Grande Loja do Queijo Limiano: Ratzinger e a requalificação da Igreja.

24-12-2019
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O Dr. Soares está triste, o Dr. Louçã indignado, o Sr. Saramago, esse paladino da liberdade de imprensa e expressão no DN nos idos de 75, clama contra o regresso da Inquisição, Paulo Gorjão compara-o a Jerónimo de Sousa, e a Igreja ao PCP, D. Januário Torgal Ferreira, um bispo que aproveita para demonstrar a sua ilimitada fé na perspicácia do Espiríto Santo, tem dúvidas que seja o homem certo, no lugar certo, e para - rematar - o nosso Cardeal, "aliviado" por não ter tido um único voto, D. José Policarpo pede desculpas aos portugueses se os "desiludiu" (!) e diz que os portugueses não devem temer (!) o novo Papa. Portugal também é assim.

Transversal a todas estas palavrosas erupções está um erro fundamental de análise, desculpável a não crentes, dificilmente tolerável a altos membros da hierarquia católica - por muito que custe, Graças a Deus, a Igreja (já) não é um movimento ou instituição secular, político ou social.

A Igreja, enquanto instituição, não tem - nem deve - que fazer política , não tem que tornar a vida terrena fácil ou palatável, tem - isso sim - que fazer passar a Palavra, a Mensagem. Ninguém é obrigado a acreditar, a seguir, a cumprir, a ter Fé. Eu não quero uma Igreja revolucionária, fácil, mediática, com agendas imediatas, quero, isso sim, católicos, interventivos, e quando muito revolucionários (nos objectivos), sempre de acordo com a sua consciência.

Ratzinger, o duro (a "direita da direita" diz Leonardo Boff - o ideólogo da teologia da libertação - que não deve ter lido a troca de correspondência de Ratzinger com o Monsenhor Lefébvre - o ultra-ortodoxo francês que renegou o Concílio Ecuménico Vaticano II - e que em meados de 80 resultou na excomunhão deste) vai, assim o espero, desiludir ainda mais gente. Já desiludiu os políticos, e João Paulo II foi um político, e homem bom, mas que, na prática, manteve essencialmente a Igreja - instituição - congelada, e em gestão corrente, e tratou - bem - dos assuntos do mundo, e vai certamente desiludir os conservadores inanimistas como o nosso fundamentalista-caviar, o Padre João Seabra, ou o inefável taliban César das Neves.

Palpita-me, e ao contrário do que perora muito analista, que este mandato de Ratzinger, o teólogo, ora Benedictus XVI, Papa, vai ser, fundamentalmente, diferente do de João Paulo II, mais, vai ser em muita medida até uma absoluta ruptura formal e substancial - será infinitamente menos político, menos mediático, e mais virado para a natureza e qualidade - intrínseca - da Igreja Católica Apostólica Romana. Porque só com qualidade é que o ensinamento da Igreja se pode diluir no mundo, sem qualidade o mundo - com todas as suas limitações terrenas - dilui-se, contamina, na Igreja. Porque a Igreja não tem que intervir clara, e activamente, nos assuntos do mundo (e é essa na sua essência a lógica da teologia da libertação), tem é que semear com sabedoria pistas concretas que permitam a crentes, e não crentes, cumprir a história.

É neste regresso fundamental às matérias do espiríto, deixando a César o que é de César, neste back to basics, ao core business, que pode estar, aliás, a grande surpresa, porque é nesse regresso, nesse processo, e não num qualquer contexto sócio-político de conjuntura, que pode, e deverá avançar, o diálogo inter-religioso, a reunificação dos cristãos, a requalificação do papel da mulher e dos leigos na Igreja, assim como do próprio sacerdócio, sem esquecer a moral sexual, uma moral ecológica (sim, também...), e por aí fora...

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Publicado por Manuel

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O Dr. Soares está triste, o Dr. Louçã indignado, o Sr. Saramago, esse paladino da liberdade de imprensa e expressão no DN nos idos de 75, clama contra o regresso da Inquisição, Paulo Gorjão compara-o a Jerónimo de Sousa, e a Igreja ao PCP, D. Januário Torgal Ferreira, um bispo que aproveita para demonstrar a sua ilimitada fé na perspicácia do Espiríto Santo, tem dúvidas que seja o homem certo, no lugar certo, e para - rematar - o nosso Cardeal, "aliviado" por não ter tido um único voto, D. José Policarpo pede desculpas aos portugueses se os "desiludiu" (!) e diz que os portugueses não devem temer (!) o novo Papa. Portugal também é assim.

Transversal a todas estas palavrosas erupções está um erro fundamental de análise, desculpável a não crentes, dificilmente tolerável a altos membros da hierarquia católica - por muito que custe, Graças a Deus, a Igreja (já) não é um movimento ou instituição secular, político ou social.

A Igreja, enquanto instituição, não tem - nem deve - que fazer política , não tem que tornar a vida terrena fácil ou palatável, tem - isso sim - que fazer passar a Palavra, a Mensagem. Ninguém é obrigado a acreditar, a seguir, a cumprir, a ter Fé. Eu não quero uma Igreja revolucionária, fácil, mediática, com agendas imediatas, quero, isso sim, católicos, interventivos, e quando muito revolucionários (nos objectivos), sempre de acordo com a sua consciência.

Ratzinger, o duro (a "direita da direita" diz Leonardo Boff - o ideólogo da teologia da libertação - que não deve ter lido a troca de correspondência de Ratzinger com o Monsenhor Lefébvre - o ultra-ortodoxo francês que renegou o Concílio Ecuménico Vaticano II - e que em meados de 80 resultou na excomunhão deste) vai, assim o espero, desiludir ainda mais gente. Já desiludiu os políticos, e João Paulo II foi um político, e homem bom, mas que, na prática, manteve essencialmente a Igreja - instituição - congelada, e em gestão corrente, e tratou - bem - dos assuntos do mundo, e vai certamente desiludir os conservadores inanimistas como o nosso fundamentalista-caviar, o Padre João Seabra, ou o inefável taliban César das Neves.

Palpita-me, e ao contrário do que perora muito analista, que este mandato de Ratzinger, o teólogo, ora Benedictus XVI, Papa, vai ser, fundamentalmente, diferente do de João Paulo II, mais, vai ser em muita medida até uma absoluta ruptura formal e substancial - será infinitamente menos político, menos mediático, e mais virado para a natureza e qualidade - intrínseca - da Igreja Católica Apostólica Romana. Porque só com qualidade é que o ensinamento da Igreja se pode diluir no mundo, sem qualidade o mundo - com todas as suas limitações terrenas - dilui-se, contamina, na Igreja. Porque a Igreja não tem que intervir clara, e activamente, nos assuntos do mundo (e é essa na sua essência a lógica da teologia da libertação), tem é que semear com sabedoria pistas concretas que permitam a crentes, e não crentes, cumprir a história.

É neste regresso fundamental às matérias do espiríto, deixando a César o que é de César, neste back to basics, ao core business, que pode estar, aliás, a grande surpresa, porque é nesse regresso, nesse processo, e não num qualquer contexto sócio-político de conjuntura, que pode, e deverá avançar, o diálogo inter-religioso, a reunificação dos cristãos, a requalificação do papel da mulher e dos leigos na Igreja, assim como do próprio sacerdócio, sem esquecer a moral sexual, uma moral ecológica (sim, também...), e por aí fora...

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