O que António Pedro Vasconcelos diz que sabe sobre as mulheres

28-11-2014
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A revista de domingo do Público inclui todas as semanas um texto que parte, ao que se explica, de uma conversa, com a jornalista Ana Sousa Dias, e que pretende dar resposta à questão “O que eu sei sobre os homens/ as mulheres”.

Nesta última semana, o convidado era o cineasta António Pedro Vasconcelos (APV) e o excerto da conversa colocado em destaque dizia:

“Não estou a ver uma mulher a ler Montaigne, um dos meus autores de cabeceira”.

Ora, esta afirmação, só por si, já me pareceu motivo mais que suficiente para ler o que APV diz que sabe sobre as mulheres. O taxativo, ainda que circunstancial, “não estou a ver” deixa pouca margem para que alguma criatura do sexo feminino mais afoita se abalance a qualquer um dos volumes dos “Ensaios”.

Seria esta afirmação reveladora de um profundo conhecimento das mulheres ou de um despudorado machismo? Já não era possível voltar a página e ignorar o que o APV sabe sobre as mulheres.

E assim fiquei a saber que APV considera que a obra de Montaigne encerra valores e preocupações masculinos, o que, como é do conhecimento comum, não interessa nada às mulheres.

De resto, APV não se mostra grande apreciador da literatura assinada por mulheres.

“Não imagino um Shakespeare feminino. Só há uma escritora e um livro que me intrigam, talvez o maior livro que alguma vez se escreveu, O Monte dos Vendavais. A Charlotte Brontë intriga-me. Uma miúda que morre cedo, que praticamente não viveu, não teve nada de excepcional na vida dela e escreve aquele livro.”

De facto, é intrigante. Sobretudo, tendo em conta que quem o escreveu foi a irmã, a Emily Brontë, outra miúda que morreu cedo.

Prossegue APV, desta vez sobre a atracção sexual:

“A ambiguidade que há na atracção sexual pode passar pelo mistério, pela sensação de que há ali uma infelicidade que é preciso inverter, no sentido de consolar.”

Bom, aqui há que parar a leitura e reconhecer que este homem sabe mesmo de mulheres. Que pode haver de mais atraente do que uma mulher a pedir consolo? E quanto maior a infelicidade que é preciso inverter mais atractiva a criatura, supõe-se. Se ela estiver num pranto desatado e a arrancar os cabelos então é que apetece mesmo saltar-lhe em cima e inverter-lhe, ali mesmo, a infelicidade.

“As mulheres são mais pragmáticas, têm o sentido do real mais presente. Não é por acaso que as mulheres dão muito melhores secretárias, anotadoras de cinema. (…) Há poucas realizadoras de cinema, mas isso não as diminui, tomara eu não ter esta compulsão! Isto é uma tortura.”

Em síntese, há poucas realizadoras de cinema mas, bem vistas as coisas, isso até é uma sorte para elas porque a criação artística é uma tortura e bem mais aprazível será que elas se dediquem ao secretariado ou à anotação, onde podem dar aplicação útil ao seu pragmatismo, colocando-se ao serviço do espírito visionário do Homem Criador.

Não se pense, contudo, que a obra de APV não dedica às mulheres um papel relevante.

“Nos meus filmes, as mulheres têm um papel muito importante, como têm no Renoir, no Bergman e no Truffaut, em cujos filmes as mulheres são sempre mais fortes que os homens.”

E, aqui, pergunto eu: Quando pensamos na obra de APV, nomeadamente nos seus títulos mais recentes, “Call Girl” ou “A Bela e o Paparazzo”, vem-nos à cabeça Renoir, Bergman e Truffaut? Hummm… Não estou a ver.

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A revista de domingo do Público inclui todas as semanas um texto que parte, ao que se explica, de uma conversa, com a jornalista Ana Sousa Dias, e que pretende dar resposta à questão “O que eu sei sobre os homens/ as mulheres”.

Nesta última semana, o convidado era o cineasta António Pedro Vasconcelos (APV) e o excerto da conversa colocado em destaque dizia:

“Não estou a ver uma mulher a ler Montaigne, um dos meus autores de cabeceira”.

Ora, esta afirmação, só por si, já me pareceu motivo mais que suficiente para ler o que APV diz que sabe sobre as mulheres. O taxativo, ainda que circunstancial, “não estou a ver” deixa pouca margem para que alguma criatura do sexo feminino mais afoita se abalance a qualquer um dos volumes dos “Ensaios”.

Seria esta afirmação reveladora de um profundo conhecimento das mulheres ou de um despudorado machismo? Já não era possível voltar a página e ignorar o que o APV sabe sobre as mulheres.

E assim fiquei a saber que APV considera que a obra de Montaigne encerra valores e preocupações masculinos, o que, como é do conhecimento comum, não interessa nada às mulheres.

De resto, APV não se mostra grande apreciador da literatura assinada por mulheres.

“Não imagino um Shakespeare feminino. Só há uma escritora e um livro que me intrigam, talvez o maior livro que alguma vez se escreveu, O Monte dos Vendavais. A Charlotte Brontë intriga-me. Uma miúda que morre cedo, que praticamente não viveu, não teve nada de excepcional na vida dela e escreve aquele livro.”

De facto, é intrigante. Sobretudo, tendo em conta que quem o escreveu foi a irmã, a Emily Brontë, outra miúda que morreu cedo.

Prossegue APV, desta vez sobre a atracção sexual:

“A ambiguidade que há na atracção sexual pode passar pelo mistério, pela sensação de que há ali uma infelicidade que é preciso inverter, no sentido de consolar.”

Bom, aqui há que parar a leitura e reconhecer que este homem sabe mesmo de mulheres. Que pode haver de mais atraente do que uma mulher a pedir consolo? E quanto maior a infelicidade que é preciso inverter mais atractiva a criatura, supõe-se. Se ela estiver num pranto desatado e a arrancar os cabelos então é que apetece mesmo saltar-lhe em cima e inverter-lhe, ali mesmo, a infelicidade.

“As mulheres são mais pragmáticas, têm o sentido do real mais presente. Não é por acaso que as mulheres dão muito melhores secretárias, anotadoras de cinema. (…) Há poucas realizadoras de cinema, mas isso não as diminui, tomara eu não ter esta compulsão! Isto é uma tortura.”

Em síntese, há poucas realizadoras de cinema mas, bem vistas as coisas, isso até é uma sorte para elas porque a criação artística é uma tortura e bem mais aprazível será que elas se dediquem ao secretariado ou à anotação, onde podem dar aplicação útil ao seu pragmatismo, colocando-se ao serviço do espírito visionário do Homem Criador.

Não se pense, contudo, que a obra de APV não dedica às mulheres um papel relevante.

“Nos meus filmes, as mulheres têm um papel muito importante, como têm no Renoir, no Bergman e no Truffaut, em cujos filmes as mulheres são sempre mais fortes que os homens.”

E, aqui, pergunto eu: Quando pensamos na obra de APV, nomeadamente nos seus títulos mais recentes, “Call Girl” ou “A Bela e o Paparazzo”, vem-nos à cabeça Renoir, Bergman e Truffaut? Hummm… Não estou a ver.

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