O velho relógio de corda

15-08-2015
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São quatro horas de tarde escaldante. O velho relógio de parede acaba de dar quatro sonoras badaladas, que ecoaram pela casa deserta e silenciosa.

O centenário relógio de pêndulo, movido a corda, foi de minha bisavó Júlia. Sempre o conheci suspenso na parede, forrada a papel encarnado, da pequena salinha de jantar, onde tomávamos as refeições diárias.

Está protegido por sólida caixa de madeira, esbotenada e lurada de caruncho, de cor castanha, onde dois grandes ponteiros negros, marcam e contam o tempo.

Insensível, cumpridor fiel das suas funções, assistiu, altivo e sisudo, às alegrias e angústias da família.

Passivamente, viu, do alto da sua parede a morte de minha avó, na flor da idade e à criação de meu pai.

Assistiu, igualmente, aos derradeiros momentos de minha mãe, vítima de doença que não perdoa, apesar do progresso da medicina.

Impávido e sereno, sempre indiferente, sempre na monotonia do tic- tac, o pêndulo de metal amarelo, marcava ritmicamente, minutos e horas. Horas que passam, que foram, mas já não são.

Minha juventude foi cronometrada por esse velho relógio de corda.

As sonoras badaladas percorriam a antiquíssima casa, avisando a hora do almoço, e indicando o termo das divertidas brincadeiras – as construções de madeira, o mecânico, os soldadinhos de folheta policromados, os bonecos de trapos, que a madrinha Baptista, com habilidade, paciência e muito gosto, confecionava, imitando trajos usados na sua longínqua adolescência.

E sempre ele, o velho relógio de pêndulo, dia e noite, sem parar, sem descansar, avisava que o tempo passava.

Um dia fui chamado a cumprir os deveres para com a pátria.

Levei saudades da casa, onde nasci; dos carinhos maternos; do sofá, onde, em tardes sombrias, lia e relia livros que retirava da vasta biblioteca paterna; e do velho e amigo relógio.

Após a morte de meu pai, feito partilhas, trouxe-o para minha casa.

Solenemente coloquei-o na sala de jantar.

Reparei, então, que a velhice, começara a corromper a complicada engrenagem, que mostravam sinais de desgaste.

Levei-o ao relojoeiro. Mirou-o, remirou-o e por fim disse: – “ É muito antigo…Os concertos são difíceis e caros…”

Pendurei-o em local de destaque, mas não lhe dei corda, para não gastar as peças.

Mas sempre que chega o Natal, acerto-o. Dou-lhe corda. Começa, então, no seu tic-tac, surdo, o mesmo tic-tac que ouvia na infância.

O velho relógio de parede traz, consigo, o passado: cenas, alegrias, tristezas, que sempre partilhou, impassível, mas atento, do alto da sua parede.

Os objetos antigos, que passam de geração a geração, na mesma família, possuem encanto especial, e a magia de unir a família… principalmente os que já faleceram.

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São quatro horas de tarde escaldante. O velho relógio de parede acaba de dar quatro sonoras badaladas, que ecoaram pela casa deserta e silenciosa.

O centenário relógio de pêndulo, movido a corda, foi de minha bisavó Júlia. Sempre o conheci suspenso na parede, forrada a papel encarnado, da pequena salinha de jantar, onde tomávamos as refeições diárias.

Está protegido por sólida caixa de madeira, esbotenada e lurada de caruncho, de cor castanha, onde dois grandes ponteiros negros, marcam e contam o tempo.

Insensível, cumpridor fiel das suas funções, assistiu, altivo e sisudo, às alegrias e angústias da família.

Passivamente, viu, do alto da sua parede a morte de minha avó, na flor da idade e à criação de meu pai.

Assistiu, igualmente, aos derradeiros momentos de minha mãe, vítima de doença que não perdoa, apesar do progresso da medicina.

Impávido e sereno, sempre indiferente, sempre na monotonia do tic- tac, o pêndulo de metal amarelo, marcava ritmicamente, minutos e horas. Horas que passam, que foram, mas já não são.

Minha juventude foi cronometrada por esse velho relógio de corda.

As sonoras badaladas percorriam a antiquíssima casa, avisando a hora do almoço, e indicando o termo das divertidas brincadeiras – as construções de madeira, o mecânico, os soldadinhos de folheta policromados, os bonecos de trapos, que a madrinha Baptista, com habilidade, paciência e muito gosto, confecionava, imitando trajos usados na sua longínqua adolescência.

E sempre ele, o velho relógio de pêndulo, dia e noite, sem parar, sem descansar, avisava que o tempo passava.

Um dia fui chamado a cumprir os deveres para com a pátria.

Levei saudades da casa, onde nasci; dos carinhos maternos; do sofá, onde, em tardes sombrias, lia e relia livros que retirava da vasta biblioteca paterna; e do velho e amigo relógio.

Após a morte de meu pai, feito partilhas, trouxe-o para minha casa.

Solenemente coloquei-o na sala de jantar.

Reparei, então, que a velhice, começara a corromper a complicada engrenagem, que mostravam sinais de desgaste.

Levei-o ao relojoeiro. Mirou-o, remirou-o e por fim disse: – “ É muito antigo…Os concertos são difíceis e caros…”

Pendurei-o em local de destaque, mas não lhe dei corda, para não gastar as peças.

Mas sempre que chega o Natal, acerto-o. Dou-lhe corda. Começa, então, no seu tic-tac, surdo, o mesmo tic-tac que ouvia na infância.

O velho relógio de parede traz, consigo, o passado: cenas, alegrias, tristezas, que sempre partilhou, impassível, mas atento, do alto da sua parede.

Os objetos antigos, que passam de geração a geração, na mesma família, possuem encanto especial, e a magia de unir a família… principalmente os que já faleceram.

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