Os cenários pós-eleitorais: estas coligações seriam como?

03-10-2015
marcar artigo

As 1.001 sondagens que têm sido publicadas, agora diariamente, mostram com clareza que a maioria absoluta é quase inatingível nestas eleições. Sem ela, PS e PSD – os dois partidos que ficarão com mais deputados – terão que procurar apoios para garantir a governabilidade do país. E, não querendo ficar na mão da oposição, terão que negociar uma maioria na AR para fazer passar o programa de Governo e os orçamentos de Estado.

O Observador fez-lhe já um simulador para que possa perceber o que vai acontecer depois de 4 de outubro. As soluções são muitas para chegar aos 116 deputados. Mas a verdade é que são escassas quando, com realismo, olhamos para as cedências que exigiriam.

Vamos olhar para elas, uma a uma? O melhor será dividi-las entre as possíveis, as difíceis e as impossíveis (por os deputados

não chegarem ou por incompatibilidade ideológica). Aqui estão elas:

Com ou sem CDS, as negociações seriam idênticas, com Passos e Costa a liderar as conversas – e a fixar as condições. Os programas da coligação e do PS mostram de um modo claro as áreas onde seria mais difícil conseguir um acordo, fosse ele para um Governo conjunto, ou para um apoio parlamentar.

Começam na TSU, onde as duas partes têm posições extremadas: o PS aposta forte em alterações à Taxa Social Única como forma de estímulo à economia (via consumo), enquanto PSD e CDS se mostra radicalmente contra, por representar menos receita para a Segurança Social, por ter implicações na formação da pensão de reforma futura e também por dizerem dispensável e arriscado um estímulo ao consumo. Problema: sem TSU, o modelo económico do PS cairia por terra, já que todas as outras medidas dependiam da receita que, diz, viria com a sua aplicação (via crescimento da economia). E a muito proclamada “alternativa” do PS acabaria reduzida a pouco.

As dificuldades de entendimento continuam nas pensões: o PS recusa o plafonamento da direita, assim como a poupança de 600 milhões de euros negociada com a Comissão Europeia. O PSD já deu um passo em frente, com Passos a aceitar novas formas de financiar a Segurança Social – mas sem passar pelo congelamento do IRC. O meio caminho ainda vai longe.

Outros temas difíceis de negociar? O ritmo de devolução dos salários públicos; os impostos; os incentivos à construção e restauração (Costa quer investir no primeiro e descer o IVA para o segundo); as privatizações (o PS quer travar a da TAP, Metro de Lisboa e do Porto, STCP e Carris); e ainda a Educação (onde o PS travaria a pretensão da direita de dar mais liberdade às escolas).

Se quiser conhecer melhor as negociações de um Bloco Central, tem aqui um guia completo. Mas atenção: nas últimas semanas António Costa não só disse explicitamente que rejeita formar um Bloco Central, como já disse que se recusará a viabilizar um orçamento da direita. Passos também não tem dado grande margem (embora mais aberto a discussões futuras). Só o dia depois dirá se há caminho a fazer, com estes ou com outro dos líderes.

Só uma vez aconteceu, com Mário Soares e Freitas do Amaral, nos anos 70. E aconteceu em circunstâncias únicas: o PS precisava de apoio, o CDS de se credibilizar, no rescaldo de uma revolução onde aparecia muito associado ao antigo regime. Desde aí, não mais os dois partidos se uniram – mas é verdade que houve aproximações.

Em 1996, Manuel Monteiro chegou a aprovar um Orçamento a Guterres. Quatro anos depois, um deputado do CDS (Daniel Campelo) chegou para lhe aprovar outros dois. Com Sócrates, Portas chegou a negociar – mas na hora h saiu de cena, exigindo contrapartidas que o PS não aceitaria. E agora?

À partida, o CDS pode ter na AR deputados suficientes para fazer maioria com os socialistas. Mas a agenda do partido está muito presa à governação dos últimos quatro anos – e, claro, presa ao programa da coligação.

Portas terá outros pontos de encontro com o PS, em alguns casos mais fáceis do que aconteceria com o PSD: a redução do IVA da restauração já foi bandeira dos centristas, a desconfiança das medidas de austeridade também (como de poupanças de 600 milhões nas pensões, sobre os quais o CDS nunca se pronunciou até que fosse garantido que não envolviam cortes nas pensões a pagamento). O CDS, mesmo assim, tem pontos de discordância grandes com o PS, defendendo a redução continuada do IRC, o plafonamento na Segurança Social, mais liberdade de escolha na Educação e Saúde.

Duas dúvidas políticas: até que ponto o eleitorado dos centristas aceitaria esta aliança? Até onde estaria o PS disposto a ceder?

“Alguém imagina que o PCP vai aceitar um lugar ou dois no Governo só para dar cobertura a uma política que já demonstrou ao longo das últimas décadas que não serve os portugueses?”. A interrogação foi lançada pelo líder do PCP, Jerónimo de Sousa no último debate televisivo com António Costa e ilustra a relação potencial entre esta força política e o PS (leia-se, nenhuma ou muito improvável).

Jerónimo diz sempre estar disponível para todos os diálogos, mas tem bem traçadas as linhas vermelhas – e são muito carregadas. Os comunistas sentam-se ao lado do PS no Parlamento mas as divergências são “de fundo” em matérias como a Segurança Social, a legislação laboral e a política económica. Na primeira parte, o PCP não aceita outra coisa que não seja a reposição integral do pagamento das pensões e rejeita qualquer tipo de plafonamento (dizendo que a TSU do PS é um plafonamento “vertical”). Sobre legislação laboral, é contra a baixa da TSU e o regime conciliatório propostos pelo PS. No que diz respeito a políticas económicas, é contra qualquer tentativa de privatizações.

Para além disto tudo, o PCP tem, nos últimos meses, evoluído de uma posição de eurocético para defensor da saída de Portugal do euro. Se o PS não põe em causa do Tratado Orçamental (fala apenas em “leitura mais inteligente”), o PCP critica as suas “imposições draconianas” e considera que aquele é incompatível com uma estratégia de crescimento para o país. Os comunistas insistem na necessidade de reestruturação da dívida – tendo uma proposta concreta para este ponto: (redução do valor nominal dos montantes em 50% e redução do seu serviço em 75%).

Mais? Imagine o que seria o PCP negociar com o PS matérias como a saída da NATO, nacionalizações na banca e energia, resgate total das parcerias público-privadas, redução do IVA, uma reforma agrária nos campos do Sul e a recuperação do TGV, aeroporto de Lisboa, terceira travessia do Tejo.

Ou, nas áreas sociais, um pouco de tudo: mais subsídio social de desemprego, descongelamento das progressões, reposição da idade de reforma nos 65 anos, só para dar alguns exemplos (as medidas do programa comunista estão aqui).

O PCP nunca integrou qualquer governo constitucional. Álvaro Cunhal foi ministro sem pasta nos primeiros quatro governos provisórios após o 25 de abril (entre 16 de maio de 1974 e 8 de agosto de 1975). Mais um dado: a CGTP, central sindical com ligação umbilical ao PCP, teria grande dificuldade em lidar com um PCP no Governo – quem restaria para contestar?

Catarina Martins protagonizou um dos momentos da pré-campanha ao desafiar António Costa para um entendimento pós-eleitoral no dia 5 de outubro, no frente a frente televisivo. O socialista não deu resposta a uma proposta que até já tem contornos definidos. O BE põe três condições em cima da mesa: o abandono por parte do PS da baixa da TSU a cargo dos trabalhadores e empresas, do regime conciliatório e do congelamento das pensões. Segundo os bloquistas, o regime conciliatório é uma forma de flexibilização dos despedimentos.

Curiosamente, Catarina Martins não colocou na lista a renegociação da dívida. “Dia 5 de outubro, cá estarei para conversar sobre um Governo que possa salvar o país e para pensar como reestruturar a sua dívida para que haja emprego e futuro”, disse a coordenadora do BE a Costa.

Mas no programa do Bloco, a proposta é concreta: “Abatimento de 60%, com juro de 1,5% e pagamento entre 2022 e 2030, incluindo credores públicos e privados, salvaguardando certificados do tesouro e de aforro, bem como o fundo da Segurança Social.” Isto e mais uma auditoria à dívida e a indexação do pagamento de juros à taxa anual de crescimento do PIB.

E que mais matérias teriam que ser levadas para a mesa de negociações com o PS? Por exemplo, estes pontos do programa do Bloco: um subsídio social de desemprego para todos os desempregados em situação de carência económica; o fim das taxas moderadoras; a nacionalização das empresas públicas privatizadas ou concessionadas; renacionalização das ex-Scut; revogação da lei do arrendamento; um plano de recuperação das linhas do caminho de ferro abandonadas; diminuição do IVA, reposição dos escalões de IRS e tributação das grandes fortunas; devolução de todos os cortes no Estado e apoios sociais.

Os consensos mais fáceis estarão na área laboral: desde as 35 horas/semana ao combate à precariedade, há muitas zonas de consenso provável entre as duas partes (com excepções, como o descongelamento de carreiras no Estado, que o BE propõe). Mas também na Educação (com excepção dos manuais gratuitos ou da limitação de alunos por turma, que o PS não prevê). Na Saúde, o mais difícil seria o PS aceitar pagar mais aos profissionais do setor. Na política externa haveria muitos problemas em cima da mesa: o BE quer a saída da NATO, não reconhece o FMI.

E agora o plano político, também ele um problema: durante algum tempo, a questão da coligação de Governo era tabu para a direção do BE. Isso motivou até guerras internas e levou à demissão de vários militantes como Rui Tavares, Ana Drago ou Daniel Oliveira que depois se uniram no Livre/Tempo de Avançar. Mais recentemente, deu também origem a uma disputa interna no Bloco: Pedro Filipe Soares desafiou a liderança de Catarina Martins alegando que esta tinha mostrado disponibilidade para uma aproximação ao PS. Catarina ganhou, mas a pergunta fica: aguentaria o Bloco unido num cenário de acordo?

Para além dos problemas acima identificados para que PS consiga chegar a uma aliança quer com a CDU, quer com o BE, estes dois partidos que disputam o mesmo eleitorado também muito dificilmente aceitariam formar uma grande coligação sob pena de serem ‘engolidos’ – o pequeno partido que ficar de fora terá mais margem para demarcar-se e crescer na oposição. Há ainda o problema de parte da direção do Livre e do Agir ser formada por pessoas que saíram do Bloco de Esquerda em divergência com outros dirigentes.

Estas alianças dependem do número de mandatos que os pequenos partidos tiverem. As sondagens indicam que, destes três partidos (Livre de Rui Tavares, PDR de Marinho e Pinto, e Agir de Joana Amaral Dias), o PDR será o que conseguirá eleger mais deputados (dois). Ora, estes dois não serão suficientes para, conjuntamente com o PS, fazer uma maioria. Deixemos, mesmo assim, uma síntese do que poderia acontecer, caso a votação do PS subisse muito face às sondagens (ou se um destes pequenos partidos consiga uma enorme surpresa no dia 4).

O LIVRE, criado a partir de uma fratura do BE essencialmente devido à forma como a direção daquele partido via o poder, entregou em maio ao PS, ao PCP, ao Bloco de Esquerda e aos Verdes, um caderno de encargos com medidas prioritárias – uma Agenda Inadiável – para que fossem discutidas por cada um dos partidos antes de concluírem os seus programas eleitorais.

Curiosamente, a agenda do LIVRE seria mais fácil de negociar com os socialistas. O documento defende ‘apenas’ a suspensão das privatizações, auditorias às PPP e empresas privatizadas (para “avaliar” a hipótese de reversão), o fim das “rendas indevidas na energia”, um aumento moderado do salário mínimo (530 euros, muito menos do que o PCP), “garantir as pensões” (e não subi-las, como pedem BE e PCP).

Há áreas de aproximação difíceis, como o plano de apoio a famílias e empresas endividadas que o LIVRE propõe (e que exigem disponibilidade financeira), as reduções ambiciosas do IVA (que o PS só promete na restauração), a distribuição gratuita de “mínimos de água, eletricidade e gás” (pagos pelos que ganham mais), a eliminação das taxas moderadoras e redução de propinas no Superior.

Mais complicados ainda são os pontos sobre a Europa – mas todos eles tratados com mais prudência do que nos outros partidos à esquerda: a renegociação da dívida pública é tratada num “quadro multilateral”, o referendo é apenas para “novas alterações aos Tratados” e até o próximo orçamento é deve ser apenas “suficiente e não recessivo” – admitindo a necessidade de a despesa sem juros ser coberta pela receita.

António Marinho e Pinto não se coloca de fora de qualquer diálogo, quer com o PS, quer com o PSD. “Faremos alianças até com o diabo se for conveniente para os interesses dos portugueses”, disse em entrevista à RTP. O ex-bastonário da Ordem dos Advogados, ao Observador, recusou explicar em que lugar gostaria de se sentar no Parlamento, se na ponta mais à esquerda, se entre o PSD e o PS, por exemplo.

O programa de Marinho e Pinto é, aliás, suficientemente vago para permitir negociações. O que defende, em síntese: a dignificação dos professores, médicos e enfermeiros e dos juízes e magistrados (sem pedir aumentos diretamente); um programa nacional para erradicação da pobreza; a abertura de um tribunal na sede de cada concelho, assim como investimentos públicos nas áreas da justiça, da saúde e do ensino; revisão dos acordos em PPP; ou um pacote de medidas para o desendividamento das famílias e dos cidadãos (sem concretizar). É tudo, assim, muito aberto, sem nada que inviabilize negociações. O problema é o número de eleitos que conseguirá.

O Agir, de Joana Amaral Dias, diz que quer ser poder e não um “partido de protesto”. Mas, cuidado, nada com os partidos do Bloco Central. “O PS é igual ao PSD mas com ‘almofadinhas'”, dizia em maio, em entrevista ao Observador. As propostas do Agir passam pela nacionalização de bancos e a expulsão da Alemanha da zona euro.

Já o JPP, que pode ainda eleger um deputado na Madeira, se mantiver os níveis de votação das eleições regionais, defende financiamento político totalmente público, regime de exclusividade para os deputados, revisão do princípio da imunidade, abolição dos regimes de regalias para ex-políticos, combate ao enriquecimento injustificado e reforma da lei eleitoral, alargamento da isenção do IMI, a redução da taxa de IRC e a descida do IVA na restauração de 23 para 13%.

As 1.001 sondagens que têm sido publicadas, agora diariamente, mostram com clareza que a maioria absoluta é quase inatingível nestas eleições. Sem ela, PS e PSD – os dois partidos que ficarão com mais deputados – terão que procurar apoios para garantir a governabilidade do país. E, não querendo ficar na mão da oposição, terão que negociar uma maioria na AR para fazer passar o programa de Governo e os orçamentos de Estado.

O Observador fez-lhe já um simulador para que possa perceber o que vai acontecer depois de 4 de outubro. As soluções são muitas para chegar aos 116 deputados. Mas a verdade é que são escassas quando, com realismo, olhamos para as cedências que exigiriam.

Vamos olhar para elas, uma a uma? O melhor será dividi-las entre as possíveis, as difíceis e as impossíveis (por os deputados

não chegarem ou por incompatibilidade ideológica). Aqui estão elas:

Com ou sem CDS, as negociações seriam idênticas, com Passos e Costa a liderar as conversas – e a fixar as condições. Os programas da coligação e do PS mostram de um modo claro as áreas onde seria mais difícil conseguir um acordo, fosse ele para um Governo conjunto, ou para um apoio parlamentar.

Começam na TSU, onde as duas partes têm posições extremadas: o PS aposta forte em alterações à Taxa Social Única como forma de estímulo à economia (via consumo), enquanto PSD e CDS se mostra radicalmente contra, por representar menos receita para a Segurança Social, por ter implicações na formação da pensão de reforma futura e também por dizerem dispensável e arriscado um estímulo ao consumo. Problema: sem TSU, o modelo económico do PS cairia por terra, já que todas as outras medidas dependiam da receita que, diz, viria com a sua aplicação (via crescimento da economia). E a muito proclamada “alternativa” do PS acabaria reduzida a pouco.

As dificuldades de entendimento continuam nas pensões: o PS recusa o plafonamento da direita, assim como a poupança de 600 milhões de euros negociada com a Comissão Europeia. O PSD já deu um passo em frente, com Passos a aceitar novas formas de financiar a Segurança Social – mas sem passar pelo congelamento do IRC. O meio caminho ainda vai longe.

Outros temas difíceis de negociar? O ritmo de devolução dos salários públicos; os impostos; os incentivos à construção e restauração (Costa quer investir no primeiro e descer o IVA para o segundo); as privatizações (o PS quer travar a da TAP, Metro de Lisboa e do Porto, STCP e Carris); e ainda a Educação (onde o PS travaria a pretensão da direita de dar mais liberdade às escolas).

Se quiser conhecer melhor as negociações de um Bloco Central, tem aqui um guia completo. Mas atenção: nas últimas semanas António Costa não só disse explicitamente que rejeita formar um Bloco Central, como já disse que se recusará a viabilizar um orçamento da direita. Passos também não tem dado grande margem (embora mais aberto a discussões futuras). Só o dia depois dirá se há caminho a fazer, com estes ou com outro dos líderes.

Só uma vez aconteceu, com Mário Soares e Freitas do Amaral, nos anos 70. E aconteceu em circunstâncias únicas: o PS precisava de apoio, o CDS de se credibilizar, no rescaldo de uma revolução onde aparecia muito associado ao antigo regime. Desde aí, não mais os dois partidos se uniram – mas é verdade que houve aproximações.

Em 1996, Manuel Monteiro chegou a aprovar um Orçamento a Guterres. Quatro anos depois, um deputado do CDS (Daniel Campelo) chegou para lhe aprovar outros dois. Com Sócrates, Portas chegou a negociar – mas na hora h saiu de cena, exigindo contrapartidas que o PS não aceitaria. E agora?

À partida, o CDS pode ter na AR deputados suficientes para fazer maioria com os socialistas. Mas a agenda do partido está muito presa à governação dos últimos quatro anos – e, claro, presa ao programa da coligação.

Portas terá outros pontos de encontro com o PS, em alguns casos mais fáceis do que aconteceria com o PSD: a redução do IVA da restauração já foi bandeira dos centristas, a desconfiança das medidas de austeridade também (como de poupanças de 600 milhões nas pensões, sobre os quais o CDS nunca se pronunciou até que fosse garantido que não envolviam cortes nas pensões a pagamento). O CDS, mesmo assim, tem pontos de discordância grandes com o PS, defendendo a redução continuada do IRC, o plafonamento na Segurança Social, mais liberdade de escolha na Educação e Saúde.

Duas dúvidas políticas: até que ponto o eleitorado dos centristas aceitaria esta aliança? Até onde estaria o PS disposto a ceder?

“Alguém imagina que o PCP vai aceitar um lugar ou dois no Governo só para dar cobertura a uma política que já demonstrou ao longo das últimas décadas que não serve os portugueses?”. A interrogação foi lançada pelo líder do PCP, Jerónimo de Sousa no último debate televisivo com António Costa e ilustra a relação potencial entre esta força política e o PS (leia-se, nenhuma ou muito improvável).

Jerónimo diz sempre estar disponível para todos os diálogos, mas tem bem traçadas as linhas vermelhas – e são muito carregadas. Os comunistas sentam-se ao lado do PS no Parlamento mas as divergências são “de fundo” em matérias como a Segurança Social, a legislação laboral e a política económica. Na primeira parte, o PCP não aceita outra coisa que não seja a reposição integral do pagamento das pensões e rejeita qualquer tipo de plafonamento (dizendo que a TSU do PS é um plafonamento “vertical”). Sobre legislação laboral, é contra a baixa da TSU e o regime conciliatório propostos pelo PS. No que diz respeito a políticas económicas, é contra qualquer tentativa de privatizações.

Para além disto tudo, o PCP tem, nos últimos meses, evoluído de uma posição de eurocético para defensor da saída de Portugal do euro. Se o PS não põe em causa do Tratado Orçamental (fala apenas em “leitura mais inteligente”), o PCP critica as suas “imposições draconianas” e considera que aquele é incompatível com uma estratégia de crescimento para o país. Os comunistas insistem na necessidade de reestruturação da dívida – tendo uma proposta concreta para este ponto: (redução do valor nominal dos montantes em 50% e redução do seu serviço em 75%).

Mais? Imagine o que seria o PCP negociar com o PS matérias como a saída da NATO, nacionalizações na banca e energia, resgate total das parcerias público-privadas, redução do IVA, uma reforma agrária nos campos do Sul e a recuperação do TGV, aeroporto de Lisboa, terceira travessia do Tejo.

Ou, nas áreas sociais, um pouco de tudo: mais subsídio social de desemprego, descongelamento das progressões, reposição da idade de reforma nos 65 anos, só para dar alguns exemplos (as medidas do programa comunista estão aqui).

O PCP nunca integrou qualquer governo constitucional. Álvaro Cunhal foi ministro sem pasta nos primeiros quatro governos provisórios após o 25 de abril (entre 16 de maio de 1974 e 8 de agosto de 1975). Mais um dado: a CGTP, central sindical com ligação umbilical ao PCP, teria grande dificuldade em lidar com um PCP no Governo – quem restaria para contestar?

Catarina Martins protagonizou um dos momentos da pré-campanha ao desafiar António Costa para um entendimento pós-eleitoral no dia 5 de outubro, no frente a frente televisivo. O socialista não deu resposta a uma proposta que até já tem contornos definidos. O BE põe três condições em cima da mesa: o abandono por parte do PS da baixa da TSU a cargo dos trabalhadores e empresas, do regime conciliatório e do congelamento das pensões. Segundo os bloquistas, o regime conciliatório é uma forma de flexibilização dos despedimentos.

Curiosamente, Catarina Martins não colocou na lista a renegociação da dívida. “Dia 5 de outubro, cá estarei para conversar sobre um Governo que possa salvar o país e para pensar como reestruturar a sua dívida para que haja emprego e futuro”, disse a coordenadora do BE a Costa.

Mas no programa do Bloco, a proposta é concreta: “Abatimento de 60%, com juro de 1,5% e pagamento entre 2022 e 2030, incluindo credores públicos e privados, salvaguardando certificados do tesouro e de aforro, bem como o fundo da Segurança Social.” Isto e mais uma auditoria à dívida e a indexação do pagamento de juros à taxa anual de crescimento do PIB.

E que mais matérias teriam que ser levadas para a mesa de negociações com o PS? Por exemplo, estes pontos do programa do Bloco: um subsídio social de desemprego para todos os desempregados em situação de carência económica; o fim das taxas moderadoras; a nacionalização das empresas públicas privatizadas ou concessionadas; renacionalização das ex-Scut; revogação da lei do arrendamento; um plano de recuperação das linhas do caminho de ferro abandonadas; diminuição do IVA, reposição dos escalões de IRS e tributação das grandes fortunas; devolução de todos os cortes no Estado e apoios sociais.

Os consensos mais fáceis estarão na área laboral: desde as 35 horas/semana ao combate à precariedade, há muitas zonas de consenso provável entre as duas partes (com excepções, como o descongelamento de carreiras no Estado, que o BE propõe). Mas também na Educação (com excepção dos manuais gratuitos ou da limitação de alunos por turma, que o PS não prevê). Na Saúde, o mais difícil seria o PS aceitar pagar mais aos profissionais do setor. Na política externa haveria muitos problemas em cima da mesa: o BE quer a saída da NATO, não reconhece o FMI.

E agora o plano político, também ele um problema: durante algum tempo, a questão da coligação de Governo era tabu para a direção do BE. Isso motivou até guerras internas e levou à demissão de vários militantes como Rui Tavares, Ana Drago ou Daniel Oliveira que depois se uniram no Livre/Tempo de Avançar. Mais recentemente, deu também origem a uma disputa interna no Bloco: Pedro Filipe Soares desafiou a liderança de Catarina Martins alegando que esta tinha mostrado disponibilidade para uma aproximação ao PS. Catarina ganhou, mas a pergunta fica: aguentaria o Bloco unido num cenário de acordo?

Para além dos problemas acima identificados para que PS consiga chegar a uma aliança quer com a CDU, quer com o BE, estes dois partidos que disputam o mesmo eleitorado também muito dificilmente aceitariam formar uma grande coligação sob pena de serem ‘engolidos’ – o pequeno partido que ficar de fora terá mais margem para demarcar-se e crescer na oposição. Há ainda o problema de parte da direção do Livre e do Agir ser formada por pessoas que saíram do Bloco de Esquerda em divergência com outros dirigentes.

Estas alianças dependem do número de mandatos que os pequenos partidos tiverem. As sondagens indicam que, destes três partidos (Livre de Rui Tavares, PDR de Marinho e Pinto, e Agir de Joana Amaral Dias), o PDR será o que conseguirá eleger mais deputados (dois). Ora, estes dois não serão suficientes para, conjuntamente com o PS, fazer uma maioria. Deixemos, mesmo assim, uma síntese do que poderia acontecer, caso a votação do PS subisse muito face às sondagens (ou se um destes pequenos partidos consiga uma enorme surpresa no dia 4).

O LIVRE, criado a partir de uma fratura do BE essencialmente devido à forma como a direção daquele partido via o poder, entregou em maio ao PS, ao PCP, ao Bloco de Esquerda e aos Verdes, um caderno de encargos com medidas prioritárias – uma Agenda Inadiável – para que fossem discutidas por cada um dos partidos antes de concluírem os seus programas eleitorais.

Curiosamente, a agenda do LIVRE seria mais fácil de negociar com os socialistas. O documento defende ‘apenas’ a suspensão das privatizações, auditorias às PPP e empresas privatizadas (para “avaliar” a hipótese de reversão), o fim das “rendas indevidas na energia”, um aumento moderado do salário mínimo (530 euros, muito menos do que o PCP), “garantir as pensões” (e não subi-las, como pedem BE e PCP).

Há áreas de aproximação difíceis, como o plano de apoio a famílias e empresas endividadas que o LIVRE propõe (e que exigem disponibilidade financeira), as reduções ambiciosas do IVA (que o PS só promete na restauração), a distribuição gratuita de “mínimos de água, eletricidade e gás” (pagos pelos que ganham mais), a eliminação das taxas moderadoras e redução de propinas no Superior.

Mais complicados ainda são os pontos sobre a Europa – mas todos eles tratados com mais prudência do que nos outros partidos à esquerda: a renegociação da dívida pública é tratada num “quadro multilateral”, o referendo é apenas para “novas alterações aos Tratados” e até o próximo orçamento é deve ser apenas “suficiente e não recessivo” – admitindo a necessidade de a despesa sem juros ser coberta pela receita.

António Marinho e Pinto não se coloca de fora de qualquer diálogo, quer com o PS, quer com o PSD. “Faremos alianças até com o diabo se for conveniente para os interesses dos portugueses”, disse em entrevista à RTP. O ex-bastonário da Ordem dos Advogados, ao Observador, recusou explicar em que lugar gostaria de se sentar no Parlamento, se na ponta mais à esquerda, se entre o PSD e o PS, por exemplo.

O programa de Marinho e Pinto é, aliás, suficientemente vago para permitir negociações. O que defende, em síntese: a dignificação dos professores, médicos e enfermeiros e dos juízes e magistrados (sem pedir aumentos diretamente); um programa nacional para erradicação da pobreza; a abertura de um tribunal na sede de cada concelho, assim como investimentos públicos nas áreas da justiça, da saúde e do ensino; revisão dos acordos em PPP; ou um pacote de medidas para o desendividamento das famílias e dos cidadãos (sem concretizar). É tudo, assim, muito aberto, sem nada que inviabilize negociações. O problema é o número de eleitos que conseguirá.

O Agir, de Joana Amaral Dias, diz que quer ser poder e não um “partido de protesto”. Mas, cuidado, nada com os partidos do Bloco Central. “O PS é igual ao PSD mas com ‘almofadinhas'”, dizia em maio, em entrevista ao Observador. As propostas do Agir passam pela nacionalização de bancos e a expulsão da Alemanha da zona euro.

Já o JPP, que pode ainda eleger um deputado na Madeira, se mantiver os níveis de votação das eleições regionais, defende financiamento político totalmente público, regime de exclusividade para os deputados, revisão do princípio da imunidade, abolição dos regimes de regalias para ex-políticos, combate ao enriquecimento injustificado e reforma da lei eleitoral, alargamento da isenção do IMI, a redução da taxa de IRC e a descida do IVA na restauração de 23 para 13%.

marcar artigo