Idealista: «Desigualdade na Europa permite bigamia»

30-06-2011
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«A possibilidade da bigamia "legal" é só um dos imbróglios jurídicos suscitados pela desigualdade na UE quanto ao reconhecimento dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Em teoria, nos países em que esse tipo de união não é reconhecida juridicamente - caso de Portugal - um nacional casado com uma pessoa do mesmo sexo numa nação que a permite poderá celebrar novo casamento com uma pessoa de outro sexo. Por outro lado, se dentro do espaço da UE o cônjuge estrangeiro de um nacional de um determinado país tem direito de residência, essa prerrogativa só se aplica, nos Estados membros que não reconhecem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, aos cônjuges de sexo diferente. Em 2003, o Parlamento Europeu propôs que este direito fosse alargado a todos os cônjuges mas a Comissão Europeia recusou, apesar de assegurar aos cônjuges dos seus funcionários, independentemente da diferença de sexo, os mesmos direitos.Desunião europeia. A confusão já existente tenderá a adensar-se à medida que as alterações legislativas no sentido do reconhecimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo "alastra" na UE - desde que a Holanda inaugurou a tendência, em 2001, mais três países (Bélgica, Espanha e Reino Unido) seguiram-lhe o exemplo e dois mais (Suécia e Noruega) deverão fazê-lo em breve, o que equivalerá a um quarto da União, aumentando a pressão sobre os outros países. É o caso de Portugal quatro anos após ganharem a batalha pela aprovação de uma lei da união de facto que inclui casais do mesmo sexo, as organizações LGBT (de defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgénero) colocaram o casamento na agenda, fazendo circular uma petição que, invocando o princípio constitucional de não discriminação com base na orientação sexual (consignado na revisão de 2004), considera nula a norma do Código Civil que estabelece que o casamento só pode celebrar-se entre pessoas de sexo diferente e requer a discussão da matéria no Parlamento. A ILGA-Portugal assegura que as quatro mil assinaturas necessárias foram já recolhidas. Entretanto, vários dirigentes partidários - incluindo agora um membro do governo (ver entrevista de Jorge Lacão) - reconheceram já a inconstitucionalidade da dita norma. É o caso de Odete Santos, do PCP, de Ana Drago, do BE, e do líder da JS, Pedro Nuno Santos. Este último frisa ser seu objectivo levar o tema ao Parlamento ainda nesta legislatura e "acreditar na vitória", apesar de reconhecer a divisão do PS na matéria. "Muitos deputados terão vergonha de lutar contra isto", diz. União homossexual já é legal? A alteração legislativa em seio do Parlamento não é porém o único modo de mudar o Código Civil. Outra hipótese é a de a dita norma ser considerada não conforme com lei fundamental pelo Tribunal Constitucional. Para que este se pronuncie, basta que 23 deputados ou o provedor de Justiça o solicitem. O segundo caso não é provável. Nascimento Rodrigues, quer na resposta ao requerimento de um português casado com um holandês que queria ver a sua união inscrita no seu BI quer ao pedido de esclarecimento do DN sobre a constitucionalidade da norma, respondeu não poder pronunciar-se por se tratar de "uma opção política" que "cabe aos legisladores". Uma resposta que suscita estranheza ao assessor do Tribunal Constitucional José Manuel Vila Longa. "Existem instâncias para fiscalizar as leis, e uma delas é o provedor. Por essa ordem de ideias, nunca suscitava a fiscalização de nada." Vila Longa não só reputa a norma de inconstitucional como assegura "ser muito difícil ou mesmo impossível defender, em termos jurídicos, a sua constitucionalidade". Mais longe vai o especialista de direito de família Carlos Pamplona Côrte-Real. "Estando as autoridades públicas obrigadas a respeitar e cumprir a Constituição, qualquer conservador do registo civil pode celebrar um casamento entre pessoas do mesmo sexo, hoje, em Portugal. " Uma asserção que Helena Carita, da Associação Sindical dos Conservadores, considera "interessante". "Nunca a ponderei, mas à partida parece-me que não nos cabe fazer interpretações da Constituição." A jurista diz preferir "esperar" que seja alterada a lei, facto que considera inevitável. "Creio que é o futuro, não estou a ver que consigamos ficar de fora dessa onda que varre a Europa."»In Diário de Notícias, 22/12/2005.


«A possibilidade da bigamia "legal" é só um dos imbróglios jurídicos suscitados pela desigualdade na UE quanto ao reconhecimento dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo. Em teoria, nos países em que esse tipo de união não é reconhecida juridicamente - caso de Portugal - um nacional casado com uma pessoa do mesmo sexo numa nação que a permite poderá celebrar novo casamento com uma pessoa de outro sexo. Por outro lado, se dentro do espaço da UE o cônjuge estrangeiro de um nacional de um determinado país tem direito de residência, essa prerrogativa só se aplica, nos Estados membros que não reconhecem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, aos cônjuges de sexo diferente. Em 2003, o Parlamento Europeu propôs que este direito fosse alargado a todos os cônjuges mas a Comissão Europeia recusou, apesar de assegurar aos cônjuges dos seus funcionários, independentemente da diferença de sexo, os mesmos direitos.Desunião europeia. A confusão já existente tenderá a adensar-se à medida que as alterações legislativas no sentido do reconhecimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo "alastra" na UE - desde que a Holanda inaugurou a tendência, em 2001, mais três países (Bélgica, Espanha e Reino Unido) seguiram-lhe o exemplo e dois mais (Suécia e Noruega) deverão fazê-lo em breve, o que equivalerá a um quarto da União, aumentando a pressão sobre os outros países. É o caso de Portugal quatro anos após ganharem a batalha pela aprovação de uma lei da união de facto que inclui casais do mesmo sexo, as organizações LGBT (de defesa dos direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgénero) colocaram o casamento na agenda, fazendo circular uma petição que, invocando o princípio constitucional de não discriminação com base na orientação sexual (consignado na revisão de 2004), considera nula a norma do Código Civil que estabelece que o casamento só pode celebrar-se entre pessoas de sexo diferente e requer a discussão da matéria no Parlamento. A ILGA-Portugal assegura que as quatro mil assinaturas necessárias foram já recolhidas. Entretanto, vários dirigentes partidários - incluindo agora um membro do governo (ver entrevista de Jorge Lacão) - reconheceram já a inconstitucionalidade da dita norma. É o caso de Odete Santos, do PCP, de Ana Drago, do BE, e do líder da JS, Pedro Nuno Santos. Este último frisa ser seu objectivo levar o tema ao Parlamento ainda nesta legislatura e "acreditar na vitória", apesar de reconhecer a divisão do PS na matéria. "Muitos deputados terão vergonha de lutar contra isto", diz. União homossexual já é legal? A alteração legislativa em seio do Parlamento não é porém o único modo de mudar o Código Civil. Outra hipótese é a de a dita norma ser considerada não conforme com lei fundamental pelo Tribunal Constitucional. Para que este se pronuncie, basta que 23 deputados ou o provedor de Justiça o solicitem. O segundo caso não é provável. Nascimento Rodrigues, quer na resposta ao requerimento de um português casado com um holandês que queria ver a sua união inscrita no seu BI quer ao pedido de esclarecimento do DN sobre a constitucionalidade da norma, respondeu não poder pronunciar-se por se tratar de "uma opção política" que "cabe aos legisladores". Uma resposta que suscita estranheza ao assessor do Tribunal Constitucional José Manuel Vila Longa. "Existem instâncias para fiscalizar as leis, e uma delas é o provedor. Por essa ordem de ideias, nunca suscitava a fiscalização de nada." Vila Longa não só reputa a norma de inconstitucional como assegura "ser muito difícil ou mesmo impossível defender, em termos jurídicos, a sua constitucionalidade". Mais longe vai o especialista de direito de família Carlos Pamplona Côrte-Real. "Estando as autoridades públicas obrigadas a respeitar e cumprir a Constituição, qualquer conservador do registo civil pode celebrar um casamento entre pessoas do mesmo sexo, hoje, em Portugal. " Uma asserção que Helena Carita, da Associação Sindical dos Conservadores, considera "interessante". "Nunca a ponderei, mas à partida parece-me que não nos cabe fazer interpretações da Constituição." A jurista diz preferir "esperar" que seja alterada a lei, facto que considera inevitável. "Creio que é o futuro, não estou a ver que consigamos ficar de fora dessa onda que varre a Europa."»In Diário de Notícias, 22/12/2005.

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