Portugal, século XXI: há escravos levados das Beiras para Espanha

11-11-2011
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Depois, "todos os indivíduos eram obrigados a trabalhar na lavoura, contra a sua vontade, quase sempre desde o nascer do sol até ao anoitecer, por vezes pela noite dentro, todos os dias, na sementeira ou na apanha de batata, cenoura, cebola e alho, quase sempre 12, 14 ou 16 horas diárias e por vezes 18 e 20 horas diárias, sempre sob a vigilância atenta e permanente dos arguidos, descansando apenas nos dias e períodos em que as máquinas avariavam".Quando se dava o caso de alguém reclamar das condições, da falta de pagamento - quando alguém, desiludido, dizia que queria regressar a Portugal -, então avançava Tó Zé, com uma bengala de junco com uma moca numa extremidade. A contestação era calada à pancada.

Pela quinta de Iscar passaram o capataz José António Rodrigues, os irmãos Rui e Carlos Horta, Bruno Esteves, mais conhecido por "Inchado", Ricardo Santos, Luís de Sousa, José Silva, José da Cruz, o "P"ro", e Joaquim Henriques, o "Sardini". Todos foram roubados, ameaçados e a maior parte espancados. Alguns conseguiram fugir e relatar as suas desventuras. Mas nem sempre os seus relatos terão sido escutados com a atenção devida. Isso faz parte da história de Ricardo dos Santos.

Quatro anos de cativeiro

A sua aventura começa em Setembro ou Outubro de 2003. Ainda menor de idade, sai da casa da mãe, em Coja, Arganil, e passa a vaguear pelas ruas do Fundão. É numa dessas noites que é abordado pelo quarto arguido da história. João Carlos Carrola aborda-o e diz-lhe: "Ouve lá, andas aqui a passar fome. Não queres ir para Espanha? Eu arranjo-te lá trabalho".

Vão os dois para um bar, onde falam das condições. Uma hora depois, após Carrola fazer um telefonema, surge Tó Zé. Este e o jovem voltam a falar do futuro trabalho. Acordam todos os pormenores e resolvem ir festejar para um bar de alterne, em Teixoso. Quando dali saem, voltam ao Fundão, onde os espera Maria Clotilde. Saem os três em direcção ao aeródromo da Covilhã. É nesse momento que Ricardo diz não querer ir de imediato para Espanha, porque precisa de avisar a família. Tó Zé vai ao carro e volta com a bengala de junco. Agride o jovem nas costas e nas pernas, ao mesmo tempo que grita que a partir daquele momento é ele quem manda.

Ricardo entra para o carro dos esclavagistas. Dorme no banco de trás, trancado e transido com medo. Mãe e filho ocupam os bancos da frente. Ainda de madrugada, vão até Castelo Branco, onde Tó Zé diz que tem de entregar a carta de condução à GNR. Depois empreendem nova viagem, desta vez para Espanha. Ricardo fica sem os documentos e é de imediato encaminhado para o campo, para trabalhar. Não almoça. Só come algo à noite, para ser de imediato agrilhoado pelos pulsos. Estão nessa situação Bruno Esteves e também Joaquim, de Santa Margarida (Idanha-a-Nova), e David, de Valverde (Fundão).

Ricardo, a quem nem sequer foi permitido fazer um telefonema, passa o primeiro ano a dormir acorrentado e outros três em que, mesmo livre das correntes, não escapa aos espancamentos sempre que diz ter frio e fome ou que está doente e não consegue deslocar-se para os campos dos agricultores espanhóis que pagam a mão-de-obra escrava à família de Tó Zé.

Os dias passam e o jovem, tal como os restantes companheiros de cativeiro, é alimentado, de manhã, a café e pão, com uma sandes ao almoço, e com arroz ou massa e frango ao jantar. Recebe, como todos os que fumam, um maço de cigarros por dia. Dos 250 euros mensais, nunca viu um só cêntimo.

Depois, "todos os indivíduos eram obrigados a trabalhar na lavoura, contra a sua vontade, quase sempre desde o nascer do sol até ao anoitecer, por vezes pela noite dentro, todos os dias, na sementeira ou na apanha de batata, cenoura, cebola e alho, quase sempre 12, 14 ou 16 horas diárias e por vezes 18 e 20 horas diárias, sempre sob a vigilância atenta e permanente dos arguidos, descansando apenas nos dias e períodos em que as máquinas avariavam".Quando se dava o caso de alguém reclamar das condições, da falta de pagamento - quando alguém, desiludido, dizia que queria regressar a Portugal -, então avançava Tó Zé, com uma bengala de junco com uma moca numa extremidade. A contestação era calada à pancada.

Pela quinta de Iscar passaram o capataz José António Rodrigues, os irmãos Rui e Carlos Horta, Bruno Esteves, mais conhecido por "Inchado", Ricardo Santos, Luís de Sousa, José Silva, José da Cruz, o "P"ro", e Joaquim Henriques, o "Sardini". Todos foram roubados, ameaçados e a maior parte espancados. Alguns conseguiram fugir e relatar as suas desventuras. Mas nem sempre os seus relatos terão sido escutados com a atenção devida. Isso faz parte da história de Ricardo dos Santos.

Quatro anos de cativeiro

A sua aventura começa em Setembro ou Outubro de 2003. Ainda menor de idade, sai da casa da mãe, em Coja, Arganil, e passa a vaguear pelas ruas do Fundão. É numa dessas noites que é abordado pelo quarto arguido da história. João Carlos Carrola aborda-o e diz-lhe: "Ouve lá, andas aqui a passar fome. Não queres ir para Espanha? Eu arranjo-te lá trabalho".

Vão os dois para um bar, onde falam das condições. Uma hora depois, após Carrola fazer um telefonema, surge Tó Zé. Este e o jovem voltam a falar do futuro trabalho. Acordam todos os pormenores e resolvem ir festejar para um bar de alterne, em Teixoso. Quando dali saem, voltam ao Fundão, onde os espera Maria Clotilde. Saem os três em direcção ao aeródromo da Covilhã. É nesse momento que Ricardo diz não querer ir de imediato para Espanha, porque precisa de avisar a família. Tó Zé vai ao carro e volta com a bengala de junco. Agride o jovem nas costas e nas pernas, ao mesmo tempo que grita que a partir daquele momento é ele quem manda.

Ricardo entra para o carro dos esclavagistas. Dorme no banco de trás, trancado e transido com medo. Mãe e filho ocupam os bancos da frente. Ainda de madrugada, vão até Castelo Branco, onde Tó Zé diz que tem de entregar a carta de condução à GNR. Depois empreendem nova viagem, desta vez para Espanha. Ricardo fica sem os documentos e é de imediato encaminhado para o campo, para trabalhar. Não almoça. Só come algo à noite, para ser de imediato agrilhoado pelos pulsos. Estão nessa situação Bruno Esteves e também Joaquim, de Santa Margarida (Idanha-a-Nova), e David, de Valverde (Fundão).

Ricardo, a quem nem sequer foi permitido fazer um telefonema, passa o primeiro ano a dormir acorrentado e outros três em que, mesmo livre das correntes, não escapa aos espancamentos sempre que diz ter frio e fome ou que está doente e não consegue deslocar-se para os campos dos agricultores espanhóis que pagam a mão-de-obra escrava à família de Tó Zé.

Os dias passam e o jovem, tal como os restantes companheiros de cativeiro, é alimentado, de manhã, a café e pão, com uma sandes ao almoço, e com arroz ou massa e frango ao jantar. Recebe, como todos os que fumam, um maço de cigarros por dia. Dos 250 euros mensais, nunca viu um só cêntimo.

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