Mãos ao ar: Feromona, Inquisição e Pata de Ganso

30-06-2011
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O Benfica prepara-se para queimar o médico João Paulo Almeida na fogueira inquisitória. Pessoalmente, acho bem.O fogo, como o leitor sabe, purifica, e tudo o que arde costuma curar. Excepto talvez se beber de uma golfada meia garrafa de soda cáustica. Nesse caso, o que arde faz um bocado de comichão. E queima um ou outro órgão vital. Mas não é grave: como o João Querido Manha demonstra semanalmente, pode-se sobreviver sem vários órgãos nobres.Dizia, porém, que a tradição inquisitória está-nos no sangue. Há cinco séculos, pegávamos despudoradamente nos fura-bruxas e entretínhamo-nos com folgança. Hoje em dia, infelizmente, a maior parte das tropelias descritas no Manual dos Inquisidores são reprimidas pelo código civil, que considera horrendo remover um alguidar de entranhas de um fulano, espetar-lhe meia dúzia de cutelos no pâncreas ou obrigá-lo a assistir a um concerto inteiro dos Feromona [provocação para um dos clientes mais estimados desta casa]. São modas. Prffftttt!Resta-nos, pois, a maledicência.O departamento de futebol do Benfica levou a mal que João Paulo Almeida tivesse falhado três ou quatro dúzias de diagnósticos. Como tudo na vida, importa ter bom senso. Pergunto eu: em boa verdade, alguém na audiência consegue detectar diferenças entre um Nuno Gomes com e sem sintomas de pubalgia? É verdade que eu sou um leigo nestas coisas, mas desconhecia que as vítimas da pubalgia sofriam tanto. Ele é descoordenação motora, falta de velocidade, lentidão de raciocínio, incapacidade de rematar com êxito de qualquer ângulo… Espanta-me aliás que a Organização Mundial de Saúde não tenha já classificado a pubalgia como o surto mais grave de 2007, à frente do ébola, do dengue e do penteado do José Veiga.José Manuel Delgado escreveu esta semana que um dos erros mais grotescos do departamento clínico do Benfica foi a incapacidade de detectar uma rotura na coxa de Rui Costa que media 2 centímetros (a rotura, não o Rui Costa, bem entendido!). As roturas que José Manuel Delgado conhece medem poucos milímetros. É verdade que José Manuel Delgado é muito mais viajado do que eu, e as roturas que ele conhece têm muito mais bom ar do que as minhas, mas eu ia jurar que José Manuel Delgado, e o jornal de José Manuel Delgado, procederam em Outubro ao linchamento público da clínica – com direito a manchete e tudo! – onde o idoso maestro fez a sua ecografia. E que, nessa altura, não lhes ocorreu que a culpa seria do médico.Veio o caso clínico do Merdinhas. Diagnosticaram-lhe asas de rã, ou pata de ganso, ou uma dessas coisas com nome de refeição em restaurante chinês. Afinal, sabemos agora que o ganso grasna na perfeição, mas o joelho, coitado, perdeu algumas peças.Logo se levantou um coro de ortopedistas indignados com tamanha incompetência. Uma das coisas que dá gosto ver nestas andanças é a solidariedade entre médicos sempre que se vislumbra no horizonte um lugar que oferece visibilidade e dinheiro e que vai vagar em breve. Ainda o corpo de João Paulo Almeida não esfriou, e já a corja necrófaga se precipita, com apetite, para a carcaça.Na natureza, os abutres, perante um cadáver, reservam um momento de repouso ao infeliz antes de se precipitarem, ávidos, para o banquete. Evidentemente, os abutres não têm de ganhar a vida com consultas de ortopedia. Caso contrário, com tanta ingenuidade, não passariam seguramente de internos no centro de saúde de Merdelim de Baixo.Ponto de ordem no debate: deve, ou não, João Paulo Almeida sair? Em consciência, deve. Não sendo ele o incinerado, o povo quereria seguramente preencher a pira flamejante com outra vítima. Era o que mais faltava se apontasse o dedo ao homem que segura a tocha...

O Benfica prepara-se para queimar o médico João Paulo Almeida na fogueira inquisitória. Pessoalmente, acho bem.O fogo, como o leitor sabe, purifica, e tudo o que arde costuma curar. Excepto talvez se beber de uma golfada meia garrafa de soda cáustica. Nesse caso, o que arde faz um bocado de comichão. E queima um ou outro órgão vital. Mas não é grave: como o João Querido Manha demonstra semanalmente, pode-se sobreviver sem vários órgãos nobres.Dizia, porém, que a tradição inquisitória está-nos no sangue. Há cinco séculos, pegávamos despudoradamente nos fura-bruxas e entretínhamo-nos com folgança. Hoje em dia, infelizmente, a maior parte das tropelias descritas no Manual dos Inquisidores são reprimidas pelo código civil, que considera horrendo remover um alguidar de entranhas de um fulano, espetar-lhe meia dúzia de cutelos no pâncreas ou obrigá-lo a assistir a um concerto inteiro dos Feromona [provocação para um dos clientes mais estimados desta casa]. São modas. Prffftttt!Resta-nos, pois, a maledicência.O departamento de futebol do Benfica levou a mal que João Paulo Almeida tivesse falhado três ou quatro dúzias de diagnósticos. Como tudo na vida, importa ter bom senso. Pergunto eu: em boa verdade, alguém na audiência consegue detectar diferenças entre um Nuno Gomes com e sem sintomas de pubalgia? É verdade que eu sou um leigo nestas coisas, mas desconhecia que as vítimas da pubalgia sofriam tanto. Ele é descoordenação motora, falta de velocidade, lentidão de raciocínio, incapacidade de rematar com êxito de qualquer ângulo… Espanta-me aliás que a Organização Mundial de Saúde não tenha já classificado a pubalgia como o surto mais grave de 2007, à frente do ébola, do dengue e do penteado do José Veiga.José Manuel Delgado escreveu esta semana que um dos erros mais grotescos do departamento clínico do Benfica foi a incapacidade de detectar uma rotura na coxa de Rui Costa que media 2 centímetros (a rotura, não o Rui Costa, bem entendido!). As roturas que José Manuel Delgado conhece medem poucos milímetros. É verdade que José Manuel Delgado é muito mais viajado do que eu, e as roturas que ele conhece têm muito mais bom ar do que as minhas, mas eu ia jurar que José Manuel Delgado, e o jornal de José Manuel Delgado, procederam em Outubro ao linchamento público da clínica – com direito a manchete e tudo! – onde o idoso maestro fez a sua ecografia. E que, nessa altura, não lhes ocorreu que a culpa seria do médico.Veio o caso clínico do Merdinhas. Diagnosticaram-lhe asas de rã, ou pata de ganso, ou uma dessas coisas com nome de refeição em restaurante chinês. Afinal, sabemos agora que o ganso grasna na perfeição, mas o joelho, coitado, perdeu algumas peças.Logo se levantou um coro de ortopedistas indignados com tamanha incompetência. Uma das coisas que dá gosto ver nestas andanças é a solidariedade entre médicos sempre que se vislumbra no horizonte um lugar que oferece visibilidade e dinheiro e que vai vagar em breve. Ainda o corpo de João Paulo Almeida não esfriou, e já a corja necrófaga se precipita, com apetite, para a carcaça.Na natureza, os abutres, perante um cadáver, reservam um momento de repouso ao infeliz antes de se precipitarem, ávidos, para o banquete. Evidentemente, os abutres não têm de ganhar a vida com consultas de ortopedia. Caso contrário, com tanta ingenuidade, não passariam seguramente de internos no centro de saúde de Merdelim de Baixo.Ponto de ordem no debate: deve, ou não, João Paulo Almeida sair? Em consciência, deve. Não sendo ele o incinerado, o povo quereria seguramente preencher a pira flamejante com outra vítima. Era o que mais faltava se apontasse o dedo ao homem que segura a tocha...

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