Cavaco quer que Parlamento corrija suspensão dos subsídios

20-10-2011
marcar artigo

Presidente pediu repartição de sacrifícios. Incomodou a maioria, mas incentivou o PS, que vai propor alterações aos cortes na função pública

Quando o Presidente da República afirmou ontem que a suspensão dos subsídios de férias e de Natal para os funcionários públicos configura uma "violação de um princípio básico de equidade fiscal" previsto na Constituição, naquele que foi o primeiro comentário a uma das propostas do Orçamento do Estado (OE) para 2012, estava a dar um sinal ao Parlamento. Ao que o PÚBLICO apurou, Cavaco Silva pretendeu advertir os partidos com assento parlamentar de que deverão ser realizadas alterações ao documento. Se com isso incomodou a maioria, deu um empurrão ao PS, que já prepara propostas alternativas à suspensão dos subsídios da função pública.

As declarações de Cavaco à saída do IV Congresso Internacional dos Economistas, em Lisboa, traduziram uma iniciativa preventiva do Presidente. Desta forma, alertou para a possibilidade de vir a pedir ao Tribunal Constitucional para que se pronuncie sobre a suspensão dos subsídios. Não o fará se o Parlamento, durante o debate na especialidade do OE, convergir em eventuais correcções.

Mas, desta vez, Cavaco acabou por ir mais longe do que em Janeiro, quando, enquanto candidato à Presidência, admitiu ter havido "alguma injustiça" nos cortes salariais na função pública. Nessa altura já o OE para 2011 estava aprovado. E se houve um pedido de fiscalização da constitucionalidade da medida ao TC, não foi feito pelo Presidente (ver página ao lado).

Ao sublinhar que um corte salarial para certos grupos consiste num "imposto" e reiterando que "há limites para os sacrifícios que podem ser pedidos aos portugueses", Cavaco dava continuidade a ideias que salientara na sua intervenção no congresso. Nomeadamente a de que o eventual "sucesso" do programa de assistência financeira exige, sem contemplações, a necessidade de impedir que os portugueses percepcionem uma "injusta distribuição dos sacrifícios". "É necessário evitar que cresça na sociedade portuguesa o sentimento de que é injusta a distribuição dos sacrifícios, que se exige relativamente menos aos que têm maior capacidade contributiva do que a muitos outros com rendimentos mais baixos". Isto terá de ser evitado "a todo o custo", enfatizou, alertando os decisores políticos para não descurarem esta questão. "As injustiças semeiam a descrença nas instituições e minam a coesão social", avisou.

Mas Cavaco apontou ainda outra situação que o Governo (afinal, o seu interlocutor) deverá "evitar a todo o custo": a propagação da ideia de que não foi feito tudo o que era exequível para "dinamizar a economia e combater o desemprego". Sem colocar em causa o cumprimento das metas orçamentais, o Presidente entende que a concentração neste objectivo não deve "afectar" a prossecução de reformas previstas no acordo com a troika, a implantação de iniciativas que promovam o cariz competitivo das empresas e a meta de aumentar a taxa de crescimento da economia. "É crucial conjugar a dimensão orçamental com medidas destinadas a criar condições propícias ao crescimento", realçou.

Ao longo de todo o dia o Governo manteve-se silencioso: o gabinete do primeiro-ministro fez circular, por todo o executivo, a indicação de que ninguém deveria comentar as palavras de Cavaco Silva. A excepção veio do ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, que, no mesmo lugar onde Cavaco falara antes, pediu aos portugueses que percebam a importância dos sacrifícios que têm de ser feitos.

Maioria critica em surdina

Foi com uma grande dose de espanto e alguma incompreensão que as bancadas da maioria ouviram as declarações de Cavaco. "Se Soares é socialista, republicano e laico, Cavaco é Presidente, funcionário e pensionista", dizia ontem um deputado da maioria. A referência aos pensionistas caiu mal entre alguns democratas-cristãos, que lembraram que Cavaco tem uma reforma do Banco de Portugal que ficou de fora dos cortes anunciados. Na bancada "laranja", outro deputado admitiu que o discurso pode ser um aviso para exterior, mas nesta altura "era dispensável". Quanto às interpretações, a mesma fonte ironizou: "Temos de esperar para ver as explicações no Facebook."

Oficialmente, o PSD reagiu através do líder parlamentar, Luís Montenegro: "Se Portugal não cumprir compromissos, isso, sim, põe em causa a equidade fiscal, ao não assegurar serviços públicos e cortar salários e pensões." Mas admitiu haver disponibilidade para alterações, desde que se cumpram os objectivos traçados. Também o líder parlamentar do CDS-PP, Nuno Magalhães, se mostra disponível para discutir "propostas construtivas" e lembrou que foi a sua bancada que propôs que os políticos com subvenções vitalícias não fiquem de fora dos sacrifícios. Quanto ao discurso de Cavaco, nem uma palavra.

O melhor do Público no email Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Subscrever ×

Seguro fala em "fractura"

O único partido que parece ter ficado satisfeito com a intervenção presidencial foi o PS. Em Madrid, António José Seguro regozijou-se: "Verifico com agrado que o senhor Presidente da República tem seguido as minhas declarações em relação ao OE. O meu desejo é que o senhor primeiro-ministro faça o mesmo." Ao PÚBLICO acrescentou que "o Governo, com a apresentação deste Orçamento, está a introduzir uma fractura política e social no país, quando o momento exigia coesão nacional e distribuição de equilíbrios de uma forma justa". Sobre a suspensão dos subsídios de férias e Natal sublinhou tratar-se de "escolhas políticas". "A questão é saber se a medida é justa ou injusta", acrescentou. A seu ver, é "injusta e violenta, pois afecta apenas os funcionários públicos e debilita a classe média", disse ao

No Parlamento, os socialistas usaram o discurso do Presidente como arma de arremesso contra o Governo. António Braga citou Cavaco no plenário como mais uma voz que denunciava a falta de políticas de crescimento no OE. E António Rodrigues apontou à maioria: "Era um recado para os próprios PSD e CDS. Já que foi tão simpático no passado - foi mais muleta - com o PSD e CDS, é de esperar que esses partidos agora façam o mesmo."

Luís Fazenda (BE) também cavalgou a onda. "O Presidente já não está nessa", disse, referindo-se ao "plano de austeridade". Já o líder parlamentar comunista, Bernardino Soares, prometeu avançar com a pura eliminação da proposta de corte dos subsídios.

Presidente pediu repartição de sacrifícios. Incomodou a maioria, mas incentivou o PS, que vai propor alterações aos cortes na função pública

Quando o Presidente da República afirmou ontem que a suspensão dos subsídios de férias e de Natal para os funcionários públicos configura uma "violação de um princípio básico de equidade fiscal" previsto na Constituição, naquele que foi o primeiro comentário a uma das propostas do Orçamento do Estado (OE) para 2012, estava a dar um sinal ao Parlamento. Ao que o PÚBLICO apurou, Cavaco Silva pretendeu advertir os partidos com assento parlamentar de que deverão ser realizadas alterações ao documento. Se com isso incomodou a maioria, deu um empurrão ao PS, que já prepara propostas alternativas à suspensão dos subsídios da função pública.

As declarações de Cavaco à saída do IV Congresso Internacional dos Economistas, em Lisboa, traduziram uma iniciativa preventiva do Presidente. Desta forma, alertou para a possibilidade de vir a pedir ao Tribunal Constitucional para que se pronuncie sobre a suspensão dos subsídios. Não o fará se o Parlamento, durante o debate na especialidade do OE, convergir em eventuais correcções.

Mas, desta vez, Cavaco acabou por ir mais longe do que em Janeiro, quando, enquanto candidato à Presidência, admitiu ter havido "alguma injustiça" nos cortes salariais na função pública. Nessa altura já o OE para 2011 estava aprovado. E se houve um pedido de fiscalização da constitucionalidade da medida ao TC, não foi feito pelo Presidente (ver página ao lado).

Ao sublinhar que um corte salarial para certos grupos consiste num "imposto" e reiterando que "há limites para os sacrifícios que podem ser pedidos aos portugueses", Cavaco dava continuidade a ideias que salientara na sua intervenção no congresso. Nomeadamente a de que o eventual "sucesso" do programa de assistência financeira exige, sem contemplações, a necessidade de impedir que os portugueses percepcionem uma "injusta distribuição dos sacrifícios". "É necessário evitar que cresça na sociedade portuguesa o sentimento de que é injusta a distribuição dos sacrifícios, que se exige relativamente menos aos que têm maior capacidade contributiva do que a muitos outros com rendimentos mais baixos". Isto terá de ser evitado "a todo o custo", enfatizou, alertando os decisores políticos para não descurarem esta questão. "As injustiças semeiam a descrença nas instituições e minam a coesão social", avisou.

Mas Cavaco apontou ainda outra situação que o Governo (afinal, o seu interlocutor) deverá "evitar a todo o custo": a propagação da ideia de que não foi feito tudo o que era exequível para "dinamizar a economia e combater o desemprego". Sem colocar em causa o cumprimento das metas orçamentais, o Presidente entende que a concentração neste objectivo não deve "afectar" a prossecução de reformas previstas no acordo com a troika, a implantação de iniciativas que promovam o cariz competitivo das empresas e a meta de aumentar a taxa de crescimento da economia. "É crucial conjugar a dimensão orçamental com medidas destinadas a criar condições propícias ao crescimento", realçou.

Ao longo de todo o dia o Governo manteve-se silencioso: o gabinete do primeiro-ministro fez circular, por todo o executivo, a indicação de que ninguém deveria comentar as palavras de Cavaco Silva. A excepção veio do ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, que, no mesmo lugar onde Cavaco falara antes, pediu aos portugueses que percebam a importância dos sacrifícios que têm de ser feitos.

Maioria critica em surdina

Foi com uma grande dose de espanto e alguma incompreensão que as bancadas da maioria ouviram as declarações de Cavaco. "Se Soares é socialista, republicano e laico, Cavaco é Presidente, funcionário e pensionista", dizia ontem um deputado da maioria. A referência aos pensionistas caiu mal entre alguns democratas-cristãos, que lembraram que Cavaco tem uma reforma do Banco de Portugal que ficou de fora dos cortes anunciados. Na bancada "laranja", outro deputado admitiu que o discurso pode ser um aviso para exterior, mas nesta altura "era dispensável". Quanto às interpretações, a mesma fonte ironizou: "Temos de esperar para ver as explicações no Facebook."

Oficialmente, o PSD reagiu através do líder parlamentar, Luís Montenegro: "Se Portugal não cumprir compromissos, isso, sim, põe em causa a equidade fiscal, ao não assegurar serviços públicos e cortar salários e pensões." Mas admitiu haver disponibilidade para alterações, desde que se cumpram os objectivos traçados. Também o líder parlamentar do CDS-PP, Nuno Magalhães, se mostra disponível para discutir "propostas construtivas" e lembrou que foi a sua bancada que propôs que os políticos com subvenções vitalícias não fiquem de fora dos sacrifícios. Quanto ao discurso de Cavaco, nem uma palavra.

O melhor do Público no email Subscreva gratuitamente as newsletters e receba o melhor da actualidade e os trabalhos mais profundos do Público. Subscrever ×

Seguro fala em "fractura"

O único partido que parece ter ficado satisfeito com a intervenção presidencial foi o PS. Em Madrid, António José Seguro regozijou-se: "Verifico com agrado que o senhor Presidente da República tem seguido as minhas declarações em relação ao OE. O meu desejo é que o senhor primeiro-ministro faça o mesmo." Ao PÚBLICO acrescentou que "o Governo, com a apresentação deste Orçamento, está a introduzir uma fractura política e social no país, quando o momento exigia coesão nacional e distribuição de equilíbrios de uma forma justa". Sobre a suspensão dos subsídios de férias e Natal sublinhou tratar-se de "escolhas políticas". "A questão é saber se a medida é justa ou injusta", acrescentou. A seu ver, é "injusta e violenta, pois afecta apenas os funcionários públicos e debilita a classe média", disse ao

No Parlamento, os socialistas usaram o discurso do Presidente como arma de arremesso contra o Governo. António Braga citou Cavaco no plenário como mais uma voz que denunciava a falta de políticas de crescimento no OE. E António Rodrigues apontou à maioria: "Era um recado para os próprios PSD e CDS. Já que foi tão simpático no passado - foi mais muleta - com o PSD e CDS, é de esperar que esses partidos agora façam o mesmo."

Luís Fazenda (BE) também cavalgou a onda. "O Presidente já não está nessa", disse, referindo-se ao "plano de austeridade". Já o líder parlamentar comunista, Bernardino Soares, prometeu avançar com a pura eliminação da proposta de corte dos subsídios.

marcar artigo