Um belo manifesto bivalvista do sapientíssimo arquitecto e gastrónomo José Jordão

15-11-2013
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A semana passada tive a sorte de receber uma lição de bivalves do grande mestre José Jordão, a quem agradeço a generosidade e a sabedoria. Não posso transcrever os preciosos conselhos dele na íntegra, mas aqui vai uma selecção justa, com a devida autorização do autor:

"Quando fala em mexilhões, amêijoas e berbigões ao natural afirma que devem ser abertos em ‘água salgada’. Perdoe-me meu caro senhor, mas abrir estes bivalves mergulhados em água salgada será grande perda, pois mal abram, os seus ‘sucos’ misturar se-ão com a dita, o que levará inevitavelmente à sua diluição. Logo à perda de sabor!.

Julgo ser unânime que a abertura 'ao natural' destes bivalves constará simplesmente em colocar os mesmos num tacho colocado ao lume e …mais nada! Muito bem afirma a absoluta necessidade de o retirar do lume logo que os bivalves abram, pois caso contrário secarão e diminuirão de volume e sabor. Existe também a tecnologia de abertura ao vapor, que não é mais do que os confeccionar como explicado anteriormente, com a diferença de colocar um 'dedo' de água no fundo do tacho e esperar que o vapor se forme, envolvendo os moluscos, levando-os a abrirem. Fala da insegurança de comer os mexilhões selvagens. Julgo ser cautela excessiva, porque actualmente, quando há qualquer infestação de 'algas azarentas', os media são mais que ávidos em a potenciar. Agora uma má notícia: os mexilhões de Vila Praia de Âncora são de viveiro mas galegos. São comercializados pela firma Ancoramar. Lamento dizer que os mejillones galegos são os melhores do mundo.

O maior problema é que, como não somos exigentes, os espanhóis, como os calibram, só nos enviam os mexilhões de menor tamanho. Convenhamos que de igual e excelente paladar. Como bem sabe, o maior problema da criação de animais em viveiro reside na sua alimentação. Com a criação de mexilhões isso não se verifica, pois a alimentação é precisamente igual à dos naturais. De mexilhões selvagens gostaria de lhe mostrar (e dar a provar, evidentemente) uns de grande tamanho, (não sei se será uma variedade do comum Mytilus galloprovincialis Lamark ou mesmo o Modiolus modiolus (L.)), que se colhem nas falésias de Sagres. Eu e os meus filhos apanhamo-los entre os três e os dez metros de profundidade, estão sempre submersos. Já os vimos também ao largo de Miramar, aqui no Norte. São enormes e a maioria das vezes abrigam um pequeno caranguejo laranja, Pinnotheres pisum (L.). Simbioticamente, dando-lhes abrigo recebem higiene. Como já verificou, quando se retiram as amêijoas (e todos os bivalves) da água, elas fecham-se por defesa, conservando a água do seu ambiente dentro das duas conchas por tempo relativamente longo mas dependente da temperatura. Nada tem a ver com boa ou má maré. Outrossim com o tempo decorrido depois da 'maré'. Na natureza, dessa capacidade carecem pois podem ficar descobertas aquando da marébaixa e têm que sobreviver a algumas horas de sol e consequente aquecimento. Para o caso que nos interessa, devem-se comprar as amêijoas fechadas e pesadas, ou melhor, recentes e com água original ainda encerrada no seu interior. Se isso não se verificar, e contudo elas ainda estiverem vivas (testa-se quando abertas, ao tocá-las elas fecham-se), devem-se mergulhar em água do mar, ou em água salgada à razão de 30gr por litro (uma colher cheia, das de sopa). Em poucos minutos, avidamente elas abrem-se e iniciam uma revigoradora bombagem. Ao fim de mais cinco minutos, a água então fica bastante suja e deve-se mudar mais uma vez. Lembro-lhe que as marisqueiras tinham uns recipientes baixos, com um dedo de água, onde mantinham as amêijoas vivas. Aposto que ainda se lembra de as ver dar umas mijinhas para o ar. Em Espanha ainda assim é! Informaram-me que a ASAE agora não o permite! Que sorte nós temos de haver uma ASAE amiga que nos salva! Acredite em mim e garanto que se não arrependerá. Para obter todo o potencial tem que as matar, qual pós-moderno Torquemada, cheias de água e só no calor do tacho. José Jordão”

A semana passada tive a sorte de receber uma lição de bivalves do grande mestre José Jordão, a quem agradeço a generosidade e a sabedoria. Não posso transcrever os preciosos conselhos dele na íntegra, mas aqui vai uma selecção justa, com a devida autorização do autor:

"Quando fala em mexilhões, amêijoas e berbigões ao natural afirma que devem ser abertos em ‘água salgada’. Perdoe-me meu caro senhor, mas abrir estes bivalves mergulhados em água salgada será grande perda, pois mal abram, os seus ‘sucos’ misturar se-ão com a dita, o que levará inevitavelmente à sua diluição. Logo à perda de sabor!.

Julgo ser unânime que a abertura 'ao natural' destes bivalves constará simplesmente em colocar os mesmos num tacho colocado ao lume e …mais nada! Muito bem afirma a absoluta necessidade de o retirar do lume logo que os bivalves abram, pois caso contrário secarão e diminuirão de volume e sabor. Existe também a tecnologia de abertura ao vapor, que não é mais do que os confeccionar como explicado anteriormente, com a diferença de colocar um 'dedo' de água no fundo do tacho e esperar que o vapor se forme, envolvendo os moluscos, levando-os a abrirem. Fala da insegurança de comer os mexilhões selvagens. Julgo ser cautela excessiva, porque actualmente, quando há qualquer infestação de 'algas azarentas', os media são mais que ávidos em a potenciar. Agora uma má notícia: os mexilhões de Vila Praia de Âncora são de viveiro mas galegos. São comercializados pela firma Ancoramar. Lamento dizer que os mejillones galegos são os melhores do mundo.

O maior problema é que, como não somos exigentes, os espanhóis, como os calibram, só nos enviam os mexilhões de menor tamanho. Convenhamos que de igual e excelente paladar. Como bem sabe, o maior problema da criação de animais em viveiro reside na sua alimentação. Com a criação de mexilhões isso não se verifica, pois a alimentação é precisamente igual à dos naturais. De mexilhões selvagens gostaria de lhe mostrar (e dar a provar, evidentemente) uns de grande tamanho, (não sei se será uma variedade do comum Mytilus galloprovincialis Lamark ou mesmo o Modiolus modiolus (L.)), que se colhem nas falésias de Sagres. Eu e os meus filhos apanhamo-los entre os três e os dez metros de profundidade, estão sempre submersos. Já os vimos também ao largo de Miramar, aqui no Norte. São enormes e a maioria das vezes abrigam um pequeno caranguejo laranja, Pinnotheres pisum (L.). Simbioticamente, dando-lhes abrigo recebem higiene. Como já verificou, quando se retiram as amêijoas (e todos os bivalves) da água, elas fecham-se por defesa, conservando a água do seu ambiente dentro das duas conchas por tempo relativamente longo mas dependente da temperatura. Nada tem a ver com boa ou má maré. Outrossim com o tempo decorrido depois da 'maré'. Na natureza, dessa capacidade carecem pois podem ficar descobertas aquando da marébaixa e têm que sobreviver a algumas horas de sol e consequente aquecimento. Para o caso que nos interessa, devem-se comprar as amêijoas fechadas e pesadas, ou melhor, recentes e com água original ainda encerrada no seu interior. Se isso não se verificar, e contudo elas ainda estiverem vivas (testa-se quando abertas, ao tocá-las elas fecham-se), devem-se mergulhar em água do mar, ou em água salgada à razão de 30gr por litro (uma colher cheia, das de sopa). Em poucos minutos, avidamente elas abrem-se e iniciam uma revigoradora bombagem. Ao fim de mais cinco minutos, a água então fica bastante suja e deve-se mudar mais uma vez. Lembro-lhe que as marisqueiras tinham uns recipientes baixos, com um dedo de água, onde mantinham as amêijoas vivas. Aposto que ainda se lembra de as ver dar umas mijinhas para o ar. Em Espanha ainda assim é! Informaram-me que a ASAE agora não o permite! Que sorte nós temos de haver uma ASAE amiga que nos salva! Acredite em mim e garanto que se não arrependerá. Para obter todo o potencial tem que as matar, qual pós-moderno Torquemada, cheias de água e só no calor do tacho. José Jordão”

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