“Biografia involuntária dos amantes” de João Tordo

15-08-2015
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Sinopse

Numa estrada adormecida da Galiza, dois homens atropelam um javali. A visão do animal morto na estrada levará um deles — Saldaña Paris, um jovem poeta mexicano de olhos azuis inquietos — a puxar o primeiro fio do novelo da sua vida. Instigado pelas confissões desconjuntadas do poeta, o seu companheiro de viagem — um professor universitário divorciado — irá tentar descobrir o que está por trás da persistente melancolia de Saldaña Paris.

Opinião

No último dia deste mês chuvoso acabei de ler aquele que considero o melhor romance de João Tordo. Sem dúvida nenhuma.

Comprei-o na última edição da Feira do Livro do Porto e tive a sorte de fazê-lo no dia em que lá estava o autor para uma sessão de autógrafos. Assim, Biografia involuntária dos amantes tornou-se no primeiro livro autografado que “aterrou” na minha estante J Por si só, esse autógrafo já faz desta obra uma obra especial. Mas, felizmente, a mesma possui muitas mais razões para que a classifique como notável e digna de este jovem e mais que promissor escritor nacional.

Mais uma vez e como acontece em outros romances de Tordo,Biografia involuntária dos amantes oferece-nos uma narrativa que se espalha por vários espaços, tempos e um protagonista que honra os seus “antepassados”, ou seja, os seus companheiros bibliográficos de passadas obras “tordianas”. Mas convém assinalar que há diferenças. Pela primeira vez, Tordo aventurou-se e pôs um dos narradores na pele de uma mulher. E há mais. O amor é o ingrediente principal, aquele à volta do qual tudo se passa, tudo avança e recua, tudo faz sentido.

“Juntos matámos o javali”. É com esta frase curta e inesperada (mas que nos aguça a curiosidade) que a narrativa se inaugura. A partir dela, podemos apreender que o narrador será autodiegético (ou homodiegético) e que aquele incidente, a morte de um javali será um acontecimento significante, que funcionará como pretexto para o novelo de posteriores ações, reflexões e memórias. Muitas memórias.

Com o desenrolar da ação, constatei que o seu primeiro grande espaço é a belíssima região galega e que deambularia por duas das suas cidades – Santiago de Compostela, onde trabalha o narrador, e Pontevedra, onde reside. Bom, neste ponto tenho que abrir uma espécie de parêntesis e confessar que sou uma apaixonada pela cidade de residência do narrador – conheço Pontevedra relativamente bem (já lá estive três vezes) e não consigo impedir que o seu centro histórico, as suas ruelas estreitas, as suas deliciosas praças me conquistem, me seduzam uma vez e outra e outra. Sendo assim, é mais do que óbvio que segui (como se fosse a sua sombra) as deambulações que o narrador fez frequentemente pela sua cidade e que visualizei recantos, ruas, praças, estátuas, cruzeiros, cafés que me são familiares e que me agradam sobremaneira. As duas consequências imediatas que disso resultaram são fáceis de adivinhar – quando li essas passagens, essas descrições das caminhadas por Pontevedra, fartei-me de suspirar (em voz alta e verbalmente por uma nova visita ao seu centro histórico (e já agora às suas livrarias – duas pelo menos) e apercebi-me de que já me tinha rendido aBiografia involuntária dos amantes.

Contudo, ainda havia muito na sua narrativa que me iria seduzir, prender, agarrar, conquistar. O seu narrador e protagonista, por exemplo. Dele não sabemos o nome. Sabemos apenas que é professor universitário, que é o animador de um programa de rádio noturno, que está divorciado e que tem uma filha adolescente, com quem mantém uma relação conflituosa e distante. Sabemos ainda que é um homem na casa dos cinquenta e que se sente preso a uma vida sem sabor, a uma vida insossa, desencantada, cinzenta e previsível como o é o tempo atmosférico na Galiza. É um homem cobarde, que tem consciência dessa cobardia, mas que nada faz para combatê-la, nem quando essa falta de coragem de iniciativa o afunda mais. Contudo, tudo sofre uma reviravolta com o acontecimento que inaugura a narrativa da obra – um desastre na AP-9 que provoca uma vítima mortal – um javali que se atravessou no caminho do narrador e do seu amigo e poeta mexicano Saldaña Paris.

Esse acidente será o momento desencadeador de um rol de memórias partilhadas entre os dois homens, tendo como elemento principal o casamento desfeito entre Saldaña Paris e Teresa, uma portuguesa que entretanto havia falecido de cancro e lhe havia deixado uma espécie de diário dos seus últimos dias de vida. Este documento autobiográfico não só transtornará de forma quase irreversível a existência do poeta mexicano, como também fará tremer os alicerces da vidinha sensaborona e frustrada do narrador, já que será a desculpa ideal para que este deixe tudo e todos para trás e parta numa espécie de demanda para descobrir quem é na verdade Saldaña Paris, quem foi a sua falecida esposa e, finalmente, para descobrir-se a si mesmo.

O desenlace da obra permitir-nos-á saborear o gozo de uma curiosidade (que vai crescendo e crescendo à medida que avançamos página a página) finalmente satisfeita e acreditar que nunca nada está perdido, que devemos não baixar os braços e que devemos lutar por nós, pelos nossos e que temos que aceitar as lições que o dia-a-dia nos traz.

Concluindo, o que fui expondo até ao momento reflete o porquê de tanto ter sido conquistada e de tanto ter gostado de Biografia involuntária dos amantes. Não dececiona, de maneira nenhuma, os leitores habituais de João Tordo e possui ingredientes mais do que suficientes para atrair novos “amantes” da sua escrita. Vale realmente a pena!

Não resisto a deixar ainda três notas finais:

– para quem já leu O ano sabático, Biografia involuntária dos amantes reserva uma “pequenina” surpresa!

– por muito que odeie e não suporte dias chuvosos (sobretudo aqueles cuja chuva é miudinha, constante e acompanhada de nevoeiro e MUITA humidade), não consegui deixar de sentir que esses dias são algo mais que nos une à Galiza, que a fronteira política que separa “o meu” Norte dessa comunidade autónoma espanhola não passa disso mesmo, de uma fronteira política…

– a “Dica” desta semana revelou-me que João Tordo está prestes a lançar uma nova obra e que promete – O luto de Elias Gro

NOTA – 10/10

in http://osabordosmeuslivros.blogspot.pt/

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Sinopse

Numa estrada adormecida da Galiza, dois homens atropelam um javali. A visão do animal morto na estrada levará um deles — Saldaña Paris, um jovem poeta mexicano de olhos azuis inquietos — a puxar o primeiro fio do novelo da sua vida. Instigado pelas confissões desconjuntadas do poeta, o seu companheiro de viagem — um professor universitário divorciado — irá tentar descobrir o que está por trás da persistente melancolia de Saldaña Paris.

Opinião

No último dia deste mês chuvoso acabei de ler aquele que considero o melhor romance de João Tordo. Sem dúvida nenhuma.

Comprei-o na última edição da Feira do Livro do Porto e tive a sorte de fazê-lo no dia em que lá estava o autor para uma sessão de autógrafos. Assim, Biografia involuntária dos amantes tornou-se no primeiro livro autografado que “aterrou” na minha estante J Por si só, esse autógrafo já faz desta obra uma obra especial. Mas, felizmente, a mesma possui muitas mais razões para que a classifique como notável e digna de este jovem e mais que promissor escritor nacional.

Mais uma vez e como acontece em outros romances de Tordo,Biografia involuntária dos amantes oferece-nos uma narrativa que se espalha por vários espaços, tempos e um protagonista que honra os seus “antepassados”, ou seja, os seus companheiros bibliográficos de passadas obras “tordianas”. Mas convém assinalar que há diferenças. Pela primeira vez, Tordo aventurou-se e pôs um dos narradores na pele de uma mulher. E há mais. O amor é o ingrediente principal, aquele à volta do qual tudo se passa, tudo avança e recua, tudo faz sentido.

“Juntos matámos o javali”. É com esta frase curta e inesperada (mas que nos aguça a curiosidade) que a narrativa se inaugura. A partir dela, podemos apreender que o narrador será autodiegético (ou homodiegético) e que aquele incidente, a morte de um javali será um acontecimento significante, que funcionará como pretexto para o novelo de posteriores ações, reflexões e memórias. Muitas memórias.

Com o desenrolar da ação, constatei que o seu primeiro grande espaço é a belíssima região galega e que deambularia por duas das suas cidades – Santiago de Compostela, onde trabalha o narrador, e Pontevedra, onde reside. Bom, neste ponto tenho que abrir uma espécie de parêntesis e confessar que sou uma apaixonada pela cidade de residência do narrador – conheço Pontevedra relativamente bem (já lá estive três vezes) e não consigo impedir que o seu centro histórico, as suas ruelas estreitas, as suas deliciosas praças me conquistem, me seduzam uma vez e outra e outra. Sendo assim, é mais do que óbvio que segui (como se fosse a sua sombra) as deambulações que o narrador fez frequentemente pela sua cidade e que visualizei recantos, ruas, praças, estátuas, cruzeiros, cafés que me são familiares e que me agradam sobremaneira. As duas consequências imediatas que disso resultaram são fáceis de adivinhar – quando li essas passagens, essas descrições das caminhadas por Pontevedra, fartei-me de suspirar (em voz alta e verbalmente por uma nova visita ao seu centro histórico (e já agora às suas livrarias – duas pelo menos) e apercebi-me de que já me tinha rendido aBiografia involuntária dos amantes.

Contudo, ainda havia muito na sua narrativa que me iria seduzir, prender, agarrar, conquistar. O seu narrador e protagonista, por exemplo. Dele não sabemos o nome. Sabemos apenas que é professor universitário, que é o animador de um programa de rádio noturno, que está divorciado e que tem uma filha adolescente, com quem mantém uma relação conflituosa e distante. Sabemos ainda que é um homem na casa dos cinquenta e que se sente preso a uma vida sem sabor, a uma vida insossa, desencantada, cinzenta e previsível como o é o tempo atmosférico na Galiza. É um homem cobarde, que tem consciência dessa cobardia, mas que nada faz para combatê-la, nem quando essa falta de coragem de iniciativa o afunda mais. Contudo, tudo sofre uma reviravolta com o acontecimento que inaugura a narrativa da obra – um desastre na AP-9 que provoca uma vítima mortal – um javali que se atravessou no caminho do narrador e do seu amigo e poeta mexicano Saldaña Paris.

Esse acidente será o momento desencadeador de um rol de memórias partilhadas entre os dois homens, tendo como elemento principal o casamento desfeito entre Saldaña Paris e Teresa, uma portuguesa que entretanto havia falecido de cancro e lhe havia deixado uma espécie de diário dos seus últimos dias de vida. Este documento autobiográfico não só transtornará de forma quase irreversível a existência do poeta mexicano, como também fará tremer os alicerces da vidinha sensaborona e frustrada do narrador, já que será a desculpa ideal para que este deixe tudo e todos para trás e parta numa espécie de demanda para descobrir quem é na verdade Saldaña Paris, quem foi a sua falecida esposa e, finalmente, para descobrir-se a si mesmo.

O desenlace da obra permitir-nos-á saborear o gozo de uma curiosidade (que vai crescendo e crescendo à medida que avançamos página a página) finalmente satisfeita e acreditar que nunca nada está perdido, que devemos não baixar os braços e que devemos lutar por nós, pelos nossos e que temos que aceitar as lições que o dia-a-dia nos traz.

Concluindo, o que fui expondo até ao momento reflete o porquê de tanto ter sido conquistada e de tanto ter gostado de Biografia involuntária dos amantes. Não dececiona, de maneira nenhuma, os leitores habituais de João Tordo e possui ingredientes mais do que suficientes para atrair novos “amantes” da sua escrita. Vale realmente a pena!

Não resisto a deixar ainda três notas finais:

– para quem já leu O ano sabático, Biografia involuntária dos amantes reserva uma “pequenina” surpresa!

– por muito que odeie e não suporte dias chuvosos (sobretudo aqueles cuja chuva é miudinha, constante e acompanhada de nevoeiro e MUITA humidade), não consegui deixar de sentir que esses dias são algo mais que nos une à Galiza, que a fronteira política que separa “o meu” Norte dessa comunidade autónoma espanhola não passa disso mesmo, de uma fronteira política…

– a “Dica” desta semana revelou-me que João Tordo está prestes a lançar uma nova obra e que promete – O luto de Elias Gro

NOTA – 10/10

in http://osabordosmeuslivros.blogspot.pt/

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