Cinema Notebook: Sicko (2007)

24-01-2012
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Em "Sicko", Michael Moore não sorri nem faz cara de muitos amigos por uma única vez. Cansado de remar contra a maré, mas sem nunca desistir, Moore volta a provocar um golpe doloroso na sua nação, aquela que se auto-intitula de exemplo global a vários níveis. Excessivo, polémico e até por vezes estulto, Moore ataca como só ele sabe o sistema de saúde norte-americano, numa odisseia bem menos complicada do que as anteriores, ou não fosse o seu alvo as seguradoras médicas, autênticas sanguessugas de maximização de lucros, dê por onde der, facto facilmente reconhecido por milhões de americanos, independentemente da sua ideologia política."O que se passa connosco?", pergunta Moore. Como é possível que uma simples ponte (uma das muitas que faz a ligação entre os EUA e o Canadá) provoque que uma mesma operação que custa 60 mil dólares em território norte-americano, passe para os assustadores... zero dólares em apenas algumas centenas de metros de distância. Ou que o mesmo medicamento custe centenas de dólares nas farmácias norte-americanas, quando em Cuba custa 5 cêntimos. Como é exequível tanta artimanha por parte das seguradoras na altura de pagar tratamentos dispendiosos? E por aí adiante, num vasto rol de actos indecorosos, que desonram e desacreditam qualquer sistema nacional de saúde.Com a preocupação de factualizar tudo o que apresenta, em vídeo ou no seu website, de modo a não voltar a ser alvo fácil da direita norte-americana, Moore não assina mesmo assim em "Sicko" a sua melhor obra. Isto porque falta-lhe a audácia de enfrentar cara-a-cara o peixe graúdo, tal como havia feito arrebatadoramente em "Bowling for Columbine" ou "Fahrenheit 9/11". Mas desengane-se quem pensa com isto que o "Capitão Mike" não nos presenteou com novo golpe de génio: quando um velho inimigo, com site exclusivo de ataque pessoal a Moore, lamenta ter que encerrar o seu site para poupar uns trocos de modo a conseguir pagar a cara operação à sua esposa - cerca de 12 mil dólares -, Moore envia-lhe um cheque anónimo com essa mesma quantia. O seu arqui-inimigo agradece-lhe, chama-o de "anjo da guarda" e critica publicamente essa ser a única maneira de salvar a sua companheira de uma morte certa. No filme, Moore mostra a fotocópia do cheque, e demonstra que bastava ao seu "admirador" viver em qualquer país europeu, no Canadá ou mesmo em Cuba para não ter que pagar um único centavo pela mesma cirurgia.E é este estilo peculiar e incisivo, que muitas vezes roça uma genialidade socialista quase comunista, que irrita quase toda a direita, em qualquer parte do mundo. Em Portugal, por exemplo, vemos sempre os mesmos nos jornais, obra após obra, a corrê-lo com bolas negras. De "palhaço político em guerra primária ideológica", ao estanho facto de o realizador que "apenas" foi o autor de três dos cinco documentários mais vistos em todo o mundo só conseguir duas salas em terras lusas, uma coisa é certa: algo de errado se passa quando o que é analisado cinematograficamente é sua posição ideológica e não a sua sagacidade, inteligência e astúcia em comunicar o que pretende, através da sua câmara. Porque mais do que um indispensável guerreiro social e político, Moore é um realizador portentoso e provocador.


Em "Sicko", Michael Moore não sorri nem faz cara de muitos amigos por uma única vez. Cansado de remar contra a maré, mas sem nunca desistir, Moore volta a provocar um golpe doloroso na sua nação, aquela que se auto-intitula de exemplo global a vários níveis. Excessivo, polémico e até por vezes estulto, Moore ataca como só ele sabe o sistema de saúde norte-americano, numa odisseia bem menos complicada do que as anteriores, ou não fosse o seu alvo as seguradoras médicas, autênticas sanguessugas de maximização de lucros, dê por onde der, facto facilmente reconhecido por milhões de americanos, independentemente da sua ideologia política."O que se passa connosco?", pergunta Moore. Como é possível que uma simples ponte (uma das muitas que faz a ligação entre os EUA e o Canadá) provoque que uma mesma operação que custa 60 mil dólares em território norte-americano, passe para os assustadores... zero dólares em apenas algumas centenas de metros de distância. Ou que o mesmo medicamento custe centenas de dólares nas farmácias norte-americanas, quando em Cuba custa 5 cêntimos. Como é exequível tanta artimanha por parte das seguradoras na altura de pagar tratamentos dispendiosos? E por aí adiante, num vasto rol de actos indecorosos, que desonram e desacreditam qualquer sistema nacional de saúde.Com a preocupação de factualizar tudo o que apresenta, em vídeo ou no seu website, de modo a não voltar a ser alvo fácil da direita norte-americana, Moore não assina mesmo assim em "Sicko" a sua melhor obra. Isto porque falta-lhe a audácia de enfrentar cara-a-cara o peixe graúdo, tal como havia feito arrebatadoramente em "Bowling for Columbine" ou "Fahrenheit 9/11". Mas desengane-se quem pensa com isto que o "Capitão Mike" não nos presenteou com novo golpe de génio: quando um velho inimigo, com site exclusivo de ataque pessoal a Moore, lamenta ter que encerrar o seu site para poupar uns trocos de modo a conseguir pagar a cara operação à sua esposa - cerca de 12 mil dólares -, Moore envia-lhe um cheque anónimo com essa mesma quantia. O seu arqui-inimigo agradece-lhe, chama-o de "anjo da guarda" e critica publicamente essa ser a única maneira de salvar a sua companheira de uma morte certa. No filme, Moore mostra a fotocópia do cheque, e demonstra que bastava ao seu "admirador" viver em qualquer país europeu, no Canadá ou mesmo em Cuba para não ter que pagar um único centavo pela mesma cirurgia.E é este estilo peculiar e incisivo, que muitas vezes roça uma genialidade socialista quase comunista, que irrita quase toda a direita, em qualquer parte do mundo. Em Portugal, por exemplo, vemos sempre os mesmos nos jornais, obra após obra, a corrê-lo com bolas negras. De "palhaço político em guerra primária ideológica", ao estanho facto de o realizador que "apenas" foi o autor de três dos cinco documentários mais vistos em todo o mundo só conseguir duas salas em terras lusas, uma coisa é certa: algo de errado se passa quando o que é analisado cinematograficamente é sua posição ideológica e não a sua sagacidade, inteligência e astúcia em comunicar o que pretende, através da sua câmara. Porque mais do que um indispensável guerreiro social e político, Moore é um realizador portentoso e provocador.

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