Picardias inarráveis sobre "Taxas e taxinhas"

11-10-2015
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"Deus e o Demónio são incompatíveis em toda a parte, excepto em Portugal." (Teixeira de Pascoaes (1877 - 1952), 'A Arte de Ser Português')

É um facto que chamar de 'oposição' ao atual Partido Socialista (PS) é, como os nossos 'digníssimos' deputados, políticos e afins gostam de verbalizar, 'faltar à verdade'.

Esta foi mais uma semana de um silêncio quase confrangedor por parte do PS, 'pincelado', aqui e ali, por declarações surpreendentes do líder parlamentar (a propósito da reestruturação da dívida) de que o PS não teria ainda "uma posição" mas que seria expectável viesse a ter (?!). No entretanto, quiçá cansado da azáfama das primárias, António Costa parece ter feito o outsourcing da oposição ao Governo à... Troika!

Em contraste com o 'apagão' dos socialistas, os membros do actual Governo desdobraram-se em auto-elogios e exaltações (Nota: entre parenteses retos exponho alguma argumentação que poderia servir para 'esfriar' o, no meu entender, excessivo entusiasmo do governo):

- Pedro Mota Soares, Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social (5 de Novembro de 2014): "Ao contrário do que muitos economistas dizem ser possível, estamos a assistir a uma criação de emprego, mesmo com o crescimento económico que é relativamente diminuto".

[É um facto estatístico que o emprego aumentou e a taxa de desemprego diminuiu (para 13.1%) em Portugal no 3º trimestre de 2014. Não obstante, muito pouco disto se deve (ao contrário do que Mota Soares afirmou) às supostas 'reformas estruturais' que ocorreram no mercado de trabalho. É importante frisar que que grande parte desta descida na taxa de desemprego é de natureza conjuntural, a qual está ainda extremamente dependente dos fundos do Estado para a inserção no mercado de trabalho, associados a políticas ativas de emprego, designadamente a 'estágios'. Ou seja, o tipo de emprego criado é, sobretudo, precário e com salários muito baixos. Como referem os economistas, economias que não conseguem crescer acima dos 2%/ano dificilmente têm condições para gerar emprego de 'qualidade'. Face a um crescimento muito baixo, "diminuto", como reconhece Mota Soares, a taxa de desemprego em Portugal tenderá a estagnar num nível socialmente muito problemático, 10%-13%, que corresponde, grosso modo, à componente 'estrutural' do desemprego.]

- Pires de Lima, Ministro da Economia 29 de outubro de 2014): "Portugal é melhor a fazer negócio do que Espanha ou França"

[Ainda em terras mexicanas, o governante regozijava-se (erroneamente, como se sabe) do 'progresso' de Portugal no ranking 'Doing Business'" (Fazer Negócios), sublinhando o 25.º lugar que nos colocava à frente de nações como a Holanda, França, Espanha, Itália, Polónia e Japão, com as quais, declarava eufórico o ministro, "faz bem Portugal comparar-se e perceber que está num 'ranking' superior".

Passe a ironia, que Pires de Lima tanto preza, as palavras do Padre António Vieira (1608- 1697), ficam aqui mesmo a 'matar': "Nós (portugueses) temos ... a nossa inveja, a nossa presunção, o nosso descuido e a nossa perpétua atenção ao particular." Não só seria expectável que um licenciado em Economia soubesse mais a propósito das limitações que tais rankings enfermam (talvez seja por estas e por outras que Angela Merkel refere que em Portugal há licenciados, de qualidade duvidosa, a mais), mas que estivesse assessorado por indivíduos mais competentes (haveria aqui que resistir à "tentação" não apenas das "taxas e taxinhas" mas também dos 'tachos e tachinhos').]

Outros números e rankings passaram (não surpreendentemente, reconheço) despercebidos a Mota Soares e Pires de Lima:

- um significativo aumento da pobreza infantil em Portugal: segundo o relatório da UNICEF, divulgado em 28 de outubro de 2014, "Children of the Recession: The impact of the economic crisis on child well-being in rich countries" ("Filhos da recessão: o impacto da crise económica no bem-estar das crianças nos países ricos"), Portugal surge em 'lugar cimeiro' ao lado de países como a Grécia, Espanha, Irlanda ou Itália, onde a pobreza infantil escalou e os rendimentos medianos das famílias com crianças mais decresceram até 2012.

- um aumento das desigualdades sociais: a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), no relatório de avaliação de Portugal, divulgado a 27 de outubro de 2014, referia que "Portugal tem uma distribuição de riqueza das mais desiguais da Europa e os níveis de pobreza são elevados".

Para além de não "ter posição" quanto à questão da reestruturação da dívida, o PS parece não ter também qualquer posição quanto aos diversos (graves) problemas que afectam Portugal, designadamente o desemprego, a pobreza e a desigualdade. Ao contrário do que referia António Costa, num discurso deveras 'medicinal' (em junho de 2014), Portugal não precisa apenas de um " programa de fisioterapia ... para recuperar de uma intervenção cirúrgica dolorosa", precisa de 'médicos'/ 'profissionais de saúde' competentes e conhecedores de quais as maleitas de que padece o 'paciente' e quais os 'remédios'/ 'terapias' adequados que se propõe usar (clarificando, à partida, os eventuais efeitos secundários indesejáveis). O discurso oco e gasto que Portugal precisa de uma "agenda para a próxima década, tendo como alavancas fundamentais as apostas na ciência, na educação e na cultura", por muito 'politicamente correto' que seja/pareça, não chega.

Esperemos que o inarrável episódio das "taxas e taxinhas", protagonizado por Pires de Lima, não dê lugar a mais um 'faits divers' entre os ministros de Passos Coelho e António Costa. Precisamos de 'gente séria' que se concentrem nos reais problemas do país e dos portugueses e não de aspirantes a palhaços, sem qualquer graça ou arte.

Esta seria, porventura, uma altura oportuna para um Presidente da República intervir, não estivesse ele tão assoberbado com o árduo e prioritário 'imperativo nacional' de homenagear/condecorar cagarras e chernes.

"Deus e o Demónio são incompatíveis em toda a parte, excepto em Portugal." (Teixeira de Pascoaes (1877 - 1952), 'A Arte de Ser Português')

É um facto que chamar de 'oposição' ao atual Partido Socialista (PS) é, como os nossos 'digníssimos' deputados, políticos e afins gostam de verbalizar, 'faltar à verdade'.

Esta foi mais uma semana de um silêncio quase confrangedor por parte do PS, 'pincelado', aqui e ali, por declarações surpreendentes do líder parlamentar (a propósito da reestruturação da dívida) de que o PS não teria ainda "uma posição" mas que seria expectável viesse a ter (?!). No entretanto, quiçá cansado da azáfama das primárias, António Costa parece ter feito o outsourcing da oposição ao Governo à... Troika!

Em contraste com o 'apagão' dos socialistas, os membros do actual Governo desdobraram-se em auto-elogios e exaltações (Nota: entre parenteses retos exponho alguma argumentação que poderia servir para 'esfriar' o, no meu entender, excessivo entusiasmo do governo):

- Pedro Mota Soares, Ministro da Solidariedade, Emprego e Segurança Social (5 de Novembro de 2014): "Ao contrário do que muitos economistas dizem ser possível, estamos a assistir a uma criação de emprego, mesmo com o crescimento económico que é relativamente diminuto".

[É um facto estatístico que o emprego aumentou e a taxa de desemprego diminuiu (para 13.1%) em Portugal no 3º trimestre de 2014. Não obstante, muito pouco disto se deve (ao contrário do que Mota Soares afirmou) às supostas 'reformas estruturais' que ocorreram no mercado de trabalho. É importante frisar que que grande parte desta descida na taxa de desemprego é de natureza conjuntural, a qual está ainda extremamente dependente dos fundos do Estado para a inserção no mercado de trabalho, associados a políticas ativas de emprego, designadamente a 'estágios'. Ou seja, o tipo de emprego criado é, sobretudo, precário e com salários muito baixos. Como referem os economistas, economias que não conseguem crescer acima dos 2%/ano dificilmente têm condições para gerar emprego de 'qualidade'. Face a um crescimento muito baixo, "diminuto", como reconhece Mota Soares, a taxa de desemprego em Portugal tenderá a estagnar num nível socialmente muito problemático, 10%-13%, que corresponde, grosso modo, à componente 'estrutural' do desemprego.]

- Pires de Lima, Ministro da Economia 29 de outubro de 2014): "Portugal é melhor a fazer negócio do que Espanha ou França"

[Ainda em terras mexicanas, o governante regozijava-se (erroneamente, como se sabe) do 'progresso' de Portugal no ranking 'Doing Business'" (Fazer Negócios), sublinhando o 25.º lugar que nos colocava à frente de nações como a Holanda, França, Espanha, Itália, Polónia e Japão, com as quais, declarava eufórico o ministro, "faz bem Portugal comparar-se e perceber que está num 'ranking' superior".

Passe a ironia, que Pires de Lima tanto preza, as palavras do Padre António Vieira (1608- 1697), ficam aqui mesmo a 'matar': "Nós (portugueses) temos ... a nossa inveja, a nossa presunção, o nosso descuido e a nossa perpétua atenção ao particular." Não só seria expectável que um licenciado em Economia soubesse mais a propósito das limitações que tais rankings enfermam (talvez seja por estas e por outras que Angela Merkel refere que em Portugal há licenciados, de qualidade duvidosa, a mais), mas que estivesse assessorado por indivíduos mais competentes (haveria aqui que resistir à "tentação" não apenas das "taxas e taxinhas" mas também dos 'tachos e tachinhos').]

Outros números e rankings passaram (não surpreendentemente, reconheço) despercebidos a Mota Soares e Pires de Lima:

- um significativo aumento da pobreza infantil em Portugal: segundo o relatório da UNICEF, divulgado em 28 de outubro de 2014, "Children of the Recession: The impact of the economic crisis on child well-being in rich countries" ("Filhos da recessão: o impacto da crise económica no bem-estar das crianças nos países ricos"), Portugal surge em 'lugar cimeiro' ao lado de países como a Grécia, Espanha, Irlanda ou Itália, onde a pobreza infantil escalou e os rendimentos medianos das famílias com crianças mais decresceram até 2012.

- um aumento das desigualdades sociais: a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), no relatório de avaliação de Portugal, divulgado a 27 de outubro de 2014, referia que "Portugal tem uma distribuição de riqueza das mais desiguais da Europa e os níveis de pobreza são elevados".

Para além de não "ter posição" quanto à questão da reestruturação da dívida, o PS parece não ter também qualquer posição quanto aos diversos (graves) problemas que afectam Portugal, designadamente o desemprego, a pobreza e a desigualdade. Ao contrário do que referia António Costa, num discurso deveras 'medicinal' (em junho de 2014), Portugal não precisa apenas de um " programa de fisioterapia ... para recuperar de uma intervenção cirúrgica dolorosa", precisa de 'médicos'/ 'profissionais de saúde' competentes e conhecedores de quais as maleitas de que padece o 'paciente' e quais os 'remédios'/ 'terapias' adequados que se propõe usar (clarificando, à partida, os eventuais efeitos secundários indesejáveis). O discurso oco e gasto que Portugal precisa de uma "agenda para a próxima década, tendo como alavancas fundamentais as apostas na ciência, na educação e na cultura", por muito 'politicamente correto' que seja/pareça, não chega.

Esperemos que o inarrável episódio das "taxas e taxinhas", protagonizado por Pires de Lima, não dê lugar a mais um 'faits divers' entre os ministros de Passos Coelho e António Costa. Precisamos de 'gente séria' que se concentrem nos reais problemas do país e dos portugueses e não de aspirantes a palhaços, sem qualquer graça ou arte.

Esta seria, porventura, uma altura oportuna para um Presidente da República intervir, não estivesse ele tão assoberbado com o árduo e prioritário 'imperativo nacional' de homenagear/condecorar cagarras e chernes.

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