Vítor Dias no "Semanário"

12-10-2015
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"Dois votos para E.P.C."

Vítor Dias no "Semanário"

4 de Junho de 2004

Já se sabia, mas a coisa volta agora a confirmar-se em todo o seu esplendor: desde 1999 que Eduardo Prado Coelho anda manifestamente a viver um áspero conflito com a República e a democracia portuguesas contra as quais tem um fundada razão de queixa.

É que uma e outra exercem sobre ele a inaudita violência de não o deixarem votar simultaneamente em dois partidos (o PS e o Bloco de Esquerda) numa mesma eleição.

Só isso é que mais profundamente pode explicar que, no “Público” de 1/6, tenha vindo inventar uma “fúria com que os diversos partidos (mais moderadamente o PS) batem forte no Bloco de Esquerda” e que, numa conhecida mas lamentável táctica de intimidação dirigida a terceiros, logo tenha acrescentado que isso tem o efeito “exactamente o oposto ao que se pretende” pois “reforça popularidade hoje evidente dos dirigentes do BE”.

Sobre esta afirmação de E.P.C., o mínimo que se pode comentar é que só mesmo o subserviente alinhamento pelo truque da artificial vitimização do BE pode estar na origem da invenção de uma «fúria» que ninguém vê, de um “bater forte” que não existe e tudo isto praticado pelos “diversos partidos” que não se descortina quais sejam.

Mas ainda que as coisas fossem como E.P.C. inventa, não precisava o ilustre universitário e cronista de correr a prestar a sua afectuosa solidariedade ao BE, pela simples razão de que estamos a falar de uma força política que, como raramente se terá visto em Portugal, dispõe de um incomparável carinho, simpatia e proselitismo da generalidade dos media, certamente porque é a força mais ameaçadora e perigosa para a ordem económica e social vigente e a principal animadora, não apenas dos telejornais e programas de debate, mas da luta social e dos processos de resistência à política de direita vividos no terreno. E, como poucas vezes se terá visto, é a força eleitoral a quem generosamente se atribui a considerável vantagem de, continuada e insistentemente, se lhe propagandear uma absoluta certeza na realização do seu objectivo eleitoral fundamental.

Mais grave que tudo é porém o facto de E.P.C. assim dar zelosa continuidade ao truque que, desde a fundação do BE, os seus principais responsáveis praticam e alimentam, e que consiste em fazer deles uma espécie de novos “intocáveis” a quem se atribui o excepcional e privilegiado estatuto de poderem dizer o que quiserem sobre outros e isso ser considerado inocente debate e confronto de ideias, mas já se alguém responde, ainda que em moderada e legítima defesa, logo isso é apresentado como um caviloso “ataque” ou chocante “agressão” ao BE.

È na base deste esquema perverso e verdadeiramente intolerável que, se uma candidata da CDU faz uma breve referência crítica ao incontestável federalismo do BE, logo o jornalista do “Público” leva para título da sua peça sobre o dia de campanha da CDU a ideia precisa e textual de que “CDU faz fogo directo sobre Bloco de Esquerda”.

Em contrapartida, jamais o “Público” ou qualquer outro jornal ou revista falou de “ataque”, “agressão” ou “fogo directo” sobre o PCP quando Miguel Portas, copiando argumentos e qualificações longamente usadas pelo PS e pelo PSD, qualifica com sentido obviamente pejorativo as posições do PCP como “nacionalismo de esquerda”, quando vem desonestamente afirmar que o PCP “sobre a Europa só sabe soletrar Portugal”, ou, para abreviar os exemplos, quando com fino gosto e inexcedível elegância caracteriza as posições do PCP como “nacional-comunistas” (“Expresso” de 6.12.2003), como se não soubesse o que é que, na esfera política, o “nacional” seguido de hífen faz lembrar.

Numa exuberante confirmação de que é possível olhar e não ver, o que é certo é que o mesmo Eduardo Prado Coelho que vislumbra uma “fúria” de “bater forte” no BE, escrevendo todos os dias no “Público” e sendo certamente leitor atento no “Público” não consegue entretanto reparar na forma absolutamente parcial e preconceituosa como aquele jornal tem tratado a campanha da CDU nos antípodas do tratamento ali dado ao BE.

Não repara que uma peça de caracterização da candidatura da CDU assinada por Nuno Sá Lourenço em 28/5 tinha o inocente título “lda Figueiredo em risco de ficar sozinha em Bruxelas”, sendo que o “Público” depois não ligou nenhuma à sondagem divulgada no “Jornal Nacional” da TVI também em 28/5 que dava 10% à a CDU e a forte probabilidade de eleger um terceiro deputado- ou seja, Odete Santos.

Não repara E.P.C. que no “Público” só sobre a CDU é que se disse que era uma “candidatura com caras poucos conhecidas”, apesar de encostado ao texto virem destacados os nomes de Ilda Figueiredo, Sérgio Ribeiro, Odete Santos, Heloísa Apolónia, Edgar Silva, Arménio Carlos, José Saramago.

E, entre tantas outras “maldades” também não repara E.P.C. que quem ler o “Público” de ontem julgará que apenas Miguel Portas falou sobre o novo julgamento sobre alegadas práticas de aborto, apesar de, em conformidade com a verdade, por outros jornais se ficar a saber que Ilda Figueiredo se fartou de denunciar esta continuação da perseguição judicial a mulheres.

Decididamente com E.P.C. não adianta. Mas adianta com todos os eleitores de esquerda que não queiram trocar o certo pelo incerto, que queiram preferir a consistência e intervenção real aos “soundbytes” espumosos e que, em vez de aprofundar a deriva federalista (seguro de vida do neoliberalismo), antes a queiram travar e derrotar.

"Dois votos para E.P.C."

Vítor Dias no "Semanário"

4 de Junho de 2004

Já se sabia, mas a coisa volta agora a confirmar-se em todo o seu esplendor: desde 1999 que Eduardo Prado Coelho anda manifestamente a viver um áspero conflito com a República e a democracia portuguesas contra as quais tem um fundada razão de queixa.

É que uma e outra exercem sobre ele a inaudita violência de não o deixarem votar simultaneamente em dois partidos (o PS e o Bloco de Esquerda) numa mesma eleição.

Só isso é que mais profundamente pode explicar que, no “Público” de 1/6, tenha vindo inventar uma “fúria com que os diversos partidos (mais moderadamente o PS) batem forte no Bloco de Esquerda” e que, numa conhecida mas lamentável táctica de intimidação dirigida a terceiros, logo tenha acrescentado que isso tem o efeito “exactamente o oposto ao que se pretende” pois “reforça popularidade hoje evidente dos dirigentes do BE”.

Sobre esta afirmação de E.P.C., o mínimo que se pode comentar é que só mesmo o subserviente alinhamento pelo truque da artificial vitimização do BE pode estar na origem da invenção de uma «fúria» que ninguém vê, de um “bater forte” que não existe e tudo isto praticado pelos “diversos partidos” que não se descortina quais sejam.

Mas ainda que as coisas fossem como E.P.C. inventa, não precisava o ilustre universitário e cronista de correr a prestar a sua afectuosa solidariedade ao BE, pela simples razão de que estamos a falar de uma força política que, como raramente se terá visto em Portugal, dispõe de um incomparável carinho, simpatia e proselitismo da generalidade dos media, certamente porque é a força mais ameaçadora e perigosa para a ordem económica e social vigente e a principal animadora, não apenas dos telejornais e programas de debate, mas da luta social e dos processos de resistência à política de direita vividos no terreno. E, como poucas vezes se terá visto, é a força eleitoral a quem generosamente se atribui a considerável vantagem de, continuada e insistentemente, se lhe propagandear uma absoluta certeza na realização do seu objectivo eleitoral fundamental.

Mais grave que tudo é porém o facto de E.P.C. assim dar zelosa continuidade ao truque que, desde a fundação do BE, os seus principais responsáveis praticam e alimentam, e que consiste em fazer deles uma espécie de novos “intocáveis” a quem se atribui o excepcional e privilegiado estatuto de poderem dizer o que quiserem sobre outros e isso ser considerado inocente debate e confronto de ideias, mas já se alguém responde, ainda que em moderada e legítima defesa, logo isso é apresentado como um caviloso “ataque” ou chocante “agressão” ao BE.

È na base deste esquema perverso e verdadeiramente intolerável que, se uma candidata da CDU faz uma breve referência crítica ao incontestável federalismo do BE, logo o jornalista do “Público” leva para título da sua peça sobre o dia de campanha da CDU a ideia precisa e textual de que “CDU faz fogo directo sobre Bloco de Esquerda”.

Em contrapartida, jamais o “Público” ou qualquer outro jornal ou revista falou de “ataque”, “agressão” ou “fogo directo” sobre o PCP quando Miguel Portas, copiando argumentos e qualificações longamente usadas pelo PS e pelo PSD, qualifica com sentido obviamente pejorativo as posições do PCP como “nacionalismo de esquerda”, quando vem desonestamente afirmar que o PCP “sobre a Europa só sabe soletrar Portugal”, ou, para abreviar os exemplos, quando com fino gosto e inexcedível elegância caracteriza as posições do PCP como “nacional-comunistas” (“Expresso” de 6.12.2003), como se não soubesse o que é que, na esfera política, o “nacional” seguido de hífen faz lembrar.

Numa exuberante confirmação de que é possível olhar e não ver, o que é certo é que o mesmo Eduardo Prado Coelho que vislumbra uma “fúria” de “bater forte” no BE, escrevendo todos os dias no “Público” e sendo certamente leitor atento no “Público” não consegue entretanto reparar na forma absolutamente parcial e preconceituosa como aquele jornal tem tratado a campanha da CDU nos antípodas do tratamento ali dado ao BE.

Não repara que uma peça de caracterização da candidatura da CDU assinada por Nuno Sá Lourenço em 28/5 tinha o inocente título “lda Figueiredo em risco de ficar sozinha em Bruxelas”, sendo que o “Público” depois não ligou nenhuma à sondagem divulgada no “Jornal Nacional” da TVI também em 28/5 que dava 10% à a CDU e a forte probabilidade de eleger um terceiro deputado- ou seja, Odete Santos.

Não repara E.P.C. que no “Público” só sobre a CDU é que se disse que era uma “candidatura com caras poucos conhecidas”, apesar de encostado ao texto virem destacados os nomes de Ilda Figueiredo, Sérgio Ribeiro, Odete Santos, Heloísa Apolónia, Edgar Silva, Arménio Carlos, José Saramago.

E, entre tantas outras “maldades” também não repara E.P.C. que quem ler o “Público” de ontem julgará que apenas Miguel Portas falou sobre o novo julgamento sobre alegadas práticas de aborto, apesar de, em conformidade com a verdade, por outros jornais se ficar a saber que Ilda Figueiredo se fartou de denunciar esta continuação da perseguição judicial a mulheres.

Decididamente com E.P.C. não adianta. Mas adianta com todos os eleitores de esquerda que não queiram trocar o certo pelo incerto, que queiram preferir a consistência e intervenção real aos “soundbytes” espumosos e que, em vez de aprofundar a deriva federalista (seguro de vida do neoliberalismo), antes a queiram travar e derrotar.

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