Cavaco tinha razão?

07-12-2014
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Cavaco tinha razão?

João Cardoso Rosas

24 Jul 2013

Há quem pense que o Presidente tinha razão antes do tempo e que, apesar do seu plano de consenso ter falhado agora, este está basicamente certo e deverá prevalecer. Discordo.

Há quem pense que o Presidente tinha razão antes do tempo e que, apesar do seu plano de consenso ter falhado agora, este está basicamente certo e deverá prevalecer. Discordo.

Em primeiro lugar, há aqui um equívoco com a variável temporal. Só por distracção se poderá dizer que uma iniciativa presidencial visando o consenso partidário está adiantada no tempo. Na verdade, nesta formulação geral, ela está atrasada cerca de dois anos. Um acordo de coligação com os três principais partidos teria tido sentido no início da legislatura, quando o MdE estava a começar a ser aplicado. Agora não.

Em segundo lugar, tendo de novo em conta a importância da variável temporal em política, anunciar que o plano falhado será inevitável num futuro próximo, um plano que passa por eleições antecipadas em troca de cortes orçamentais, só pode ter efeitos perversos. Esta "pseudo-razão antes do tempo" fragiliza o Governo em funções e cria intranquilidade na oposição e no país.

Em terceiro lugar, o tempo nem sequer é aqui o fundamental. O mais importante é o facto do consenso proposto, nos termos estabelecidos por Belém, não ter objecto exequível. Ninguém, nem mesmo o Presidente, tem legitimidade para solicitar aos partidos políticos, da maioria e da oposição, que desistam de tudo aquilo que disseram durante esta legislatura. Um acordo generalista, sobre perspectivas de longo prazo, teria sido possível embora inútil. O acordo mais substantivo que o Presidente desejava teria efeitos, mas não era possível.

Em quarto lugar, a razão pela qual o Presidente e aqueles que com ele alinham consideravam possível - até mesmo fácil - um acordo como o proposto tem a ver com aquilo que se pode chamar "uma ideologia da anti-ideologia". No fundo, quem assim raciocina está de acordo com Passos Coelho quando ele diz que não há alternativa a esta política de austeridade e que - note-se bem - isso não é ideológico. Ou seja, estas pessoas querem fazer-nos acreditar que a política que nos foi imposta pela ‘troika' e foi ardentemente desejada pelo actual Governo releva de algum tipo de pureza tecnocrática e que não existia nem existe qualquer outro caminho - e, por isso, não faz sentido o país lutar por ele.

Em quinto lugar, este tipo de falsa consciência ideológica tem subjacente uma profunda desconfiança face à democracia representativa e à importância das clivagens e do debate parlamentar. Ou seja, esta visão favorece o esvaziamento da política representativa e reforça a ideia de que tudo aquilo que há de importante para decidir tem lugar em instâncias intangíveis: a Comissão Europeia, o BCE, o FMI e o próprio Governo, oportunamente transformado numa entidade neutra, uma espécie de anjinho sem sexo. O leitor acredita nisso?

Cavaco tinha razão?

João Cardoso Rosas

24 Jul 2013

Há quem pense que o Presidente tinha razão antes do tempo e que, apesar do seu plano de consenso ter falhado agora, este está basicamente certo e deverá prevalecer. Discordo.

Há quem pense que o Presidente tinha razão antes do tempo e que, apesar do seu plano de consenso ter falhado agora, este está basicamente certo e deverá prevalecer. Discordo.

Em primeiro lugar, há aqui um equívoco com a variável temporal. Só por distracção se poderá dizer que uma iniciativa presidencial visando o consenso partidário está adiantada no tempo. Na verdade, nesta formulação geral, ela está atrasada cerca de dois anos. Um acordo de coligação com os três principais partidos teria tido sentido no início da legislatura, quando o MdE estava a começar a ser aplicado. Agora não.

Em segundo lugar, tendo de novo em conta a importância da variável temporal em política, anunciar que o plano falhado será inevitável num futuro próximo, um plano que passa por eleições antecipadas em troca de cortes orçamentais, só pode ter efeitos perversos. Esta "pseudo-razão antes do tempo" fragiliza o Governo em funções e cria intranquilidade na oposição e no país.

Em terceiro lugar, o tempo nem sequer é aqui o fundamental. O mais importante é o facto do consenso proposto, nos termos estabelecidos por Belém, não ter objecto exequível. Ninguém, nem mesmo o Presidente, tem legitimidade para solicitar aos partidos políticos, da maioria e da oposição, que desistam de tudo aquilo que disseram durante esta legislatura. Um acordo generalista, sobre perspectivas de longo prazo, teria sido possível embora inútil. O acordo mais substantivo que o Presidente desejava teria efeitos, mas não era possível.

Em quarto lugar, a razão pela qual o Presidente e aqueles que com ele alinham consideravam possível - até mesmo fácil - um acordo como o proposto tem a ver com aquilo que se pode chamar "uma ideologia da anti-ideologia". No fundo, quem assim raciocina está de acordo com Passos Coelho quando ele diz que não há alternativa a esta política de austeridade e que - note-se bem - isso não é ideológico. Ou seja, estas pessoas querem fazer-nos acreditar que a política que nos foi imposta pela ‘troika' e foi ardentemente desejada pelo actual Governo releva de algum tipo de pureza tecnocrática e que não existia nem existe qualquer outro caminho - e, por isso, não faz sentido o país lutar por ele.

Em quinto lugar, este tipo de falsa consciência ideológica tem subjacente uma profunda desconfiança face à democracia representativa e à importância das clivagens e do debate parlamentar. Ou seja, esta visão favorece o esvaziamento da política representativa e reforça a ideia de que tudo aquilo que há de importante para decidir tem lugar em instâncias intangíveis: a Comissão Europeia, o BCE, o FMI e o próprio Governo, oportunamente transformado numa entidade neutra, uma espécie de anjinho sem sexo. O leitor acredita nisso?

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