Os 25 anos de um vinho que marcou o Douro

18-10-2015
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Por Manuel Carvalho

Em 1990 nasceu o Duas Quintas, um vinho que inspiraria a revolução dos DOC Douro que se seguiu. Meio século mais tarde, o seu criador, João Nicolau de Almeida, prepara-se para deixar a Ramos Pinto com um legado de vinhos que tanto se apreciam na juventude como exibem uma soberba capacidade de resistir ao tempo.

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Não há-de haver muitos casos em que uma empresa dá liberdade de acção ao enólogo para arriscar, o enólogo cria uma marca e dá origem a uma fórmula que estimularia uma mudança profunda numa região. No Douro foi isso que aconteceu há 25 anos, quando a Ramos Pinto deu luz verde a João Nicolau de Almeida para avançar com a primeira edição do Duas Quintas. Num ápice, o vinho tornou-se o ícone de uma nova identidade do Douro e serviu de lastro para a moderna geração de DOC que mudaram por completo a face de uma região até então focada no vinho do Porto. Pode ser exagerado dizer que o papel de João Nicolau de Almeida foi tão revolucionário como o do seu pai, o criador do mítico Barca Velha nos anos de 1950, mas o seu Duas Quintas é sem dúvida um marco fundamental da revolução que varreu o Douro no último quarto de século.

Há vários anos que João e o seu tio José Rosas estudavam castas e faziam ensaios com o objectivo de se aventurarem nos DOC Douro. João chegara à Ramos Pinto em 1976 e boa parte do seu tempo desde então fora investido no estudo da vinha, o que contrariava a tradição dos enólogos das casas de Gaia, sempre mais atentos aos aromas das caves que ao comportamento das plantas. Quando estava tudo preparado para dar o salto nos DOC Douro, em 1990, a empresa francesa de Champanhe Louis Roederer adquire a maioria do capital da Ramos Pinto. Não seria essa mudança a parar os planos. Os franceses dão ordens de avançar.

Em 1990, as chuvas no Douro concentraram-se nos meses de Inverno, a Primavera e o Verão foram secos e os mostos ficaram com pouca acidez até que, na segunda quinzena de Setembro, o regresso da precipitação garantiu às uvas uma maturação mais equilibrada. João Nicolau de Almeida e a sua equipa escolheram o lote final do primeiro Duas Quintas nas quintas de Ervamoira e de Bons Ares. A casta eleita para dominar o lote foi a Touriga Franca (50%), uma hegemonia que duraria até 2011, ano em que, finalmente, a nova estrela da vinha duriense, a Touriga Nacional, se tornou a variedade com mais peso. Apenas 20% do lote final passou por barricas de carvalho português com dois ou três anos de uso.

O Duas Quintas de 1990 surgiu no mercado em 1992 como um relâmpago. Mas esteve quase para se tornar um desastre. “Depois do engarrafamento veio um frio terrível e o vinho congelou”, diz João Nicolau de Almeida. Foi necessário recuperar 60 mil garrafas uma a uma. Sem danos para a qualidade. O Duas Quintas teve assim uma primeira oportunidade de causar uma primeira boa impressão. Tornou-se rapidamente moda, o símbolo de um vinho complexo, sofisticado, a expressão de um Douro moderno que estava a nascer. Nos anos de 1990, quando as feiras de vinhos dos hipermercados se tornaram um acontecimento, era normal haver limites ao número de Duas Quintas que se podiam adquirir.

O sucesso da estreia alarga rapidamente o âmbito da gama, com a chegada ao mercado do branco e do Reserva. O Reserva de 1994 foi um dos grandes vinhos portugueses dos anos de 1990, pela sua elegância e complexidade. O Reserva Especial, que nasce em 1995 com uma edição memorável, procurava recuperar a velha tradição duriense de pisas prolongadas e tornou-se o emblema de um Douro opulento, com uma estrutura de taninos que exige mais de uma década a moldar – ainda hoje, quando se consegue uma garrafa nas condições ideais, constata-se que é um dos grandes tintos durienses de sempre. O Duas Quintas triunfava definitivamente. João Nicolau de Almeida é eleito em 1998 como o “homem do ano” da Wine and Spirits e considerado um dos “50 enólogos mais influentes do mundo”.

Por Manuel Carvalho

Em 1990 nasceu o Duas Quintas, um vinho que inspiraria a revolução dos DOC Douro que se seguiu. Meio século mais tarde, o seu criador, João Nicolau de Almeida, prepara-se para deixar a Ramos Pinto com um legado de vinhos que tanto se apreciam na juventude como exibem uma soberba capacidade de resistir ao tempo.

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Há vários anos que João e o seu tio José Rosas estudavam castas e faziam ensaios com o objectivo de se aventurarem nos DOC Douro. João chegara à Ramos Pinto em 1976 e boa parte do seu tempo desde então fora investido no estudo da vinha, o que contrariava a tradição dos enólogos das casas de Gaia, sempre mais atentos aos aromas das caves que ao comportamento das plantas. Quando estava tudo preparado para dar o salto nos DOC Douro, em 1990, a empresa francesa de Champanhe Louis Roederer adquire a maioria do capital da Ramos Pinto. Não seria essa mudança a parar os planos. Os franceses dão ordens de avançar.

Em 1990, as chuvas no Douro concentraram-se nos meses de Inverno, a Primavera e o Verão foram secos e os mostos ficaram com pouca acidez até que, na segunda quinzena de Setembro, o regresso da precipitação garantiu às uvas uma maturação mais equilibrada. João Nicolau de Almeida e a sua equipa escolheram o lote final do primeiro Duas Quintas nas quintas de Ervamoira e de Bons Ares. A casta eleita para dominar o lote foi a Touriga Franca (50%), uma hegemonia que duraria até 2011, ano em que, finalmente, a nova estrela da vinha duriense, a Touriga Nacional, se tornou a variedade com mais peso. Apenas 20% do lote final passou por barricas de carvalho português com dois ou três anos de uso.

O Duas Quintas de 1990 surgiu no mercado em 1992 como um relâmpago. Mas esteve quase para se tornar um desastre. “Depois do engarrafamento veio um frio terrível e o vinho congelou”, diz João Nicolau de Almeida. Foi necessário recuperar 60 mil garrafas uma a uma. Sem danos para a qualidade. O Duas Quintas teve assim uma primeira oportunidade de causar uma primeira boa impressão. Tornou-se rapidamente moda, o símbolo de um vinho complexo, sofisticado, a expressão de um Douro moderno que estava a nascer. Nos anos de 1990, quando as feiras de vinhos dos hipermercados se tornaram um acontecimento, era normal haver limites ao número de Duas Quintas que se podiam adquirir.

O sucesso da estreia alarga rapidamente o âmbito da gama, com a chegada ao mercado do branco e do Reserva. O Reserva de 1994 foi um dos grandes vinhos portugueses dos anos de 1990, pela sua elegância e complexidade. O Reserva Especial, que nasce em 1995 com uma edição memorável, procurava recuperar a velha tradição duriense de pisas prolongadas e tornou-se o emblema de um Douro opulento, com uma estrutura de taninos que exige mais de uma década a moldar – ainda hoje, quando se consegue uma garrafa nas condições ideais, constata-se que é um dos grandes tintos durienses de sempre. O Duas Quintas triunfava definitivamente. João Nicolau de Almeida é eleito em 1998 como o “homem do ano” da Wine and Spirits e considerado um dos “50 enólogos mais influentes do mundo”.

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