O Insubmisso: Actos de fé

01-06-2020
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A entrevista de Cavaco Silva, ao contrário do que se vai dizendo por aí, não foi patética, nem desonesta, nem arrogante. Não foi, simplesmente porque a entrevista... não foi. Cavaco Silva, ontem na TVI, não foi, nem sequer quis ser. Optou pelo silêncio, total, sem concessões. O resultado, óbvio, foram algumas contradições e outras tantas incoerências. Alguns exemplos:1. Cavaco diz que é cedo para avaliar o Governo. Diz também que não pode avaliar o primeiro-ministro porque cabe a Sampaio, até Março, esse papel. Mas a verdade é que o próprio Cavaco já avaliou este mesmo Governo em algumas ocasiões. Fez isso quando Campos e Cunha saiu, criticando, e também quando Sócrates manteve a promessa de referendar o aborto, elogiando. 2. Cavaco diz, também, que quer remar ao lado do Governo em matérias decisivas para o país. Promete cooperação. Mas, depois, é-lhe perguntado se teria aceite remar ao lado de Guterres, que tanto criticou. E não responde. É uma incoerência, tão só custo de um silêncio forçado. Porque é óbvio que Cavaco não ficaria ao lado de Guterres, porque é óbvio que Cavaco só aceitará remar ao lado de Sócrates se - e apenas se - Sócrates quiser remar na mesma direcção que ele.O Governo e o Presidente podem bem estar de acordo quanto aos objectivos. O problema será, como sempre foi, quando não estão de acordo quanto às políticas para os atingir. Mas isto Cavaco não disse e não dirá.3. Já agora, os cartões vermelhos. Constança Cunha e Sá - uma vez mais no ponto certo - lembra o professor que foi ele próprio quem pediu um cartão vermelho a Guterres, nas autárquicas de 2001. Diz agora Cavaco que Guterres fez mal em sair. O mesmo Cavaco que alertou - e bem - para o descalabro para que Portugal caminhava sob a orientação do engenheiro. Dito isto, o problema da entrevista de Cavaco é a evidência de que algo vai mal em terras de Portugal. O professor considera que a melhor maneira de vencer eleições é falar o menos possível - assim como Sócrates o achou e acabou por conseguir uma maioria absoluta. Percebo a tentação, mas não posso aceitar a tese: é que, assim sendo, as eleições em Portugal tornam-se um acto de fé.Acreditamos, porque sim, que X é o candidato certo e que Y é o candidato errado. É um caminho errado da nossa democracia, não só porque não sabemos no que estamos a votar, mas também porque nos será impossível pedir contas a quem é eleito. É triste, mas as presidenciais estão transformadas nisto: meros actos de fé. Rezemos, então.


A entrevista de Cavaco Silva, ao contrário do que se vai dizendo por aí, não foi patética, nem desonesta, nem arrogante. Não foi, simplesmente porque a entrevista... não foi. Cavaco Silva, ontem na TVI, não foi, nem sequer quis ser. Optou pelo silêncio, total, sem concessões. O resultado, óbvio, foram algumas contradições e outras tantas incoerências. Alguns exemplos:1. Cavaco diz que é cedo para avaliar o Governo. Diz também que não pode avaliar o primeiro-ministro porque cabe a Sampaio, até Março, esse papel. Mas a verdade é que o próprio Cavaco já avaliou este mesmo Governo em algumas ocasiões. Fez isso quando Campos e Cunha saiu, criticando, e também quando Sócrates manteve a promessa de referendar o aborto, elogiando. 2. Cavaco diz, também, que quer remar ao lado do Governo em matérias decisivas para o país. Promete cooperação. Mas, depois, é-lhe perguntado se teria aceite remar ao lado de Guterres, que tanto criticou. E não responde. É uma incoerência, tão só custo de um silêncio forçado. Porque é óbvio que Cavaco não ficaria ao lado de Guterres, porque é óbvio que Cavaco só aceitará remar ao lado de Sócrates se - e apenas se - Sócrates quiser remar na mesma direcção que ele.O Governo e o Presidente podem bem estar de acordo quanto aos objectivos. O problema será, como sempre foi, quando não estão de acordo quanto às políticas para os atingir. Mas isto Cavaco não disse e não dirá.3. Já agora, os cartões vermelhos. Constança Cunha e Sá - uma vez mais no ponto certo - lembra o professor que foi ele próprio quem pediu um cartão vermelho a Guterres, nas autárquicas de 2001. Diz agora Cavaco que Guterres fez mal em sair. O mesmo Cavaco que alertou - e bem - para o descalabro para que Portugal caminhava sob a orientação do engenheiro. Dito isto, o problema da entrevista de Cavaco é a evidência de que algo vai mal em terras de Portugal. O professor considera que a melhor maneira de vencer eleições é falar o menos possível - assim como Sócrates o achou e acabou por conseguir uma maioria absoluta. Percebo a tentação, mas não posso aceitar a tese: é que, assim sendo, as eleições em Portugal tornam-se um acto de fé.Acreditamos, porque sim, que X é o candidato certo e que Y é o candidato errado. É um caminho errado da nossa democracia, não só porque não sabemos no que estamos a votar, mas também porque nos será impossível pedir contas a quem é eleito. É triste, mas as presidenciais estão transformadas nisto: meros actos de fé. Rezemos, então.

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