A arte de saber estar no sítio certo à hora certa

26-12-2011
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Garrett McNamara terá surfado na Praia do Norte a maior onda de sempre. Foi há um mês. O mar da Nazaré fez justiça a um homem cujas rotinas diárias são dominadas pela necessidade de se preparar para aqueles momentos

Ele bem nos diz que foi abençoado, que a onda veio ter com ele, que nem era para surfar nesse dia. Chega até a confidenciar que um chamamento da natureza o levara a despir-se parcialmente dentro de água minutos antes do momento que pode ficar para a história do surf mundial. Mas quem conhece Garrett McNamara e a sua paixão pelos oceanos sabe que nada disto pode ter sido fruto do acaso. No dia 1 de Novembro, ele apanhou, na Praia do Norte, Nazaré, uma onda cuja altura está estimada em cerca de 27,5 metros (90 pés). Será recorde mundial. E não foi sorte.

Garrett vive de e para o mar, de e para o surf de ondas grandes. É claro que ninguém pode adivinhar quando e como se formará uma onda ciclópica como a que apareceu nesse dia. Principalmente na Praia do Norte, onde o mar é "misterioso e imprevisível". Mas é preciso estar lá quando a oportunidade aparece e ter o talento e coragem para a aproveitar. McNamara estava lá. Porque ele está lá sempre.

Já passaram vários dias sobre o momento mágico da sua campanha de 2011 na Nazaré, onde está a levar a cabo um plano de três anos que culminará em 2012 com a entrada da Nazaré no calendário internacional de provas de ondas grandes. Mas o restaurante do hotel onde o surfista havaiano está instalado parece um centro de imprensa. Entra e sai gente, ligam-se câmaras e microfones, compõe-se o cenário, repetem-se perguntas. Mas nunca as respostas: McNamara tem sempre qualquer coisa de diferente, de novo, para contar.

E estes são dias atípicos, porque a comoção mundial à volta da que pode ser a maior onda jamais surfada alterou as suas rotinas. "Hoje de manhã acordei e já me reconheci ao espelho", brinca, "mas nas duas noites anteriores mal preguei olho, por causa dos compromissos com fusos horários diferentes..." Neste dia em particular, apesar de uma deslocação ao farol da Nazaré para avaliar as condições, Garrett não entrará no mar. E são muito poucos os dias em que isto sucede. Porque é só nisso que ele pensa.

"Decidimos que eu ficaria aqui no hotel porque posso ver as ondas assim que me levanto", revela, explicando por que mudou de poiso para mais estes dois meses de presença na Nazaré, onde esteve até ao final de Novembro. No ano passado, ele ficou no centro da vila, agora vê-a de cima, do alto da falésia. A vista é, de facto, magnífica. Lá ao fundo, a mítica onda da Praia do Norte brinca com os olhares curiosos, escondendo-se atrás do promontório. Percebe-se que é muito mais alta e poderosa do que as que dão à costa nas praias da Nazaré, mas o facto de jogar às escondidas só prova o que McNamara confirmará mais tarde: está "pequena", talvez só uns cinco/seis metros... Quando cresce, não há como não a ver.

Preparação meticulosa

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McNamara talvez até exagere no pormenor de analisar as condições do mar assim que se levanta. Não que não olhe para lá, mas ele levanta-se tão cedo que só mesmo a luz da lua lhe permitirá ver o que quer que seja. Os dias, para ele (e para Nicole, a sua assistente e namorada), começam às cinco da manhã. "Acordamos, fazemos alongamentos, lemos um para o outro, meditamos. Depois vou correr pela praia, pelas colinas. E a seguir, sempre que o mar estiver de feição, saio para as ondas. Ou então faço trabalho de ginásio."

Graças a previsões meteorológicas apuradas (e também aos dados facultados pelos sensores do Instituto Hidrográfico da Marinha colocados na zona do Canhão da Nazaré, o desfiladeiro submarino que canaliza a ondulação mesmo na direcção da Praia do Norte) e um instinto treinado por anos e anos de mar, Garrett pode programar as suas saídas com cerca de 48 horas de antecedência. Já se enganou e as ondas, afinal, não apareceram. Mas ele está lá sempre, à espera delas. E antes preparou tudo - o fato, as pranchas, as motos de água, as cordas, as rotinas e a organização da equipa - ao detalhe, com a meticulosidade dos obcecados... e dos profissionais que sabem que a sua vida pode estar à mercê do mínimo erro.

Muito do resto do tempo é passado em contactos com a imprensa ou com entidades que ajudam os seus projectos a ganhar forma. Mas também a viver a vida da Nazaré, a vila piscatória que agora abraça a fama mundial no mundo do surf. Garrett tem participado em visitas a empresas ou escolas, a convite do município, onde fala da importância de definir objectivos e trabalhar para os alcançar. As coisas não caem do céu, salienta, passando uma mensagem que está nos antípodas da tradicional imagem cool do surfista "Tásse bem".

No meio destas rotinas, há outra que McNamara não dispensa. Todos os dias, faça chuva ou sol, com ondas ou sem, ruma ao mesmo restaurante para almoço e jantar. Já é da casa. Até lhe preparam especialidades que não estão na ementa. Tudo para o deixar feliz e cheio de energia. Ele paga com sorrisos e, claro, com a propaganda que faz da Nazaré por esse mundo fora. Enquanto se espera a confirmação oficial do recorde do mundo, vão chegando apoios de peso. Assim que viu as filmagens de 1 de Novembro, Kelly Slatter, o 11 vezes campeão mundial de surf (e também adepto fiel da Praia do Norte), foi taxativo: "Ó meu Deus! É a maior onda que já vi!" Ele sabe do que fala.

Garrett McNamara terá surfado na Praia do Norte a maior onda de sempre. Foi há um mês. O mar da Nazaré fez justiça a um homem cujas rotinas diárias são dominadas pela necessidade de se preparar para aqueles momentos

Ele bem nos diz que foi abençoado, que a onda veio ter com ele, que nem era para surfar nesse dia. Chega até a confidenciar que um chamamento da natureza o levara a despir-se parcialmente dentro de água minutos antes do momento que pode ficar para a história do surf mundial. Mas quem conhece Garrett McNamara e a sua paixão pelos oceanos sabe que nada disto pode ter sido fruto do acaso. No dia 1 de Novembro, ele apanhou, na Praia do Norte, Nazaré, uma onda cuja altura está estimada em cerca de 27,5 metros (90 pés). Será recorde mundial. E não foi sorte.

Garrett vive de e para o mar, de e para o surf de ondas grandes. É claro que ninguém pode adivinhar quando e como se formará uma onda ciclópica como a que apareceu nesse dia. Principalmente na Praia do Norte, onde o mar é "misterioso e imprevisível". Mas é preciso estar lá quando a oportunidade aparece e ter o talento e coragem para a aproveitar. McNamara estava lá. Porque ele está lá sempre.

Já passaram vários dias sobre o momento mágico da sua campanha de 2011 na Nazaré, onde está a levar a cabo um plano de três anos que culminará em 2012 com a entrada da Nazaré no calendário internacional de provas de ondas grandes. Mas o restaurante do hotel onde o surfista havaiano está instalado parece um centro de imprensa. Entra e sai gente, ligam-se câmaras e microfones, compõe-se o cenário, repetem-se perguntas. Mas nunca as respostas: McNamara tem sempre qualquer coisa de diferente, de novo, para contar.

E estes são dias atípicos, porque a comoção mundial à volta da que pode ser a maior onda jamais surfada alterou as suas rotinas. "Hoje de manhã acordei e já me reconheci ao espelho", brinca, "mas nas duas noites anteriores mal preguei olho, por causa dos compromissos com fusos horários diferentes..." Neste dia em particular, apesar de uma deslocação ao farol da Nazaré para avaliar as condições, Garrett não entrará no mar. E são muito poucos os dias em que isto sucede. Porque é só nisso que ele pensa.

"Decidimos que eu ficaria aqui no hotel porque posso ver as ondas assim que me levanto", revela, explicando por que mudou de poiso para mais estes dois meses de presença na Nazaré, onde esteve até ao final de Novembro. No ano passado, ele ficou no centro da vila, agora vê-a de cima, do alto da falésia. A vista é, de facto, magnífica. Lá ao fundo, a mítica onda da Praia do Norte brinca com os olhares curiosos, escondendo-se atrás do promontório. Percebe-se que é muito mais alta e poderosa do que as que dão à costa nas praias da Nazaré, mas o facto de jogar às escondidas só prova o que McNamara confirmará mais tarde: está "pequena", talvez só uns cinco/seis metros... Quando cresce, não há como não a ver.

Preparação meticulosa

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McNamara talvez até exagere no pormenor de analisar as condições do mar assim que se levanta. Não que não olhe para lá, mas ele levanta-se tão cedo que só mesmo a luz da lua lhe permitirá ver o que quer que seja. Os dias, para ele (e para Nicole, a sua assistente e namorada), começam às cinco da manhã. "Acordamos, fazemos alongamentos, lemos um para o outro, meditamos. Depois vou correr pela praia, pelas colinas. E a seguir, sempre que o mar estiver de feição, saio para as ondas. Ou então faço trabalho de ginásio."

Graças a previsões meteorológicas apuradas (e também aos dados facultados pelos sensores do Instituto Hidrográfico da Marinha colocados na zona do Canhão da Nazaré, o desfiladeiro submarino que canaliza a ondulação mesmo na direcção da Praia do Norte) e um instinto treinado por anos e anos de mar, Garrett pode programar as suas saídas com cerca de 48 horas de antecedência. Já se enganou e as ondas, afinal, não apareceram. Mas ele está lá sempre, à espera delas. E antes preparou tudo - o fato, as pranchas, as motos de água, as cordas, as rotinas e a organização da equipa - ao detalhe, com a meticulosidade dos obcecados... e dos profissionais que sabem que a sua vida pode estar à mercê do mínimo erro.

Muito do resto do tempo é passado em contactos com a imprensa ou com entidades que ajudam os seus projectos a ganhar forma. Mas também a viver a vida da Nazaré, a vila piscatória que agora abraça a fama mundial no mundo do surf. Garrett tem participado em visitas a empresas ou escolas, a convite do município, onde fala da importância de definir objectivos e trabalhar para os alcançar. As coisas não caem do céu, salienta, passando uma mensagem que está nos antípodas da tradicional imagem cool do surfista "Tásse bem".

No meio destas rotinas, há outra que McNamara não dispensa. Todos os dias, faça chuva ou sol, com ondas ou sem, ruma ao mesmo restaurante para almoço e jantar. Já é da casa. Até lhe preparam especialidades que não estão na ementa. Tudo para o deixar feliz e cheio de energia. Ele paga com sorrisos e, claro, com a propaganda que faz da Nazaré por esse mundo fora. Enquanto se espera a confirmação oficial do recorde do mundo, vão chegando apoios de peso. Assim que viu as filmagens de 1 de Novembro, Kelly Slatter, o 11 vezes campeão mundial de surf (e também adepto fiel da Praia do Norte), foi taxativo: "Ó meu Deus! É a maior onda que já vi!" Ele sabe do que fala.

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