"Muitas vezes me sinto sozinho a puxar pelas energias do país"

30-12-2012
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Sócratesinsistiu na "tarefa" exigidaaos políticos em tempos de crise: "Dar confiança" em vez de andarem com "discursos catastrofistas"

"Nem as conheço", começou por dizer o primeiro-ministro, José Sócrates, das acutilantes declarações do Presidente da República, Cavaco Silva. E, contudo, no debate de ontem, na Assembleia da República, o chefe de Governo não se cansou de atacar as "vozes catastrofistas" que, em vez de "dar confiança" ao país, andavam obcecados com os sinais negativos da economia.

O tema escolhido por Sócrates para o debate quinzenal fora o desenvolvimento económico. Horas antes, no jantar que encerrava o primeiro dia do seu Roteiro para a Juventude, Cavaco antecipou-se e bateu forte no Governo. Pegou na "situação económica insustentável" para dizer que os sinais de alerta de um desastre à espera de acontecer estavam, há muito, à vista de todos. "Chegaria o dia em que alguém seria chamado a pagar a factura", criticou o chefe de Estado. Avisou que o Estado não estaria, tão cedo, em condições de "conduzir uma política expansionista" capaz de puxar pelo desenvolvimento, confessou recear que o crédito viesse a faltar às empresas" e sugeriu a quem o ouvia que exigissem ao Estado que não exorbitasse "excessivamente" as suas funções (ver caixa).

O primeiro-ministro recusou-se a comentar Cavaco Silva, mas, perante a insistência dos jornalistas, no final do debate quinzenal, deixou escapar um desabafo: "Muitas vezes me sinto sozinho a puxar pelas energias do país." Ficava assim dada a resposta ao cenário negro traçado pelo chefe de Estado. Uma resposta que foi sendo dada ao longo de todo o debate. Aproveitando as críticas da oposição, Sócrates insurgiu-se, por mais de uma vez, contra os "discursos catastrofistas" que não viam os sinais da "recuperação da economia" nos últimos quatro meses. "Foram os trabalhadores e as empresas portuguesas que levaram ao aumento das exportações", lembrou o primeiro-ministro, para depois defender que esse esforço merecia "ser elogiado e não diminuído e apoucado".

Falar de "sinais negativos" era colocar em perigo esse esforço: "O que há a fazer é dar uma palavra de confiança aos portugueses, que bem merecem", insistiu.

As novas medidas relacionadas com a execução do QREN eram também uma forma de apoiar esse empenho. Sócrates anunciou uma "nova linha de crédito no valor global de 700 milhões de euros" de apoio a empresas que, tendo já recorrido a financiamento comunitário, se viam agora em dificuldades para avançar com os seus projectos "face à nova situação de mercado e de crédito". Prometeu lançar também dois novos concursos - com 150 milhões de euros - "para financiar novos projectos de internacionalização e projectos de investigação e desenvolvimento". E falou da abertura de uma nova linha de investimento para a qualificação das escolas do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico, representando outros 100 milhões de euros no QREN.

Ironicamente, Sócrates citou "três indicadores" para defender a ideia de que a economia dava agora "importantes sinais de recuperação". Falou no crescimento do PIB, das exportações e do IVA. Na noite anterior, Cavaco citara "três variáveis" apenas para fazer crer que as pistas para o mau estado da economia já existiam há muito. Dois países diferentes separados por algumas horas. Onde Cavaco via um país a precisar de contas vigiadas, Sócrates entrevia um "Estado a fazer o seu dever no campo orçamental", com mais receitas angariadas e menos despesas efectuadas.

PSD pede cortes na despesa

Após a intervenção inicial do primeiro-ministro, o líder parlamentar do PSD dedicou-se à análise da execução orçamental, acusando o Governo de ser "laxista" nas medidas de contenção da despesa do Estado. "Do lado da receita, o saldo é positivo, mas do lado da despesa aumentou muito acima do previsto", frisou Miguel Macedo. E ilustrou com números: um aumento de 4,8 por cento na despesa corrente primária, "que é onde está a desperdício do Estado", afirmou.

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"Não acha que é tempo de o Governo exigir do Estado que dê o exemplo e faça cortes sérios na despesa inútil, acabando com institutos, com serviços públicos e departamentos, a começar pelos gabinetes do Governo e pelos seus múltiplos assessores?", questionou Macedo.

Sócrates desembolsou outros números: "Do lado da despesa, de Janeiro a Maio, um crescimento de 1,3 pontos quando o que está no orçamento é 2,7", disse. E exibiu a "folga orçamental" na receita: cinco por cento acima do previsto, 1500 milhões de euros. Macedo ainda teve tempo para perguntar ao primeiro-ministro se o Governo ia usar a golden share que detém na Portugal Telecom e dar indicação de voto à Caixa Geral de Depósitos para votar contra a venda de metade da brasileira Vivo à espanhola Telefónica. Que sim, reafirmou Sócrates, porque, "para o Governo, o mais importante é ter uma empresa de telecomunicações e tecnologia de dimensão internacional". Mas não sem antes devolver a questão ao maior partido da oposição: "O PSD não se deve dispensar de apresentar também a sua posição".

Por seu lado, o líder do PCP, Jerónimo de Sousa, confrontou o primeiro-ministro com o aumento do número de milionários em Portugal em plena crise. "Como é que resolve esta contradição? No momento em que se cria mais fortuna nas mãos daqueles que sempre a tiveram, este Governo vai cortar em quem menos tem e menos pode, aos trabalhadores, aos desempregados e reformados", perguntou. "Não se pode confundir confiança com ilusão. E o que senhor tem feito é mais praticar números de ilusionismo". com Tânia Marques

Sócratesinsistiu na "tarefa" exigidaaos políticos em tempos de crise: "Dar confiança" em vez de andarem com "discursos catastrofistas"

"Nem as conheço", começou por dizer o primeiro-ministro, José Sócrates, das acutilantes declarações do Presidente da República, Cavaco Silva. E, contudo, no debate de ontem, na Assembleia da República, o chefe de Governo não se cansou de atacar as "vozes catastrofistas" que, em vez de "dar confiança" ao país, andavam obcecados com os sinais negativos da economia.

O tema escolhido por Sócrates para o debate quinzenal fora o desenvolvimento económico. Horas antes, no jantar que encerrava o primeiro dia do seu Roteiro para a Juventude, Cavaco antecipou-se e bateu forte no Governo. Pegou na "situação económica insustentável" para dizer que os sinais de alerta de um desastre à espera de acontecer estavam, há muito, à vista de todos. "Chegaria o dia em que alguém seria chamado a pagar a factura", criticou o chefe de Estado. Avisou que o Estado não estaria, tão cedo, em condições de "conduzir uma política expansionista" capaz de puxar pelo desenvolvimento, confessou recear que o crédito viesse a faltar às empresas" e sugeriu a quem o ouvia que exigissem ao Estado que não exorbitasse "excessivamente" as suas funções (ver caixa).

O primeiro-ministro recusou-se a comentar Cavaco Silva, mas, perante a insistência dos jornalistas, no final do debate quinzenal, deixou escapar um desabafo: "Muitas vezes me sinto sozinho a puxar pelas energias do país." Ficava assim dada a resposta ao cenário negro traçado pelo chefe de Estado. Uma resposta que foi sendo dada ao longo de todo o debate. Aproveitando as críticas da oposição, Sócrates insurgiu-se, por mais de uma vez, contra os "discursos catastrofistas" que não viam os sinais da "recuperação da economia" nos últimos quatro meses. "Foram os trabalhadores e as empresas portuguesas que levaram ao aumento das exportações", lembrou o primeiro-ministro, para depois defender que esse esforço merecia "ser elogiado e não diminuído e apoucado".

Falar de "sinais negativos" era colocar em perigo esse esforço: "O que há a fazer é dar uma palavra de confiança aos portugueses, que bem merecem", insistiu.

As novas medidas relacionadas com a execução do QREN eram também uma forma de apoiar esse empenho. Sócrates anunciou uma "nova linha de crédito no valor global de 700 milhões de euros" de apoio a empresas que, tendo já recorrido a financiamento comunitário, se viam agora em dificuldades para avançar com os seus projectos "face à nova situação de mercado e de crédito". Prometeu lançar também dois novos concursos - com 150 milhões de euros - "para financiar novos projectos de internacionalização e projectos de investigação e desenvolvimento". E falou da abertura de uma nova linha de investimento para a qualificação das escolas do 2.º e 3.º ciclo do ensino básico, representando outros 100 milhões de euros no QREN.

Ironicamente, Sócrates citou "três indicadores" para defender a ideia de que a economia dava agora "importantes sinais de recuperação". Falou no crescimento do PIB, das exportações e do IVA. Na noite anterior, Cavaco citara "três variáveis" apenas para fazer crer que as pistas para o mau estado da economia já existiam há muito. Dois países diferentes separados por algumas horas. Onde Cavaco via um país a precisar de contas vigiadas, Sócrates entrevia um "Estado a fazer o seu dever no campo orçamental", com mais receitas angariadas e menos despesas efectuadas.

PSD pede cortes na despesa

Após a intervenção inicial do primeiro-ministro, o líder parlamentar do PSD dedicou-se à análise da execução orçamental, acusando o Governo de ser "laxista" nas medidas de contenção da despesa do Estado. "Do lado da receita, o saldo é positivo, mas do lado da despesa aumentou muito acima do previsto", frisou Miguel Macedo. E ilustrou com números: um aumento de 4,8 por cento na despesa corrente primária, "que é onde está a desperdício do Estado", afirmou.

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"Não acha que é tempo de o Governo exigir do Estado que dê o exemplo e faça cortes sérios na despesa inútil, acabando com institutos, com serviços públicos e departamentos, a começar pelos gabinetes do Governo e pelos seus múltiplos assessores?", questionou Macedo.

Sócrates desembolsou outros números: "Do lado da despesa, de Janeiro a Maio, um crescimento de 1,3 pontos quando o que está no orçamento é 2,7", disse. E exibiu a "folga orçamental" na receita: cinco por cento acima do previsto, 1500 milhões de euros. Macedo ainda teve tempo para perguntar ao primeiro-ministro se o Governo ia usar a golden share que detém na Portugal Telecom e dar indicação de voto à Caixa Geral de Depósitos para votar contra a venda de metade da brasileira Vivo à espanhola Telefónica. Que sim, reafirmou Sócrates, porque, "para o Governo, o mais importante é ter uma empresa de telecomunicações e tecnologia de dimensão internacional". Mas não sem antes devolver a questão ao maior partido da oposição: "O PSD não se deve dispensar de apresentar também a sua posição".

Por seu lado, o líder do PCP, Jerónimo de Sousa, confrontou o primeiro-ministro com o aumento do número de milionários em Portugal em plena crise. "Como é que resolve esta contradição? No momento em que se cria mais fortuna nas mãos daqueles que sempre a tiveram, este Governo vai cortar em quem menos tem e menos pode, aos trabalhadores, aos desempregados e reformados", perguntou. "Não se pode confundir confiança com ilusão. E o que senhor tem feito é mais praticar números de ilusionismo". com Tânia Marques

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