Detritus Toxicus: Censura editorial

06-05-2020
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Estranhos métodos da Texto Editores calam a Pontos nos iiSantana CastilhoPorque se trata do silenciamento de uma das poucas publicações especializadas em Educação, porque os leitores e colaboradores da Pontos nos ii me merecem respeito, porque o elevado profissionalismo das jornalistas que comigo trabalharam o exige e porque o PÚBLICO era parceiro no projecto, decidi tratar aqui este processo escabroso, pese embora ser nele parte interessada e interveniente.Como escrevi no primeiro editorial da revista e reiterei publicamente no CCB, por ocasião da cerimónia de lançamento, a Pontos nos ii vinha para inquietar, para debater, para mobilizar. Toda a administração da Texto Editores estava lá e não se surpreendeu. Não se podiam surpreender, porque foi para isso que me convidaram.Por estatuto editorial, a revista assumiu que: se moveria por critérios de independência de pensamento; defenderia o pluralismo das opiniões sem que tal significasse prescindir da sua própria opinião; seria rigorosamente independente de poderes políticos e de interesses privados. Foi com esse estatuto editorial que, nos termos da lei, a administração da Texto Editores me nomeou director e eu aceitei.A 25 de Agosto de 2006, dia de "fecho", um administrador ordenou que a revista lhe fosse presente antes de ir para a tipografia. Não lhe desobedeci pela simples razão de não lhe dever tal obediência. Mas cuidei pessoalmente de fazer chegar o suporte informático ao seu destino, sem interposto administrador. Nesse número, edição de Setembro, figurava a polémica Entre Vista a Maria de Lurdes Rodrigues - Cem Perguntas Sem Resposta (a ministra foi reiteradamente solicitada a conceder uma entrevista e sempre recusou), um texto de opinião do professor César das Neves, no qual, a dado passo, o autor afirmava que "o milionário negócio dos manuais escolares enriquece algumas empresas" e lastimava o "consumidor, pilhado há décadas pelos truques desse cartel", e, ainda, uma peça, de página inteira, sobre um produto da editora Verbo (que, ao que consta, tem em tribunal uma acusação contra a Texto Editores).Regressado de férias, dias volvidos, o administrador principal, depois de lamentar "o excesso de democracia a que (eu) tinha habituado as jornalistas", interpelou-me assim: "que toda a gente na empresa lhe perguntava se já tinha visto a revista"; "que com isto se tinha cavado o mau estar entre a revista e a empresa"; "que se (eu) achava bem estarmos a ser atacados dentro da própria revista; "que se (eu) achava que a Porto Editora faria isto"; "que se (eu) sabia quando se vendiam dicionários neste país"; "que o que os outros estariam a pensar é que nós éramos totós". Respondi ao administrador como se impunha. Verbalmente e por escrito.Naturalmente que, depois de tão desastrada tentativa de intromissão na linha editorial da revista, o prognóstico ficou reservado. Seguiram-se algumas reuniões que seria ocioso descrever e descobri que o departamento de marketing da empresa se dava ao desaforo de planear peças para inclusão na revista. Em fins de Outubro ficou assente que se publicariam mais dois números apenas: Novembro e Dezembro. Saiu Novembro e Dezembro ficou pronto. Mas...Na passada sexta-feira, 24, o ozalid da edição que devia estar amanhã nas bancas veio para revisão final. Na segunda, 27, quando as jornalistas foram introduzir as emendas, todos os registos informáticos haviam sido limpos. Durante o fim-de-semana, a administração apossou-se indevidamente da edição de Dezembro da Pontos nos ii e impediu a sua publicação. Dessa edição constava uma entrevista de fundo a Jerónimo de Sousa, um editorial muito crítico sobre Sócrates e uma Mensagem aos Leitores e aos Colaboradores, que narrava com mais detalhe o que acima fica escrito.O anterior são os factos. O que se segue é a minha opinião.A Texto Editores justificou no site da revista motivos económicos para o encerramento. Poderia até invocar o aquecimento global e o degelo das neves da Patagónia. Nenhuma dessas coisas explica e justifica o que acima escrevi.Durante um ano, eu e as jornalistas que comigo fizeram a Pontos nos ii testemunhámos que o medo domina muitos professores, que falaram sob sigilo, com receio de represálias. Responsáveis recusaram falar por não estarem autorizados e por medo. O medo é palavra que está de volta à nossa sociedade e às nossas escolas. Sob outra forma, noutro contexto, mas medo. Medo de falar. Medo de perder o emprego.Os efeitos nefastos da máquina da propaganda governamental são referidos com frequência pela pena de colunistas e pela voz de políticos e circula no meio um Apelo em Defesa da Liberdade de Criação e de Expressão dos Jornalistas, que muitos sentem ameaçada. A ministra da Educação, há bem pouco, convidou-nos a aceitar como natural a entrada da polícia nas escolas. O clima de autoritarismo que a "esquerda moderna" introduziu na política incentiva vocações adormecidas de pequenos ditadores, sobretudo quando intuem que o seu negócio pode sofrer por enfrentarem quem manda. O equívoco foi mútuo: o Grupo Texto Editores pensou que nós íamos fazer a sua newsletter; nós pensámos que eles eram mais do que simples negociantes de livros escolares. Os métodos pidescos que escolheram são simples corolário destes tempos modernos. *Professor do ensino superior

Estranhos métodos da Texto Editores calam a Pontos nos iiSantana CastilhoPorque se trata do silenciamento de uma das poucas publicações especializadas em Educação, porque os leitores e colaboradores da Pontos nos ii me merecem respeito, porque o elevado profissionalismo das jornalistas que comigo trabalharam o exige e porque o PÚBLICO era parceiro no projecto, decidi tratar aqui este processo escabroso, pese embora ser nele parte interessada e interveniente.Como escrevi no primeiro editorial da revista e reiterei publicamente no CCB, por ocasião da cerimónia de lançamento, a Pontos nos ii vinha para inquietar, para debater, para mobilizar. Toda a administração da Texto Editores estava lá e não se surpreendeu. Não se podiam surpreender, porque foi para isso que me convidaram.Por estatuto editorial, a revista assumiu que: se moveria por critérios de independência de pensamento; defenderia o pluralismo das opiniões sem que tal significasse prescindir da sua própria opinião; seria rigorosamente independente de poderes políticos e de interesses privados. Foi com esse estatuto editorial que, nos termos da lei, a administração da Texto Editores me nomeou director e eu aceitei.A 25 de Agosto de 2006, dia de "fecho", um administrador ordenou que a revista lhe fosse presente antes de ir para a tipografia. Não lhe desobedeci pela simples razão de não lhe dever tal obediência. Mas cuidei pessoalmente de fazer chegar o suporte informático ao seu destino, sem interposto administrador. Nesse número, edição de Setembro, figurava a polémica Entre Vista a Maria de Lurdes Rodrigues - Cem Perguntas Sem Resposta (a ministra foi reiteradamente solicitada a conceder uma entrevista e sempre recusou), um texto de opinião do professor César das Neves, no qual, a dado passo, o autor afirmava que "o milionário negócio dos manuais escolares enriquece algumas empresas" e lastimava o "consumidor, pilhado há décadas pelos truques desse cartel", e, ainda, uma peça, de página inteira, sobre um produto da editora Verbo (que, ao que consta, tem em tribunal uma acusação contra a Texto Editores).Regressado de férias, dias volvidos, o administrador principal, depois de lamentar "o excesso de democracia a que (eu) tinha habituado as jornalistas", interpelou-me assim: "que toda a gente na empresa lhe perguntava se já tinha visto a revista"; "que com isto se tinha cavado o mau estar entre a revista e a empresa"; "que se (eu) achava bem estarmos a ser atacados dentro da própria revista; "que se (eu) achava que a Porto Editora faria isto"; "que se (eu) sabia quando se vendiam dicionários neste país"; "que o que os outros estariam a pensar é que nós éramos totós". Respondi ao administrador como se impunha. Verbalmente e por escrito.Naturalmente que, depois de tão desastrada tentativa de intromissão na linha editorial da revista, o prognóstico ficou reservado. Seguiram-se algumas reuniões que seria ocioso descrever e descobri que o departamento de marketing da empresa se dava ao desaforo de planear peças para inclusão na revista. Em fins de Outubro ficou assente que se publicariam mais dois números apenas: Novembro e Dezembro. Saiu Novembro e Dezembro ficou pronto. Mas...Na passada sexta-feira, 24, o ozalid da edição que devia estar amanhã nas bancas veio para revisão final. Na segunda, 27, quando as jornalistas foram introduzir as emendas, todos os registos informáticos haviam sido limpos. Durante o fim-de-semana, a administração apossou-se indevidamente da edição de Dezembro da Pontos nos ii e impediu a sua publicação. Dessa edição constava uma entrevista de fundo a Jerónimo de Sousa, um editorial muito crítico sobre Sócrates e uma Mensagem aos Leitores e aos Colaboradores, que narrava com mais detalhe o que acima fica escrito.O anterior são os factos. O que se segue é a minha opinião.A Texto Editores justificou no site da revista motivos económicos para o encerramento. Poderia até invocar o aquecimento global e o degelo das neves da Patagónia. Nenhuma dessas coisas explica e justifica o que acima escrevi.Durante um ano, eu e as jornalistas que comigo fizeram a Pontos nos ii testemunhámos que o medo domina muitos professores, que falaram sob sigilo, com receio de represálias. Responsáveis recusaram falar por não estarem autorizados e por medo. O medo é palavra que está de volta à nossa sociedade e às nossas escolas. Sob outra forma, noutro contexto, mas medo. Medo de falar. Medo de perder o emprego.Os efeitos nefastos da máquina da propaganda governamental são referidos com frequência pela pena de colunistas e pela voz de políticos e circula no meio um Apelo em Defesa da Liberdade de Criação e de Expressão dos Jornalistas, que muitos sentem ameaçada. A ministra da Educação, há bem pouco, convidou-nos a aceitar como natural a entrada da polícia nas escolas. O clima de autoritarismo que a "esquerda moderna" introduziu na política incentiva vocações adormecidas de pequenos ditadores, sobretudo quando intuem que o seu negócio pode sofrer por enfrentarem quem manda. O equívoco foi mútuo: o Grupo Texto Editores pensou que nós íamos fazer a sua newsletter; nós pensámos que eles eram mais do que simples negociantes de livros escolares. Os métodos pidescos que escolheram são simples corolário destes tempos modernos. *Professor do ensino superior

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