Não me passes o sal, por favor

06-11-2013
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Se há um elemento presente na nossa alimentação que nos deve merecer uma atenção especial é o sal. Constituído na sua quase totalidade por uma substância designada quimicamente por cloreto de sódio, faz parte da nossa alimentação há milhares de anos. O ser humano tem a capacidade de o detectar nos alimentos, através do sentido do gosto, sendo o salgado um dos cinco sabores fundamentais que somos capazes de percepcionar. Este facto é revelador da necessidade que temos em ter o sal presente na nossa alimentação. Sem ele, algumas das funções do nosso organismo ficariam comprometidas e, por isso, consideramos o sódio e o cloro que o constituem como nutrientes.

O advento da agricultura e da pecuária trouxe, contudo, um novo e importante papel ao sal: o de ajudar a conservar os excedentes de alimentos que, de outra forma, se perderiam. Esta utilidade tornou-o numa mercadoria preciosa (os legionários romanos eram pagos em sal, prática de onde derivou o nome “salário”) e o seu comércio cedo se estabeleceu, nomeadamente no Mediterrâneo mas também noutros pontos distantes do globo como na China. Esta adição de sal aos alimentos, como a carne ou o peixe, permitindo o seu consumo muito depois do abate do animal, aumentou de forma muito significativa a quantidade que passou a ser ingerida pelas populações. O gosto pelo sabor salgado foi-se adaptando a quantidades progressivamente maiores e chegámos hoje ao ponto de haver uma grande franja da população mundial a ingerir sal em excesso.

Mas porque é que consideramos excessivo o actual consumo de sal? A questão relaciona-se com os muitos estudos científicos que apontam o excesso de sal como um importante factor causador de aumento da pressão arterial e de doença vascular. Consequências? Números elevados de enfartes do miocárdio e, sobretudo, acidentes vasculares cerebrais. Relembramos que estas são as principais causas de morte na generalidade dos países, incluindo Portugal. Os dados de que dispomos apontam para um consumo de sal no nosso país da ordem dos 11gramas diários por pessoa, um número que é mais do dobro do máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde.

Mas ainda que este problema e as suas consequências estejam bem identificados é difícil resolvê-lo. Uma das razões é a presença insidiosa, quase invisível, do sal em muitos produtos alimentares do nosso dia-a-dia. Conservas, enchidos e fumados de carne ou peixe, mas também leguminosas ou hortícolas enlatados são um exemplo, assim como o são o queijo e o pão. Mais difícil será imaginar que algumas bolachas, mesmo doces, ou ainda sopas embaladas terão uma quantidade de sal exagerada, mas esta é a realidade. E importa saber também que um caldo de carne tem quase metade do seu peso constituído por sal.

É pois complicado escapar-lhe, tanto mais que a nossa predileção pelo sabor salgado tem dificuldade em adaptar-se a quantidades menores de sal na alimentação. A solução passa sempre por uma redução lenta e progressiva do sal nos alimentos, proporcionado ao organismo o tempo necessário para que o paladar se possa adaptar. A utilização abundante e imaginativa de ervas aromáticas traz aqui um inestimável valor de saúde - e também gastronómico. A utilização de flor de sal como alternativa é não só muito mais dispendiosa como inútil, uma vez que a quantidade de cloreto de sódio é apenas marginalmente inferior. Mais recentemente surgiram no mercado alguns substitutos de sal, que podem ser uma alternativa para quem tolerar a natural diferença de sabor e o elevado custo.

A indústria alimentar tem também um papel importante nesta questão, nomeadamente através da concertação de mecanismos de auto-regulação que permitam baixar progressivamente o sal nos seus produtos. Embora existindo já alguns bons exemplos que poderíamos citar a este respeito, estamos ainda longe de poder considerar que esse trabalho se encontra concluído . Será pois às autoridades de saúde do Estado que caberá o papel mais importante, agindo de forma rigorosa e independente.

Em Portugal existe uma lei que limita a quantidade de sal que pode conter o pão, mas o valor limite é, na nossa opinião, ainda excessivo. Existe também a obrigatoriedade de mencionar a quantidade de sal nos alimentos, o que permite uma escolha mais informada àqueles que pretendem reduzir o sal na sua alimentação. Muito mais terá que ser feito a este respeito, mas entretanto cabe também a cada um de nós ir fazendo o que está ao seu alcance para reduzir o sal na comida. Pela nossa saúde.

*Nutricionista e professor

Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação Universidade do Porto

nunoborges@fcna.up.pt

Texto alterado às 15h00 de 12 de Junho de forma a mudar a referência a "gramas" para o masculino

Se há um elemento presente na nossa alimentação que nos deve merecer uma atenção especial é o sal. Constituído na sua quase totalidade por uma substância designada quimicamente por cloreto de sódio, faz parte da nossa alimentação há milhares de anos. O ser humano tem a capacidade de o detectar nos alimentos, através do sentido do gosto, sendo o salgado um dos cinco sabores fundamentais que somos capazes de percepcionar. Este facto é revelador da necessidade que temos em ter o sal presente na nossa alimentação. Sem ele, algumas das funções do nosso organismo ficariam comprometidas e, por isso, consideramos o sódio e o cloro que o constituem como nutrientes.

O advento da agricultura e da pecuária trouxe, contudo, um novo e importante papel ao sal: o de ajudar a conservar os excedentes de alimentos que, de outra forma, se perderiam. Esta utilidade tornou-o numa mercadoria preciosa (os legionários romanos eram pagos em sal, prática de onde derivou o nome “salário”) e o seu comércio cedo se estabeleceu, nomeadamente no Mediterrâneo mas também noutros pontos distantes do globo como na China. Esta adição de sal aos alimentos, como a carne ou o peixe, permitindo o seu consumo muito depois do abate do animal, aumentou de forma muito significativa a quantidade que passou a ser ingerida pelas populações. O gosto pelo sabor salgado foi-se adaptando a quantidades progressivamente maiores e chegámos hoje ao ponto de haver uma grande franja da população mundial a ingerir sal em excesso.

Mas porque é que consideramos excessivo o actual consumo de sal? A questão relaciona-se com os muitos estudos científicos que apontam o excesso de sal como um importante factor causador de aumento da pressão arterial e de doença vascular. Consequências? Números elevados de enfartes do miocárdio e, sobretudo, acidentes vasculares cerebrais. Relembramos que estas são as principais causas de morte na generalidade dos países, incluindo Portugal. Os dados de que dispomos apontam para um consumo de sal no nosso país da ordem dos 11gramas diários por pessoa, um número que é mais do dobro do máximo recomendado pela Organização Mundial da Saúde.

Mas ainda que este problema e as suas consequências estejam bem identificados é difícil resolvê-lo. Uma das razões é a presença insidiosa, quase invisível, do sal em muitos produtos alimentares do nosso dia-a-dia. Conservas, enchidos e fumados de carne ou peixe, mas também leguminosas ou hortícolas enlatados são um exemplo, assim como o são o queijo e o pão. Mais difícil será imaginar que algumas bolachas, mesmo doces, ou ainda sopas embaladas terão uma quantidade de sal exagerada, mas esta é a realidade. E importa saber também que um caldo de carne tem quase metade do seu peso constituído por sal.

É pois complicado escapar-lhe, tanto mais que a nossa predileção pelo sabor salgado tem dificuldade em adaptar-se a quantidades menores de sal na alimentação. A solução passa sempre por uma redução lenta e progressiva do sal nos alimentos, proporcionado ao organismo o tempo necessário para que o paladar se possa adaptar. A utilização abundante e imaginativa de ervas aromáticas traz aqui um inestimável valor de saúde - e também gastronómico. A utilização de flor de sal como alternativa é não só muito mais dispendiosa como inútil, uma vez que a quantidade de cloreto de sódio é apenas marginalmente inferior. Mais recentemente surgiram no mercado alguns substitutos de sal, que podem ser uma alternativa para quem tolerar a natural diferença de sabor e o elevado custo.

A indústria alimentar tem também um papel importante nesta questão, nomeadamente através da concertação de mecanismos de auto-regulação que permitam baixar progressivamente o sal nos seus produtos. Embora existindo já alguns bons exemplos que poderíamos citar a este respeito, estamos ainda longe de poder considerar que esse trabalho se encontra concluído . Será pois às autoridades de saúde do Estado que caberá o papel mais importante, agindo de forma rigorosa e independente.

Em Portugal existe uma lei que limita a quantidade de sal que pode conter o pão, mas o valor limite é, na nossa opinião, ainda excessivo. Existe também a obrigatoriedade de mencionar a quantidade de sal nos alimentos, o que permite uma escolha mais informada àqueles que pretendem reduzir o sal na sua alimentação. Muito mais terá que ser feito a este respeito, mas entretanto cabe também a cada um de nós ir fazendo o que está ao seu alcance para reduzir o sal na comida. Pela nossa saúde.

*Nutricionista e professor

Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação Universidade do Porto

nunoborges@fcna.up.pt

Texto alterado às 15h00 de 12 de Junho de forma a mudar a referência a "gramas" para o masculino

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