O relator que não perdeu um minuto de inquérito

08-10-2015
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Quando foi escolhido para relator do inquérito parlamentar ao caso BES/GES, Pedro Saraiva, 50 anos, deputado do PSD, tomou uma decisão e comprou um caderno. A decisão foi a de assistir a todos, mas todos, os trabalhos da CPI, sem perder um minuto. Cumpriu: testemunhou 15.830 minutos de trabalhos, na sua maioria audições de testemunhas. A compra foi um caderno A4 de argolas em espiral e capa ocre, de que não se separou desde que começaram os trabalhos, em outubro. Ou melhor, separou-se na última semana de audições, quando esgotou as folhas quadriculadas, cheias de uma letra uniforme, miudinha, com bolinhas a assinalar os tópicos importantes. O caderno não chegou para o inquérito todo e teve de comprar um segundo. "Foi a minha única falha de planeamento", diz.

O deputado é professor catedrático de gestão, empreendedorismo e inovação, tem formação de base como engenheiro químico, método de cientista e, aparentemente, dons de alquimista, pela forma como compôs um relatório que não desfez o clima de paz que se viveu na CPI. A história das comissões de inquérito diz que, no fim, ganha a versão da maioria e zangam-se os outros.

Saraiva propôs-se contrariar essa história. Primeiro, com reuniões regulares com todos os partidos, que lhe reconhecem o esforço e fair-play. Depois, com um relatório "factual e objetivo", que tentou "dizer o essencial sem ser demasiado extenso" e "ser rigoroso mas não hermético". Mereceu elogios de várias bancadas. Como preparação, releu relatórios de comissões anteriores, para "fazer o que na gíria de gestão chamamos benchmarking".

"A forma como exerço o trabalho de relator é muito metódica e empenhada", confessava em fevereiro ao Expresso. Até se espantou quando lhe perguntámos se trabalhava no documento todos os dias. "Obviamente que sim. Não deixo para amanhã as anotações e as sínteses que posso fazer hoje."

O método era o seguinte: durante as audições, fazia no tal caderno A4 de folhas quadriculadas "uma síntese das respostas, centrada nos factos." Além dessa, fazia outra síntese cada noite, "enquanto a memória estava fresca", sobre o mais relevante desse dia. Quando tinha dúvidas, escrevia-as em post-its amarelos que colava no verso da capa do caderno. Foram muitas. Esta era a parte analógica do método. Também havia a parte digital: tabelas, folhas de cálculo, powerpoints com esquemas, gráficos, e "outra informação visual", tudo atualizado todos os dias com dois assessores...

Vê a CPI como "um puzzle complexo" e o relator como o responsável por encaixar as peças. Apresentado o relatório preliminar, faltam as sugestões dos partidos. Será politicamente mais trabalhoso, mas fisicamente menos exigente do que horas a fio de depoimentos. Foi, diz, "uma questão de disciplina". Não saía sequer para ir à casa de banho - só quando havia intervalos. A próstata ajudou. Só boas notícias, portanto.

texto publicado originalmente na edição de 18 de abril do Expresso

Quando foi escolhido para relator do inquérito parlamentar ao caso BES/GES, Pedro Saraiva, 50 anos, deputado do PSD, tomou uma decisão e comprou um caderno. A decisão foi a de assistir a todos, mas todos, os trabalhos da CPI, sem perder um minuto. Cumpriu: testemunhou 15.830 minutos de trabalhos, na sua maioria audições de testemunhas. A compra foi um caderno A4 de argolas em espiral e capa ocre, de que não se separou desde que começaram os trabalhos, em outubro. Ou melhor, separou-se na última semana de audições, quando esgotou as folhas quadriculadas, cheias de uma letra uniforme, miudinha, com bolinhas a assinalar os tópicos importantes. O caderno não chegou para o inquérito todo e teve de comprar um segundo. "Foi a minha única falha de planeamento", diz.

O deputado é professor catedrático de gestão, empreendedorismo e inovação, tem formação de base como engenheiro químico, método de cientista e, aparentemente, dons de alquimista, pela forma como compôs um relatório que não desfez o clima de paz que se viveu na CPI. A história das comissões de inquérito diz que, no fim, ganha a versão da maioria e zangam-se os outros.

Saraiva propôs-se contrariar essa história. Primeiro, com reuniões regulares com todos os partidos, que lhe reconhecem o esforço e fair-play. Depois, com um relatório "factual e objetivo", que tentou "dizer o essencial sem ser demasiado extenso" e "ser rigoroso mas não hermético". Mereceu elogios de várias bancadas. Como preparação, releu relatórios de comissões anteriores, para "fazer o que na gíria de gestão chamamos benchmarking".

"A forma como exerço o trabalho de relator é muito metódica e empenhada", confessava em fevereiro ao Expresso. Até se espantou quando lhe perguntámos se trabalhava no documento todos os dias. "Obviamente que sim. Não deixo para amanhã as anotações e as sínteses que posso fazer hoje."

O método era o seguinte: durante as audições, fazia no tal caderno A4 de folhas quadriculadas "uma síntese das respostas, centrada nos factos." Além dessa, fazia outra síntese cada noite, "enquanto a memória estava fresca", sobre o mais relevante desse dia. Quando tinha dúvidas, escrevia-as em post-its amarelos que colava no verso da capa do caderno. Foram muitas. Esta era a parte analógica do método. Também havia a parte digital: tabelas, folhas de cálculo, powerpoints com esquemas, gráficos, e "outra informação visual", tudo atualizado todos os dias com dois assessores...

Vê a CPI como "um puzzle complexo" e o relator como o responsável por encaixar as peças. Apresentado o relatório preliminar, faltam as sugestões dos partidos. Será politicamente mais trabalhoso, mas fisicamente menos exigente do que horas a fio de depoimentos. Foi, diz, "uma questão de disciplina". Não saía sequer para ir à casa de banho - só quando havia intervalos. A próstata ajudou. Só boas notícias, portanto.

texto publicado originalmente na edição de 18 de abril do Expresso

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