Livre. Joacine no bairro onde cresceu. “Sou absolutamente segura das minhas capacidades”

23-06-2020
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Não é fácil regressar à infância sem ceder ao apelo da nostalgia. Joacine Katar Moreira não a esconde enquanto percorre as ruas do bairro de Arcena, em Alverca, onde cresceu. Mesmo que nem todas as memórias remetam para um tempo melhor. “Isto era tudo uma zona de barracas. A maioria das casas não tinha saneamento”, lembra a candidata do Livre às eleições de 6 de outubro. “Era uma coisa absolutamente impensável”, enfatiza, numa expressão que há de repetir mais à frente.

Nos anos de 1980 e 90, os da infância e adolescência de Joacine Moreira (1982), havia uma “clara segmentação” entre os imigrantes, sobretudo africanos, e a restante população de Alverca. “Isto era como se fosse uma ilha”, conta, no intervalo de mais um abraço de reencontro. Ainda que naquela altura a consciência política estivesse longe das preocupações do bairro, é aqui que Joacine vai buscar parte das suas lutas. A da igualdade, racial e de género, é das mais importantes e uma das que a levou a ser escolhida nas primárias do partido. A cabeça de lista por Lisboa vivia ali ao lado, no Bom Sucesso, no número quatro para onde agora aponta. Porém, os amigos do pai estavam todos na Arcena, onde se sentiam "bem” e onde passavam os dias.

Décadas depois, Joacine vê um bairro vazio. “As políticas de empobrecimento durante o Governo de Passos Coelho levaram muitas destas famílias a uma segunda imigração.” Ao seu lado, Chica da Silva, uma das veteranas da Arcena, confirma: “estão muitos em Inglaterra”. Em Alverca sobram cartazes com a ilustração do rosto da candidata, obra de Nelson Caetano, um filho da terra que os espalhou. Ao ver-se ali, estampada nas paredes e nas caixas de eletricidade, Joacine repete: “Há uns anos, ver este cartaz seria uma coisa absolutamente impensável”.

A acompanhar parte da marcha de 25 militantes que sobe do Mercado Municipal de Alverca ao Bom Sucesso está Rui Tavares, fundador e um dos rostos mais conhecidos do partido. O historiador, eurodeputado entre 2009 e 2014, vê em Joacine um exemplo de “genuinidade” e de como “é possível as pessoas comuns fazerem parte da política”. Reclamando novamente a paternidade da ideia de união à esquerda, Rui Tavares lembra que o Livre fez “primárias abertas”, em que qualquer pessoa, não filiada a outro partido, pôde participar. “Queríamos ter novos protagonistas, vindos da sociedade civil, evitar o caciquismo. O sufrágio é universal, toda a gente pode votar, mas não é uma verdadeira democracia quando só uma elite concorre às eleições.”

Dirigente partidária há dois anos, Joacine Moreira vem da academia (foi bolseira de investigação e é doutorada em Estudos Africanos) e admite que a chegada ao espaço público foi um projeto constantemente adiado. “Evitei durante muito tempo a televisão. Achava que as pessoas iam prestar mais atenção à forma como eu falava do que àquilo que eu dizia.” Em certo sentido, não se enganou: desde que começaram as entrevistas aos candidatos que a gaguez de Joacine é tema de conversa. A candidata admite o cansaço em relação ao tema, mas especifica que nunca teve problemas de falar em público, especialmente no confronto com quem está acima. Seja na universidade, seja na política. “Às vezes é mais fácil para mim falar perante os poderosos do que ir ao café pedir um copo de água.” É dessas pequenas conversas que serão feitos os próximos dias. Joacine não pôde evitar mais — esteve há dias na televisão (no programa “Gente que não sabe estar”, de Ricardo Araújo Pereira) e isso nota-se na rua. A reação positiva tem sido uma surpresa. “As pessoas percebem que é um incentivo a quem adia constantemente os seus objetivos.” Joacine não fala só para quem tem gaguez. E atira: “sou absolutamente segura das minhas capacidades.”

“Não desejo acreditar que haja um único partido sem consciência ecológica”

Tema politicamente em destaque nas últimas semanas, a preocupação ecológica tem sido reclamada por quase todos os partidos. Joacine Katar Moreira pede coerência. “Não sei se é eleitoralista, nem desejo infantilizar os outros partidos, mas ainda há uma distância grande entre o que dizem e o que fazem.” E essa é a nota negativa que dá à manifestação global pelo clima, que decorreu esta sexta-feira em 170 países, incluindo Portugal. “Esperava uma maior mobilização dos partidos. Mas também não desejo acreditar que haja um único partido ou organização sem consciência ecológica.”

Para o Livre, porém, nem PAN (Pessoas Animais e Natureza) nem PEV (Partido Ecologista os Verdes) cumprem os requisitos para fazer parte “da família política de uma esquerda verde europeia”, como afirma Rui Tavares. O fundador acha que os partidos têm “adaptado o discurso” ao tema do ambiente — e “isso é bom” —, mas repetem erros do passado. “Os grandes partidos refugiam-se na política de curto prazo. Esta é a primeira legislatura da década de 2020. Já perdemos 20 anos.” Com tudo o que mudou no mundo, reflete, “do 11 de setembro à entrada da China na Organização Mundial do Comércio”, e com tudo o que está para mudar, das alterações climáticas à robotização do trabalho, “como é que esta política de curto prazo nos vai deixar daqui a 10 anos?”

Ambiente, habitação, educação, Europa e igualdade foram as bandeiras agitadas durante o percurso, às quais Nelson Caetano junta, precisamente, a mobilidade, que “não é um direito fundamental, mas devia ser”. O tal filho de Alverca, que até é cabeça de lista por Beja, pergunta: “se uma criança em Barrancos leva uma hora e meia para chegar à escola, quanto tempo de brincadeira e de estudo está a perder?”

Mantendo a confiança na eleição de três deputados, o partido faz contas. “Basta que toda a gente que votou no Livre nas Europeias vote novamente para conseguirmos.” Joacine Katar Moreira é a número um por Lisboa, o engenheiro Jorge Pinto pelo Porto. É precisamente aí que termina o dia de campanha do Livre, com uma apresentação do próprio cabeça de lista e de Rui Tavares, que não teve tempo de ficar até ao fim da marcha. No Café Piolho, os dirigentes fazem uma apresentação chamada “Libertar o Futuro”.

Não é fácil regressar à infância sem ceder ao apelo da nostalgia. Joacine Katar Moreira não a esconde enquanto percorre as ruas do bairro de Arcena, em Alverca, onde cresceu. Mesmo que nem todas as memórias remetam para um tempo melhor. “Isto era tudo uma zona de barracas. A maioria das casas não tinha saneamento”, lembra a candidata do Livre às eleições de 6 de outubro. “Era uma coisa absolutamente impensável”, enfatiza, numa expressão que há de repetir mais à frente.

Nos anos de 1980 e 90, os da infância e adolescência de Joacine Moreira (1982), havia uma “clara segmentação” entre os imigrantes, sobretudo africanos, e a restante população de Alverca. “Isto era como se fosse uma ilha”, conta, no intervalo de mais um abraço de reencontro. Ainda que naquela altura a consciência política estivesse longe das preocupações do bairro, é aqui que Joacine vai buscar parte das suas lutas. A da igualdade, racial e de género, é das mais importantes e uma das que a levou a ser escolhida nas primárias do partido. A cabeça de lista por Lisboa vivia ali ao lado, no Bom Sucesso, no número quatro para onde agora aponta. Porém, os amigos do pai estavam todos na Arcena, onde se sentiam "bem” e onde passavam os dias.

Décadas depois, Joacine vê um bairro vazio. “As políticas de empobrecimento durante o Governo de Passos Coelho levaram muitas destas famílias a uma segunda imigração.” Ao seu lado, Chica da Silva, uma das veteranas da Arcena, confirma: “estão muitos em Inglaterra”. Em Alverca sobram cartazes com a ilustração do rosto da candidata, obra de Nelson Caetano, um filho da terra que os espalhou. Ao ver-se ali, estampada nas paredes e nas caixas de eletricidade, Joacine repete: “Há uns anos, ver este cartaz seria uma coisa absolutamente impensável”.

A acompanhar parte da marcha de 25 militantes que sobe do Mercado Municipal de Alverca ao Bom Sucesso está Rui Tavares, fundador e um dos rostos mais conhecidos do partido. O historiador, eurodeputado entre 2009 e 2014, vê em Joacine um exemplo de “genuinidade” e de como “é possível as pessoas comuns fazerem parte da política”. Reclamando novamente a paternidade da ideia de união à esquerda, Rui Tavares lembra que o Livre fez “primárias abertas”, em que qualquer pessoa, não filiada a outro partido, pôde participar. “Queríamos ter novos protagonistas, vindos da sociedade civil, evitar o caciquismo. O sufrágio é universal, toda a gente pode votar, mas não é uma verdadeira democracia quando só uma elite concorre às eleições.”

Dirigente partidária há dois anos, Joacine Moreira vem da academia (foi bolseira de investigação e é doutorada em Estudos Africanos) e admite que a chegada ao espaço público foi um projeto constantemente adiado. “Evitei durante muito tempo a televisão. Achava que as pessoas iam prestar mais atenção à forma como eu falava do que àquilo que eu dizia.” Em certo sentido, não se enganou: desde que começaram as entrevistas aos candidatos que a gaguez de Joacine é tema de conversa. A candidata admite o cansaço em relação ao tema, mas especifica que nunca teve problemas de falar em público, especialmente no confronto com quem está acima. Seja na universidade, seja na política. “Às vezes é mais fácil para mim falar perante os poderosos do que ir ao café pedir um copo de água.” É dessas pequenas conversas que serão feitos os próximos dias. Joacine não pôde evitar mais — esteve há dias na televisão (no programa “Gente que não sabe estar”, de Ricardo Araújo Pereira) e isso nota-se na rua. A reação positiva tem sido uma surpresa. “As pessoas percebem que é um incentivo a quem adia constantemente os seus objetivos.” Joacine não fala só para quem tem gaguez. E atira: “sou absolutamente segura das minhas capacidades.”

“Não desejo acreditar que haja um único partido sem consciência ecológica”

Tema politicamente em destaque nas últimas semanas, a preocupação ecológica tem sido reclamada por quase todos os partidos. Joacine Katar Moreira pede coerência. “Não sei se é eleitoralista, nem desejo infantilizar os outros partidos, mas ainda há uma distância grande entre o que dizem e o que fazem.” E essa é a nota negativa que dá à manifestação global pelo clima, que decorreu esta sexta-feira em 170 países, incluindo Portugal. “Esperava uma maior mobilização dos partidos. Mas também não desejo acreditar que haja um único partido ou organização sem consciência ecológica.”

Para o Livre, porém, nem PAN (Pessoas Animais e Natureza) nem PEV (Partido Ecologista os Verdes) cumprem os requisitos para fazer parte “da família política de uma esquerda verde europeia”, como afirma Rui Tavares. O fundador acha que os partidos têm “adaptado o discurso” ao tema do ambiente — e “isso é bom” —, mas repetem erros do passado. “Os grandes partidos refugiam-se na política de curto prazo. Esta é a primeira legislatura da década de 2020. Já perdemos 20 anos.” Com tudo o que mudou no mundo, reflete, “do 11 de setembro à entrada da China na Organização Mundial do Comércio”, e com tudo o que está para mudar, das alterações climáticas à robotização do trabalho, “como é que esta política de curto prazo nos vai deixar daqui a 10 anos?”

Ambiente, habitação, educação, Europa e igualdade foram as bandeiras agitadas durante o percurso, às quais Nelson Caetano junta, precisamente, a mobilidade, que “não é um direito fundamental, mas devia ser”. O tal filho de Alverca, que até é cabeça de lista por Beja, pergunta: “se uma criança em Barrancos leva uma hora e meia para chegar à escola, quanto tempo de brincadeira e de estudo está a perder?”

Mantendo a confiança na eleição de três deputados, o partido faz contas. “Basta que toda a gente que votou no Livre nas Europeias vote novamente para conseguirmos.” Joacine Katar Moreira é a número um por Lisboa, o engenheiro Jorge Pinto pelo Porto. É precisamente aí que termina o dia de campanha do Livre, com uma apresentação do próprio cabeça de lista e de Rui Tavares, que não teve tempo de ficar até ao fim da marcha. No Café Piolho, os dirigentes fazem uma apresentação chamada “Libertar o Futuro”.

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