EDUCOMUNICAÇÃO

01-07-2011
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O direito violado de uma bebéDa coluna semanal que, como provedor do leitor do Jornal de Notícias, transcrevo da edição de hoje:Há casos relatados nos meios de comunicação social que, de tão horrorosos que são, deveriam ser várias vezes sopesados, antes de serem trazidos a público. Um daqueles que se inscreve nessa categoria é o da bebé originária de uma aldeia próxima de Viseu, há praticamente um mês internada no Hospital Pediátrico de Coimbra, vítima de maus tratos imputados aos pais, incluindo alegado abuso sexual.O JN entendeu dar destaque ao assunto e fez a sua manchete do passado dia 15 de Dezembro com o título ?Violação da bebé confirmada?. O trabalho vinha ilustrado com a foto do pai da criança, no momento em que era conduzido ao Tribunal, e ocupava ainda a secção ?Em foco?, nas páginas 2 e 3. Cinco jornalistas foram destacados para cobrir e tratar o caso, da Redacção do Porto e das delegações de Viseu e de Coimbra. O tratamento do JN motivou o protesto da leitora Odete Silva, de Vila Nova de Gaia. Numa mensagem enviada por correio electrónico, interroga o provedor: ?Acha aceitável que o JN pespegue com o nome da menina em todas as notícias? Na quinta-feira passada [a tal edição do dia 15] vi o nome repetido várias vezes, até na primeira página, e já fiquei revoltada. Então não é que hoje vocês põem o nome dela num título de letras grandes? É uma vergonha.? E desabafa ainda: ?De certeza que se fosse uma familiar de algum dos jornalistas ou de um amigo que escondiam muito bem escondido o nome dela?.Ao mesmo tempo, no sítio da Internet Blogouve-se (http://ouve-se.blogspot.com), do jornalista João Paulo Meneses, decorria um debate sobre o comportamento dos media acerca deste caso. Numa nota inserida a 26 de Dezembro, aquele jornalista, depois de estranhar que os provedores em exercício ainda não tivessem tratado do assunto e de lamentar o silêncio do Conselho Deontológico dos jornalistas, comenta: ?Será que se entende - e pergunto sem qualquer ironia - que a identificação, tal como apareceu em quase todos os órgãos de comunicação social (o Expresso foi uma excepção) não terá consequências de futuro para a criança, que na escola ou entre os amigos ninguém saberá que ela passou por isto quando ainda não tinha dois meses??.Ouvi, a propósito destas mensagens, o coordenador da delegação de Coimbra que anotou o facto de ter editado a primeira peça sobre o caso, no dia 14. ?Aí ? faz notar o jornalista ? pese embora soubéssemos o nome da criança, deliberadamente não o escrevemos, pois entendemos, como ainda entendo, que essa é uma informação irrelevante para a notícia em causa, e que na medida do possível a identificação da vítima deve ser salvaguardada?. Acrescenta: ?Ao contrário do JN, no dia seguinte outros media publicaram o nome da menina, não fazendo sentido a partir daí não o escrever, pois a identificação da vítima já tinha sido tornado pública e não seria por nós o omitirmos que salvaguardaríamos o que quer que seja?.Por haver, nesta matéria, aspectos relacionados com a orientação editorial, o provedor quis conhecer igualmente a posição da Direcção do JN. O director-adjunto David Pontes, depois de ouvir os editores mais directamente envolvidos no processo, confirma, em traços gerais, o que refere o jornalista citado: que o facto de o nome da vítima ter sido ?profusamente divulgado por outros órgãos de comunicação social, nomeadamente pela televisão? levou a que se considerasse não fazer sentido a reserva por parte do JN. Acrescenta, no entanto:?Não foi, na opinião desta Direcção, o juízo mais correcto. De facto, estando a criança viva, não faz qualquer sentido não manter a reserva do nome, mesmo tendo ele sido erradamente divulgado por outros. Daí que, logo que fomos alertados para o facto, tenha sido acordado entre todos retirar o nome da vítima de futuras peças e tomar o máximo de atenção em casos similares que venhamos a noticiar?.Em resumo, o JN começou por tratar o assunto mantendo sob reserva o nome da criança violentada; alterou tal posição, passando a divulgar o nome em vários dias seguidos e de forma destacada, com o argumento de que outros meios de comunicação social, especialmente a televisão, também o fizeram; por fim, no noticiário mais recente, adoptou a orientação de não divulgar o nome da vítima. Relativamente a esta criança, porém, já dificilmente se poderá reparar os danos causados.O comportamento do Jornal de Notícias, neste caso, merece reprovação por dois motivos: em primeiro lugar, por ter-se servido do argumento da infracção alheia para também infringir, numa matéria em que está em causa um direito fundamental da pessoa humana; em segundo lugar, por não terem funcionado mecanismos de alerta e de mudança de comportamento, quando, na edição do dia 15 de Dezembro o nome da vítima foi várias vezes impresso, incluindo na primeira página, sendo que havia na Redacção quem tivesse clara noção de que a identidade da bebé não devia ser revelada.Resta, apesar de tudo, sublinhar o reconhecimento, por parte da Direcção, de que o juízo ?não foi o mais correcto? e de que se irá ?tomar o máximo de atenção em casos similares?.Destaque sugerido: Os erros dos outros não podem servir de desculpa para os nossos errosDois motivos de inquietaçãoDois pontos, no caso do bebé de Viseu, suscitam a maior inquietação. Como foi possível que quase toda a grande comunicação social ? rádio, televisão, imprensa, meios digitais ? se tenha entregue, aparentemente sem escrúpulos, à revelação do nome de uma vítima de maus tratos tão chocantes? Não deixa de ser grave que, nesta imolação colectivamente praticada, não tenha havido distinções entre os media: fizeram-no inclusivamente os ditos de referência, mesmo aqueles em que os respectivos livros de estilo proíbem expressamente tal prática.Mas não menos inquietante é o facto de, perante uma violação tão generalizada, não ter surgido (notícia de) qualquer iniciativa por parte das entidades com capacidade para a tomar: desde logo a Alta Autoridade para a Comunicação Social, mas também o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, os conselhos de Redacção ou as estruturas de protecção de crianças e jovens. Mas o facto de o provedor ter recebido uma única mensagem a este propósito indicia que também nós, enquanto cidadãos, vemos e calamos tão flagrante violação de um direito.O destaque dado a estas matérias radica, na maior parte dos casos ? façamos a essa justiça aos jornalistas ? na convicção do interesse público de tal informação e na crença de que a divulgação dos casos e das suas envolventes poderá levar a sociedade a criar ou melhorar mecanismos de prevenção. Contudo, estes objectivos, que são certamente de enaltecer, comportam dificuldades e mesmo riscos graves, sobretudo porque podem provocar uma dor acrescida em quem já é vítima de determinadas situações. No caso das crianças, que nem sequer se podem defender, pode lançar sobre elas um estigma que transportarão para o resto da vida.É por isso que boa parte dos códigos deontológicos (incluindo o português) alertam para o respeito que os jornalistas devem ter pelos direitos das vítimas à dignidade, ao bom nome, à imagem e a não verem o seu sofrimento ainda mais ampliado pelos media. E que proíbem expressamente a revelação da identidade de vítimas de crimes sexuais, especialmente quando se trata de crianças. No caso presente, os media portugueses deveriam, como forma de atenuar o mal causado, assumir um código de conduta claro e corajoso nesta matéria, tendo em conta, especialmente, os direitos das crianças. Seria uma forma de, um dia, a menina de Viseu sentir que o seu calvário tinha ao menos abalado a consciência dos


O direito violado de uma bebéDa coluna semanal que, como provedor do leitor do Jornal de Notícias, transcrevo da edição de hoje:Há casos relatados nos meios de comunicação social que, de tão horrorosos que são, deveriam ser várias vezes sopesados, antes de serem trazidos a público. Um daqueles que se inscreve nessa categoria é o da bebé originária de uma aldeia próxima de Viseu, há praticamente um mês internada no Hospital Pediátrico de Coimbra, vítima de maus tratos imputados aos pais, incluindo alegado abuso sexual.O JN entendeu dar destaque ao assunto e fez a sua manchete do passado dia 15 de Dezembro com o título ?Violação da bebé confirmada?. O trabalho vinha ilustrado com a foto do pai da criança, no momento em que era conduzido ao Tribunal, e ocupava ainda a secção ?Em foco?, nas páginas 2 e 3. Cinco jornalistas foram destacados para cobrir e tratar o caso, da Redacção do Porto e das delegações de Viseu e de Coimbra. O tratamento do JN motivou o protesto da leitora Odete Silva, de Vila Nova de Gaia. Numa mensagem enviada por correio electrónico, interroga o provedor: ?Acha aceitável que o JN pespegue com o nome da menina em todas as notícias? Na quinta-feira passada [a tal edição do dia 15] vi o nome repetido várias vezes, até na primeira página, e já fiquei revoltada. Então não é que hoje vocês põem o nome dela num título de letras grandes? É uma vergonha.? E desabafa ainda: ?De certeza que se fosse uma familiar de algum dos jornalistas ou de um amigo que escondiam muito bem escondido o nome dela?.Ao mesmo tempo, no sítio da Internet Blogouve-se (http://ouve-se.blogspot.com), do jornalista João Paulo Meneses, decorria um debate sobre o comportamento dos media acerca deste caso. Numa nota inserida a 26 de Dezembro, aquele jornalista, depois de estranhar que os provedores em exercício ainda não tivessem tratado do assunto e de lamentar o silêncio do Conselho Deontológico dos jornalistas, comenta: ?Será que se entende - e pergunto sem qualquer ironia - que a identificação, tal como apareceu em quase todos os órgãos de comunicação social (o Expresso foi uma excepção) não terá consequências de futuro para a criança, que na escola ou entre os amigos ninguém saberá que ela passou por isto quando ainda não tinha dois meses??.Ouvi, a propósito destas mensagens, o coordenador da delegação de Coimbra que anotou o facto de ter editado a primeira peça sobre o caso, no dia 14. ?Aí ? faz notar o jornalista ? pese embora soubéssemos o nome da criança, deliberadamente não o escrevemos, pois entendemos, como ainda entendo, que essa é uma informação irrelevante para a notícia em causa, e que na medida do possível a identificação da vítima deve ser salvaguardada?. Acrescenta: ?Ao contrário do JN, no dia seguinte outros media publicaram o nome da menina, não fazendo sentido a partir daí não o escrever, pois a identificação da vítima já tinha sido tornado pública e não seria por nós o omitirmos que salvaguardaríamos o que quer que seja?.Por haver, nesta matéria, aspectos relacionados com a orientação editorial, o provedor quis conhecer igualmente a posição da Direcção do JN. O director-adjunto David Pontes, depois de ouvir os editores mais directamente envolvidos no processo, confirma, em traços gerais, o que refere o jornalista citado: que o facto de o nome da vítima ter sido ?profusamente divulgado por outros órgãos de comunicação social, nomeadamente pela televisão? levou a que se considerasse não fazer sentido a reserva por parte do JN. Acrescenta, no entanto:?Não foi, na opinião desta Direcção, o juízo mais correcto. De facto, estando a criança viva, não faz qualquer sentido não manter a reserva do nome, mesmo tendo ele sido erradamente divulgado por outros. Daí que, logo que fomos alertados para o facto, tenha sido acordado entre todos retirar o nome da vítima de futuras peças e tomar o máximo de atenção em casos similares que venhamos a noticiar?.Em resumo, o JN começou por tratar o assunto mantendo sob reserva o nome da criança violentada; alterou tal posição, passando a divulgar o nome em vários dias seguidos e de forma destacada, com o argumento de que outros meios de comunicação social, especialmente a televisão, também o fizeram; por fim, no noticiário mais recente, adoptou a orientação de não divulgar o nome da vítima. Relativamente a esta criança, porém, já dificilmente se poderá reparar os danos causados.O comportamento do Jornal de Notícias, neste caso, merece reprovação por dois motivos: em primeiro lugar, por ter-se servido do argumento da infracção alheia para também infringir, numa matéria em que está em causa um direito fundamental da pessoa humana; em segundo lugar, por não terem funcionado mecanismos de alerta e de mudança de comportamento, quando, na edição do dia 15 de Dezembro o nome da vítima foi várias vezes impresso, incluindo na primeira página, sendo que havia na Redacção quem tivesse clara noção de que a identidade da bebé não devia ser revelada.Resta, apesar de tudo, sublinhar o reconhecimento, por parte da Direcção, de que o juízo ?não foi o mais correcto? e de que se irá ?tomar o máximo de atenção em casos similares?.Destaque sugerido: Os erros dos outros não podem servir de desculpa para os nossos errosDois motivos de inquietaçãoDois pontos, no caso do bebé de Viseu, suscitam a maior inquietação. Como foi possível que quase toda a grande comunicação social ? rádio, televisão, imprensa, meios digitais ? se tenha entregue, aparentemente sem escrúpulos, à revelação do nome de uma vítima de maus tratos tão chocantes? Não deixa de ser grave que, nesta imolação colectivamente praticada, não tenha havido distinções entre os media: fizeram-no inclusivamente os ditos de referência, mesmo aqueles em que os respectivos livros de estilo proíbem expressamente tal prática.Mas não menos inquietante é o facto de, perante uma violação tão generalizada, não ter surgido (notícia de) qualquer iniciativa por parte das entidades com capacidade para a tomar: desde logo a Alta Autoridade para a Comunicação Social, mas também o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, os conselhos de Redacção ou as estruturas de protecção de crianças e jovens. Mas o facto de o provedor ter recebido uma única mensagem a este propósito indicia que também nós, enquanto cidadãos, vemos e calamos tão flagrante violação de um direito.O destaque dado a estas matérias radica, na maior parte dos casos ? façamos a essa justiça aos jornalistas ? na convicção do interesse público de tal informação e na crença de que a divulgação dos casos e das suas envolventes poderá levar a sociedade a criar ou melhorar mecanismos de prevenção. Contudo, estes objectivos, que são certamente de enaltecer, comportam dificuldades e mesmo riscos graves, sobretudo porque podem provocar uma dor acrescida em quem já é vítima de determinadas situações. No caso das crianças, que nem sequer se podem defender, pode lançar sobre elas um estigma que transportarão para o resto da vida.É por isso que boa parte dos códigos deontológicos (incluindo o português) alertam para o respeito que os jornalistas devem ter pelos direitos das vítimas à dignidade, ao bom nome, à imagem e a não verem o seu sofrimento ainda mais ampliado pelos media. E que proíbem expressamente a revelação da identidade de vítimas de crimes sexuais, especialmente quando se trata de crianças. No caso presente, os media portugueses deveriam, como forma de atenuar o mal causado, assumir um código de conduta claro e corajoso nesta matéria, tendo em conta, especialmente, os direitos das crianças. Seria uma forma de, um dia, a menina de Viseu sentir que o seu calvário tinha ao menos abalado a consciência dos

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