Livre até dizer chega…

06-12-2019
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O enredo começou quando a deputada única do Livre, Joacine Katar Moreira, se absteve na votação de uma proposta de condenação do PCP às mais recentes “agressões israelitas a Gaza”. A direção do Livre estranhou a abstenção e expressou o seu “desagrado” com o comportamento da deputada, embora “mantendo confiança” nela. Depois de refletir, Joacine Moreira justificou-se dizendo que a abstenção proviera de não saber qual era a orientação de voto mais aconselhável e de não ter conseguido contactar atempadamente o partido para colher essa informação. Dado que o Livre é dirigido por um “grupo de contacto” com nada menos de 15 membros, estranha-se que não tenha sido possível haver contacto entre Joacine e o grupo de contacto, ou deste com ela. Adiante. Exposto o mal-estar, que parece ter contaminado a fraternal camaradagem do Livre, Joacine tratou de declarar que foi eleita “sozinha” e que a direção do Livre nunca a apoiou! Entretanto, perante a “perplexidade” do partido, a deputada já afirmou que o seu mandato… é seu, e o desaguisado segue agora para o Conselho de Jurisdição do Livre.

A novela promete, porque em qualquer partido estes desencontros têm sempre potencial para degenerar em noites de “facas longas”. Mas que seja o Livre – tão jovem, tão prometedor (dizem), tão triunfante ainda há menos de dois meses – a mostrar estas rixas e guerras de comunicados é notável. Talvez não seja, no entanto, surpreendente. O “centro da esquerda” em que Rui Tavares quer ancorar o Livre é um “não lugar”, uma charada. O Livre é europeísta e ambientalista, supostamente democrata e progressista. E depois? Em que é que isso o distingue de alguns dos setores e opções do BE, do PEV, do PAN, e até do PCP ou do PS? E Joacine, o que é? Uma ativista negra antirracismo, feminista, internacionalista ao ponto de amar pouco a portugalidade e potencial procuradora de todas as “tribalices” identitárias que lhe sirvam para firmar créditos – dela, sozinha – em São Bento. Sobre isto, revela um autodeslumbramento a roçar a arrogância: recorde-se a sua polémica com Daniel Oliveira, uma voz independente e de esquerda que Joacine logo tratou de comparar à “extrema-direita” (!), num edificante exemplo de tolerância democrática… Rui Tavares apostou nela para levar o Livre ao parlamento, subestimando estas diferenças de prioridade de agenda e de estilo. Deve estar agora a pensar que Joacine não tardará a fazer ao Livre o que ele mesmo fez ao BE: tornar-se tão livre que a liberdade vira dissidência e incompatibilidade. A continuar assim, o Livre vai perder a sua representação no parlamento e Joacine por lá ficará, como voz independente. São coisas que acontecem, quando muita gente diferente e fraturante se junta numa festa equívoca.

De tão “livres” que todos eles são, e afinal tão facilmente conflituais, num mundo em que cada voz é um ego (veja-se o assessor parlamentar das saias) e cada ego tem uma agenda, o Livre e se calhar outros grupúsculos de esquerda arriscam causar um tal cansaço anti cacofónico entre a opinião pública que o resultado poderá ser o de afugentar votantes para o Chega! Se tal acontecer (e por ironia), talvez daí venha a salvação para o Livre e outros. O papão do Chega! poderá juntar de novo Tavares, Joacine e C.ia numa segunda edição do “fado-bicha”, da mesma maneira que só o papão de Passos Coelho serviu de cimento agregador a uma geringonça que já lá vai. É um clássico da política: quando a divisão grassa dentro de casa, um inimigo externo é precioso para a trupe dos camaradas poder fingir que ali são todos amigos.

O enredo começou quando a deputada única do Livre, Joacine Katar Moreira, se absteve na votação de uma proposta de condenação do PCP às mais recentes “agressões israelitas a Gaza”. A direção do Livre estranhou a abstenção e expressou o seu “desagrado” com o comportamento da deputada, embora “mantendo confiança” nela. Depois de refletir, Joacine Moreira justificou-se dizendo que a abstenção proviera de não saber qual era a orientação de voto mais aconselhável e de não ter conseguido contactar atempadamente o partido para colher essa informação. Dado que o Livre é dirigido por um “grupo de contacto” com nada menos de 15 membros, estranha-se que não tenha sido possível haver contacto entre Joacine e o grupo de contacto, ou deste com ela. Adiante. Exposto o mal-estar, que parece ter contaminado a fraternal camaradagem do Livre, Joacine tratou de declarar que foi eleita “sozinha” e que a direção do Livre nunca a apoiou! Entretanto, perante a “perplexidade” do partido, a deputada já afirmou que o seu mandato… é seu, e o desaguisado segue agora para o Conselho de Jurisdição do Livre.

A novela promete, porque em qualquer partido estes desencontros têm sempre potencial para degenerar em noites de “facas longas”. Mas que seja o Livre – tão jovem, tão prometedor (dizem), tão triunfante ainda há menos de dois meses – a mostrar estas rixas e guerras de comunicados é notável. Talvez não seja, no entanto, surpreendente. O “centro da esquerda” em que Rui Tavares quer ancorar o Livre é um “não lugar”, uma charada. O Livre é europeísta e ambientalista, supostamente democrata e progressista. E depois? Em que é que isso o distingue de alguns dos setores e opções do BE, do PEV, do PAN, e até do PCP ou do PS? E Joacine, o que é? Uma ativista negra antirracismo, feminista, internacionalista ao ponto de amar pouco a portugalidade e potencial procuradora de todas as “tribalices” identitárias que lhe sirvam para firmar créditos – dela, sozinha – em São Bento. Sobre isto, revela um autodeslumbramento a roçar a arrogância: recorde-se a sua polémica com Daniel Oliveira, uma voz independente e de esquerda que Joacine logo tratou de comparar à “extrema-direita” (!), num edificante exemplo de tolerância democrática… Rui Tavares apostou nela para levar o Livre ao parlamento, subestimando estas diferenças de prioridade de agenda e de estilo. Deve estar agora a pensar que Joacine não tardará a fazer ao Livre o que ele mesmo fez ao BE: tornar-se tão livre que a liberdade vira dissidência e incompatibilidade. A continuar assim, o Livre vai perder a sua representação no parlamento e Joacine por lá ficará, como voz independente. São coisas que acontecem, quando muita gente diferente e fraturante se junta numa festa equívoca.

De tão “livres” que todos eles são, e afinal tão facilmente conflituais, num mundo em que cada voz é um ego (veja-se o assessor parlamentar das saias) e cada ego tem uma agenda, o Livre e se calhar outros grupúsculos de esquerda arriscam causar um tal cansaço anti cacofónico entre a opinião pública que o resultado poderá ser o de afugentar votantes para o Chega! Se tal acontecer (e por ironia), talvez daí venha a salvação para o Livre e outros. O papão do Chega! poderá juntar de novo Tavares, Joacine e C.ia numa segunda edição do “fado-bicha”, da mesma maneira que só o papão de Passos Coelho serviu de cimento agregador a uma geringonça que já lá vai. É um clássico da política: quando a divisão grassa dentro de casa, um inimigo externo é precioso para a trupe dos camaradas poder fingir que ali são todos amigos.

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