poesia: antonio gamoneda

20-01-2012
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Neste país, neste tempo cuja angústia se desenha em lápides de     mercúrio,
vou estender os meus braços e penetrar na erva,
vou deslizar na espessura do azevinho para que tu me advirtas,     para que me convoques na humidade das tuas axilas.
Ainda há luz sobre os ramos abatidos e o meu valor descobre-se em     sílabas nas quais tu e os rostos actuam como grânulos silvestres,
como espermas excitados até penetrarem na bugia do som,
até submergirem  o meu corpo em águas que não palpitam,
até cobrirem o meu rosto com as pomadas da majestade.
Não é uma glorificação, não é que tenha caído púrpura sobre os     meus ossos;
 é mais belo e antigo: alentar sobre o vinagre até o tornar azul,     adiantar uma faca e retirá-la húmida de uma exsudação que     dignifica o esgrimista.
Agradeço a pobreza para que a pobreza não me maldiga e me     conceda anéis que me distingam de quando fui puro e legislava      na negação.
Cheiro os testemunhos do que é sujo sobre a terra e não me recon-     cílio mas amo o que ficou de nós.
Estou velho de mim mesmo, porém há estigmas. Chegaram os vi-     sitantes. Há formigas debaixo das chagas.
Sinto a fertilidade que se refugia na ira dos meus cabelos e ouço a     fuga das espécies que nos abandonaram.
Cessei a compaixão porque a compaixão me entregava a príncipes      cujas medalhas se afundavam no coração das minhas filhas.
Eu farei com os príncipes uma destilação que será nociva para eles     mas excitante e doce na povoação como é o sumo guardado     em vasilhas muito escuras.
Não recorrerei à verdade porque a verdade disse não e colocou     ácidos no meu corpo.
Que verdade existe no ventre das pombas?
A verdade está na língua ou no espaço dos espelhos?
A verdade é o que se responde às perguntas dos príncipes?
Qual é então a resposta às perguntas dos oleiros?
Se levantares uma túnica encontrarás um corpo mas não uma     pergunta:
para quê as palavras enxutas em cíngulos ou as construídas em     esquinas imóveis,
as convertidas em lâminas e, em seguida, despojadas e ávidas?
Ou melhor: alguma vez fui cínico como asfalto ou pelame?
Não se trata disso, apenas que o asfalto possuía a minha memória e      as minhas exclamações relatavam a perdição e a inimizade.
A nossa sorte é difícil reclusa na beladona e nos recipientes que     não devem ser abertos.
Sujo, é o mundo; porém respira. E tu entras no quarto como     um animal resplandecente.
Depois do conhecimento e do esquecimento que paixão me con-     cerne?
Não hei-de responder mas sim reunir-me com tudo o que está ofe-     recido nos átrios e na distribuição dos resíduos,
com tudo o que treme debaixo da noite.

antonio gamonedadescrição da mentiratrad. vasco gatoquasi2003

Neste país, neste tempo cuja angústia se desenha em lápides de     mercúrio,
vou estender os meus braços e penetrar na erva,
vou deslizar na espessura do azevinho para que tu me advirtas,     para que me convoques na humidade das tuas axilas.
Ainda há luz sobre os ramos abatidos e o meu valor descobre-se em     sílabas nas quais tu e os rostos actuam como grânulos silvestres,
como espermas excitados até penetrarem na bugia do som,
até submergirem  o meu corpo em águas que não palpitam,
até cobrirem o meu rosto com as pomadas da majestade.
Não é uma glorificação, não é que tenha caído púrpura sobre os     meus ossos;
 é mais belo e antigo: alentar sobre o vinagre até o tornar azul,     adiantar uma faca e retirá-la húmida de uma exsudação que     dignifica o esgrimista.
Agradeço a pobreza para que a pobreza não me maldiga e me     conceda anéis que me distingam de quando fui puro e legislava      na negação.
Cheiro os testemunhos do que é sujo sobre a terra e não me recon-     cílio mas amo o que ficou de nós.
Estou velho de mim mesmo, porém há estigmas. Chegaram os vi-     sitantes. Há formigas debaixo das chagas.
Sinto a fertilidade que se refugia na ira dos meus cabelos e ouço a     fuga das espécies que nos abandonaram.
Cessei a compaixão porque a compaixão me entregava a príncipes      cujas medalhas se afundavam no coração das minhas filhas.
Eu farei com os príncipes uma destilação que será nociva para eles     mas excitante e doce na povoação como é o sumo guardado     em vasilhas muito escuras.
Não recorrerei à verdade porque a verdade disse não e colocou     ácidos no meu corpo.
Que verdade existe no ventre das pombas?
A verdade está na língua ou no espaço dos espelhos?
A verdade é o que se responde às perguntas dos príncipes?
Qual é então a resposta às perguntas dos oleiros?
Se levantares uma túnica encontrarás um corpo mas não uma     pergunta:
para quê as palavras enxutas em cíngulos ou as construídas em     esquinas imóveis,
as convertidas em lâminas e, em seguida, despojadas e ávidas?
Ou melhor: alguma vez fui cínico como asfalto ou pelame?
Não se trata disso, apenas que o asfalto possuía a minha memória e      as minhas exclamações relatavam a perdição e a inimizade.
A nossa sorte é difícil reclusa na beladona e nos recipientes que     não devem ser abertos.
Sujo, é o mundo; porém respira. E tu entras no quarto como     um animal resplandecente.
Depois do conhecimento e do esquecimento que paixão me con-     cerne?
Não hei-de responder mas sim reunir-me com tudo o que está ofe-     recido nos átrios e na distribuição dos resíduos,
com tudo o que treme debaixo da noite.

antonio gamonedadescrição da mentiratrad. vasco gatoquasi2003

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