago acerca do Antigo Testamento são compreensÃveis, mas nem por isso muito convincentes.
No Público, Miguel Carvalho diz que “são testemunho de um espÃrito jacobino, sectário e intolerante.” Registe-se que Miguel Carvalho considera «jacobino» um termo depreciativo sem que se perceba muito bem porquê. Conhecerá este jornalista o suficiente acerca da revolução francesa, e do que se lhe seguiu, para enunciar estes termos como se de sinónimos se tratassem? Mais um esforço, cidadãos, se quereis ser republicanos.
O Daniel garante que “os cristãos sabem que a BÃblia não é um compêndio de história” o que, sendo reconfortante, não é inteiramente óbvio. Bem sei que os há de todos os tipos, mas o Daniel seguramente não ignora o debate em curso nos EUA entre o criacionismo e a teoria da evolução. O plural é assim bastante majestático. Cristãos há que «sabem» que a bÃblia diz realmente tudo aquilo que se passou, com um rigor muito superior ao de qualquer livro de história, pela simples razão de que a inspiração divina providenciou à sua escrita e transmitiu-lhe algo da omnisciência que é própria do criador. Já agora, «os cristãos» saberão que o Sol não rodou várias vezes no céu de Fátima em 1917?Â
Através da Ler cheguei, entretanto, a uma súmula com várias reacções à s palavras do Nóbél. E devo dizer que o balanço é extremamente positivo. Não é todos os dias que se pode ouvir dizer a um padre que a BÃblia é como qualquer outra obra de literatura, comparável aos LusÃadas ou à Divina Comédia, como faz Tolentino Mendonça. Faltará o corolário lógico e fundamental, ou seja, que a bÃblia é apenas um livro ao nÃvel de qualquer outro grande épico, fundamentalmente uma obra de ficção. Seguramente dormiremos mais descansados quando a igreja católica lidar bem com esta assunção. Até lá, a bÃblia servirá sempre para justificar a proibição do aborto ou o combate à homossexualidade, a sacralidade do matrimónio ou outra qualquer reaccionarice beata que se queira, contando por baixo com a assinatura de deus.
O melhor de todos é o Rabi de Lisboa, que se esforça por ser claro. Diz ele, no plural, que os seus correligionários acreditam na bÃblia há milhares de anos e que vão continuar na sua fé sem ter a mÃnima dúvida de qual vai ser o seu caminho. Repare-se bem nos termos-chave «há milhares de anos» e «sem ter a mÃnima dúvida». Eles chegam para perceber que Saramago acertou nalgum sÃtio bem delicado.
Um bliblista (?) como o Padre Marujão conclui, desejando que se promova “muito mais a cultura bÃblica†e o conhecimento de um texto em que “Jesus até manda amar os inimigosâ€. E aqui estamos no domÃnio da sonsice mais pura. É que se Jesus manda amar os inimigos, fá-lo (curioso termo) contra o que era a tradição das escrituras e em contra-mão relativamente à cultura judaica. Foi acusado de blasfémia e apostasia, e por isso condenado pelo Sinédrio.
O antigo testamento é um conjunto de textos cheios de sofrimentos, agressões, sacrifÃcios e violências variadas – próprio do tempo em que foi escrito e do propósito de quem escrevia. Clarificar a sua interpretação pelas religiões do livro é, desde já, um incontornável mérito de Saramago. Gostei em todo o caso das referências episcopais ao seu «inegável mérito literário». Não foi seguramente nesses termos que a cristandade acolheu uma obra enorme como é «O evangelho segundo jesus cristo».
Diga-se, aliás, que qualquer tentativa de remexer pedras no passado cristão é acolhido com imediata hostilidade por parte dos meios eclesiásticos, sejam quais forem os termos usados e as metodologias empregues. Bem sei que o armário é enorme, mas por vezes basta entreabrir a porta para que dele caiam os esqueletos. Dizem-nos que Saramago escreve motivado pelas suas convicções ideológicas. Será que não o fazemos todos?
As reacções extremamente agrestes ao que diz ou escreve Saramago acerca do Antigo Testamento são compreensÃveis, mas nem por isso muito convincentes.
No Público, Miguel Carvalho diz que “são testemunho de um espÃrito jacobino, sectário e intolerante.” Registe-se que Miguel Carvalho considera «jacobino» um termo depreciativo sem que se perceba muito bem porquê. Conhecerá este jornalista o suficiente acerca da revolução francesa, e do que se lhe seguiu, para enunciar estes termos como se de sinónimos se tratassem? Mais um esforço, cidadãos, se quereis ser republicanos.
O Daniel garante que “os cristãos sabem que a BÃblia não é um compêndio de história” o que, sendo reconfortante, não é inteiramente óbvio. Bem sei que os há de todos os tipos, mas o Daniel seguramente não ignora o debate em curso nos EUA entre o criacionismo e a teoria da evolução. O plural é assim bastante majestático. Cristãos há que «sabem» que a bÃblia diz realmente tudo aquilo que se passou, com um rigor muito superior ao de qualquer livro de história, pela simples razão de que a inspiração divina providenciou à sua escrita e transmitiu-lhe algo da omnisciência que é própria do criador. Já agora, «os cristãos» saberão que o Sol não rodou várias vezes no céu de Fátima em 1917?Â
Através da Ler cheguei, entretanto, a uma súmula com várias reacções à s palavras do Nóbél. E devo dizer que o balanço é extremamente positivo. Não é todos os dias que se pode ouvir dizer a um padre que a BÃblia é como qualquer outra obra de literatura, comparável aos LusÃadas ou à Divina Comédia, como faz Tolentino Mendonça. Faltará o corolário lógico e fundamental, ou seja, que a bÃblia é apenas um livro ao nÃvel de qualquer outro grande épico, fundamentalmente uma obra de ficção. Seguramente dormiremos mais descansados quando a igreja católica lidar bem com esta assunção. Até lá, a bÃblia servirá sempre para justificar a proibição do aborto ou o combate à homossexualidade, a sacralidade do matrimónio ou outra qualquer reaccionarice beata que se queira, contando por baixo com a assinatura de deus.
O melhor de todos é o Rabi de Lisboa, que se esforça por ser claro. Diz ele, no plural, que os seus correligionários acreditam na bÃblia há milhares de anos e que vão continuar na sua fé sem ter a mÃnima dúvida de qual vai ser o seu caminho. Repare-se bem nos termos-chave «há milhares de anos» e «sem ter a mÃnima dúvida». Eles chegam para perceber que Saramago acertou nalgum sÃtio bem delicado.
Um bliblista (?) como o Padre Marujão conclui, desejando que se promova “muito mais a cultura bÃblica†e o conhecimento de um texto em que “Jesus até manda amar os inimigosâ€. E aqui estamos no domÃnio da sonsice mais pura. É que se Jesus manda amar os inimigos, fá-lo (curioso termo) contra o que era a tradição das escrituras e em contra-mão relativamente à cultura judaica. Foi acusado de blasfémia e apostasia, e por isso condenado pelo Sinédrio.
O antigo testamento é um conjunto de textos cheios de sofrimentos, agressões, sacrifÃcios e violências variadas – próprio do tempo em que foi escrito e do propósito de quem escrevia. Clarificar a sua interpretação pelas religiões do livro é, desde já, um incontornável mérito de Saramago. Gostei em todo o caso das referências episcopais ao seu «inegável mérito literário». Não foi seguramente nesses termos que a cristandade acolheu uma obra enorme como é «O evangelho segundo jesus cristo».
Diga-se, aliás, que qualquer tentativa de remexer pedras no passado cristão é acolhido com imediata hostilidade por parte dos meios eclesiásticos, sejam quais forem os termos usados e as metodologias empregues. Bem sei que o armário é enorme, mas por vezes basta entreabrir a porta para que dele caiam os esqueletos. Dizem-nos que Saramago escreve motivado pelas suas convicções ideológicas. Será que não o fazemos todos?