A serra

15-08-2015
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A serra ardia. Fumo branco, negro e chamas laranja, escaldando a tarde. E enquanto se circulava na estrada e nos aproximávamos, sentia-se o impulso de pararmos à beira da estrada, trepando rochedos,procurando o melhor ângulo para fotografar, como se a serra pedisse clemência e nós desviássemos o olhar para não sentir o pedido.

A certa altura só via as pessoas, de máquinas e telemóveis a fotografar, como se o incêndio fosse espectáculo gratuito para os seus olhos e para mostrar mais tarde, em vaidade triunfante: “estive muito perto do fogo, olhem aqui”. Uma mágoa latente foi tomando conta de mim, enquanto a serra ardia, como se sentisse os gemidos dos pinheiros, a fuga dos bichos, o tormento dos pássaros. Uma mágoa que me parecia tamanha de impotência, meus braços inertes, minha visão inútil.

Entre tanta gente a ver, ocorreu-me que até o incendiário poderia estar ali, olhos faiscando de deslumbramento mórbido, ou bebedeira de vinho e fogo, ou atraso mental que tudo justifica. Dei por mim a desviar o olhar da serra em sofrimento,para as pessoas que como eu, pareciam abutres rodeando a presa numa paciente espera.

Que esperávamos? Que estávamos ali a fazer, carros na estrada, pés presos no mato, comentando uns com os outros as falhas alheias, a falta da limpeza do mato, a pouca vigilância? Que prazer se retira de vermos a serra dobrada à bestialidade humana, perdendo força, perdendo tamanho, perdendo dignidade? Que adianta a critica ao trabalho dos outros, como se fossemos todos bombeiros de bancada? Mas que fazemos nós durante o tempo em que não estamos parados à beira de uma estrada, vendo uma serra a chorar labaredas ?

Aquela mágoa que me invadiu,pediu-me lágrimas e não resisti. Entrei no carro,assumi a minha total inoperância para a ajuda e fui respirar o outro lado da serra, perto de uma fonte, onde a vida do verde me foi libertando da mágoa… aos poucos.

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A serra ardia. Fumo branco, negro e chamas laranja, escaldando a tarde. E enquanto se circulava na estrada e nos aproximávamos, sentia-se o impulso de pararmos à beira da estrada, trepando rochedos,procurando o melhor ângulo para fotografar, como se a serra pedisse clemência e nós desviássemos o olhar para não sentir o pedido.

A certa altura só via as pessoas, de máquinas e telemóveis a fotografar, como se o incêndio fosse espectáculo gratuito para os seus olhos e para mostrar mais tarde, em vaidade triunfante: “estive muito perto do fogo, olhem aqui”. Uma mágoa latente foi tomando conta de mim, enquanto a serra ardia, como se sentisse os gemidos dos pinheiros, a fuga dos bichos, o tormento dos pássaros. Uma mágoa que me parecia tamanha de impotência, meus braços inertes, minha visão inútil.

Entre tanta gente a ver, ocorreu-me que até o incendiário poderia estar ali, olhos faiscando de deslumbramento mórbido, ou bebedeira de vinho e fogo, ou atraso mental que tudo justifica. Dei por mim a desviar o olhar da serra em sofrimento,para as pessoas que como eu, pareciam abutres rodeando a presa numa paciente espera.

Que esperávamos? Que estávamos ali a fazer, carros na estrada, pés presos no mato, comentando uns com os outros as falhas alheias, a falta da limpeza do mato, a pouca vigilância? Que prazer se retira de vermos a serra dobrada à bestialidade humana, perdendo força, perdendo tamanho, perdendo dignidade? Que adianta a critica ao trabalho dos outros, como se fossemos todos bombeiros de bancada? Mas que fazemos nós durante o tempo em que não estamos parados à beira de uma estrada, vendo uma serra a chorar labaredas ?

Aquela mágoa que me invadiu,pediu-me lágrimas e não resisti. Entrei no carro,assumi a minha total inoperância para a ajuda e fui respirar o outro lado da serra, perto de uma fonte, onde a vida do verde me foi libertando da mágoa… aos poucos.

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