“Cinco pães de cevada” de Lucía Baquedano

15-08-2015
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Opinião

De vez em quando, ou melhor dizendo, com bastante frequência, isto é, entre uma leitura e uma releitura, dou uma volta atrás no tempo e mergulho na inocência e simplicidade dos meus tempos de infância e adolescência. Faço-o relendo um livrinho com as folhas já amareladas e que me fazem espirrar a miúde, com capas repletas de desenhos que me fazem recordar os desenhos animados japoneses (onde todas as personagens são lindíssimas, com olhos que nos penetram a alma) e com o meu nome e a minha morada escritos com uma letra redondinha na primeira página. São releituras muito saborosas, com aquele travo docinho que se mantém comigo e que me permite recordar o quanto a minha felicidade depende da leitura e como os livros sempre foram e serão companheiros perfeitos.

Hoje fechei mais uma releitura de um desses livrinhos. Por sinal, um livrinho que me é muito especial, talvez porque é a súmula dessa inocência e simplicidade de que falei atrás. É da autoria de uma escritora espanhola (da qual nunca li nada mais e que deve ser uma perfeita desconhecida para a maioria das pessoas) e a sua narrativa localiza-se talvez nos anos cinquenta ou sessenta (do século passado, obviamente) e em dois espaços distintos – na cidade de Pamplona e sobretudo numa aldeia chamada Beirechea, muito provavelmente situada na comunidade autónoma de Navarra. A protagonista, Muriel, é uma recém-formada professora primária que se vê inesperadamente colocada na referida aldeia, onde tudo e todos, a princípio, lhe parecem inóspitos, rudes e nada sociáveis. Para piorar a sua situação, a pobre da Muriel descobre que terá que ensinar um punhado de meninos numa escola cujo “aspecto era dos mais tristes” e onde “mesmo no meio da aula havia dois ratos enormes que comiam qualquer coisa apressadamente” (pág. 20). Perante tal cenário, a nossa protagonista recusa-se a terminar o ano naquele lugarejo e promete a si mesma que seguirá o destino das suas antecessoras, que também não haviam aguentado semelhantes condições. Contudo, os dias vão passando e Muriel vai adiando a sua partida até que se apega com tanta força aos seus escolares, aos habitantes da aldeia e a uma paisagem que lhe fala ao coração que decide não contrariar o que já estava predestinado – o seu lugar era ali, naquela aldeia perdida, tentando fazer a diferença com os seus alunos. E fá-la-á. Com determinação e com a ajuda enriquecedora dos livros.

Com os livros, Muriel não só conquistará os seus escolares como também alguns adultos, para quem a leitura era uma perda de tempo. Conquistá-los-á devagarinho, tenazmente e sem se render, mesmo quando todo o esforço parece inglório. Mas não será só Muriel a trazer mudanças para Beirechea. Será também a aldeia a conseguir suavizar o temperamento algo vaidoso e teimoso da “escanifrada” professorinha e a mostrar-lhe que onde ela via rudeza e antipatia, afinal existia timidez e alguma falta de tato para lidar com quem é “forasteiro”.

Pelo que fui dizendo até este ponto, não é difícil compreender por que motivo este livrinho ocupa um lugar especial no meu cantinho das leituras. Para além da profissão que me une a Muriel (embora os meus escolares sejam um bocadinho mais crescidos), o amor e a plena certeza de que os livros podem mudar a vida de alguém (seja em que idade for) é outra mais-valia que nos traz Cinco pães de cevada. O terceiro aspeto (e não menos importante) é a simplicidade e singeleza da sua escrita, que por essa mesma razão me toca muito e me leva às lágrimas em algumas das suas passagens.

Cinco pães de cevada faz-me viajar para vários espaços e vários tempos – leva-me consigo até a uma Espanha rural, até uma aldeia, que mesmo sendo fictícia, me faz caminhar pelas suas montanhas, pelos seus campos cultivados, pelos seus caminhos estreitos, pelos cheiros e sons das diversas estações e me faz conviver com os seus habitantes simples e com carácter. Ao mesmo tempo, transporta-me à minha infância, também ela passada entre montes, campos cultivados, animais e gente simples e honrada. É assim um livrinho no qual se misturam harmoniosamente elementos nostálgicos, belos, perfeitos!

Este livrinho é assim um tesouro que muito estimo

NOTA – 10/10

in http://osabordosmeuslivros.blogspot.com

Opinião

De vez em quando, ou melhor dizendo, com bastante frequência, isto é, entre uma leitura e uma releitura, dou uma volta atrás no tempo e mergulho na inocência e simplicidade dos meus tempos de infância e adolescência. Faço-o relendo um livrinho com as folhas já amareladas e que me fazem espirrar a miúde, com capas repletas de desenhos que me fazem recordar os desenhos animados japoneses (onde todas as personagens são lindíssimas, com olhos que nos penetram a alma) e com o meu nome e a minha morada escritos com uma letra redondinha na primeira página. São releituras muito saborosas, com aquele travo docinho que se mantém comigo e que me permite recordar o quanto a minha felicidade depende da leitura e como os livros sempre foram e serão companheiros perfeitos.

Hoje fechei mais uma releitura de um desses livrinhos. Por sinal, um livrinho que me é muito especial, talvez porque é a súmula dessa inocência e simplicidade de que falei atrás. É da autoria de uma escritora espanhola (da qual nunca li nada mais e que deve ser uma perfeita desconhecida para a maioria das pessoas) e a sua narrativa localiza-se talvez nos anos cinquenta ou sessenta (do século passado, obviamente) e em dois espaços distintos – na cidade de Pamplona e sobretudo numa aldeia chamada Beirechea, muito provavelmente situada na comunidade autónoma de Navarra. A protagonista, Muriel, é uma recém-formada professora primária que se vê inesperadamente colocada na referida aldeia, onde tudo e todos, a princípio, lhe parecem inóspitos, rudes e nada sociáveis. Para piorar a sua situação, a pobre da Muriel descobre que terá que ensinar um punhado de meninos numa escola cujo “aspecto era dos mais tristes” e onde “mesmo no meio da aula havia dois ratos enormes que comiam qualquer coisa apressadamente” (pág. 20). Perante tal cenário, a nossa protagonista recusa-se a terminar o ano naquele lugarejo e promete a si mesma que seguirá o destino das suas antecessoras, que também não haviam aguentado semelhantes condições. Contudo, os dias vão passando e Muriel vai adiando a sua partida até que se apega com tanta força aos seus escolares, aos habitantes da aldeia e a uma paisagem que lhe fala ao coração que decide não contrariar o que já estava predestinado – o seu lugar era ali, naquela aldeia perdida, tentando fazer a diferença com os seus alunos. E fá-la-á. Com determinação e com a ajuda enriquecedora dos livros.

Com os livros, Muriel não só conquistará os seus escolares como também alguns adultos, para quem a leitura era uma perda de tempo. Conquistá-los-á devagarinho, tenazmente e sem se render, mesmo quando todo o esforço parece inglório. Mas não será só Muriel a trazer mudanças para Beirechea. Será também a aldeia a conseguir suavizar o temperamento algo vaidoso e teimoso da “escanifrada” professorinha e a mostrar-lhe que onde ela via rudeza e antipatia, afinal existia timidez e alguma falta de tato para lidar com quem é “forasteiro”.

Pelo que fui dizendo até este ponto, não é difícil compreender por que motivo este livrinho ocupa um lugar especial no meu cantinho das leituras. Para além da profissão que me une a Muriel (embora os meus escolares sejam um bocadinho mais crescidos), o amor e a plena certeza de que os livros podem mudar a vida de alguém (seja em que idade for) é outra mais-valia que nos traz Cinco pães de cevada. O terceiro aspeto (e não menos importante) é a simplicidade e singeleza da sua escrita, que por essa mesma razão me toca muito e me leva às lágrimas em algumas das suas passagens.

Cinco pães de cevada faz-me viajar para vários espaços e vários tempos – leva-me consigo até a uma Espanha rural, até uma aldeia, que mesmo sendo fictícia, me faz caminhar pelas suas montanhas, pelos seus campos cultivados, pelos seus caminhos estreitos, pelos cheiros e sons das diversas estações e me faz conviver com os seus habitantes simples e com carácter. Ao mesmo tempo, transporta-me à minha infância, também ela passada entre montes, campos cultivados, animais e gente simples e honrada. É assim um livrinho no qual se misturam harmoniosamente elementos nostálgicos, belos, perfeitos!

Este livrinho é assim um tesouro que muito estimo

NOTA – 10/10

in http://osabordosmeuslivros.blogspot.com

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