“Não vou pôr porcaria na ventoinha”. Quem disse isto?

29-12-2014
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Podia ter sido Jerónimo, mas foi Passos Coelho. Usar expressões populares tem sido uma das bengalas discursivas do primeiro-ministro. É "genuíno", dizem. Mas também um trunfo para se fazer ouvir.

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Fazem títulos rápidos nos jornais e ficam no ouvido de toda a gente, prontas para ser disparadas nas conversas de café. Algumas, como as “que se lixem as eleições” ou o “quem se lixa é o mexilhão”, fazem um eco tal que dias e semanas depois ainda se continuam a ouvir dentro e fora das paredes da Assembleia da República. Desde a célebre frase “que se lixem as eleições” à mais recente que não se “lixe o mexilhão”, passando pela “porcaria na ventoinha”, pelos portugueses que são “piegas” ou pelo esforço que nos sai “do lombo”, têm sido várias as expressões mais ou menos felizes usadas por Passos Coelho ao longo destes quase quatro anos à frente do Governo. Mas, afinal, o uso de uma linguagem mais popular trata-se de uma manobra discursiva ou apenas de genuinidade comunicativa do primeiro-ministro?

“Ele é uma pessoa muito genuína”, garante ao Observador Teresa Leal Coelho, vice-presidente do PSD, e um dos nomes mais próximos de Passos no partido, para justificar o recurso frequente a adágios ou expressões populares. “É muito terra a terra, e sempre nos habituou a essa genuinidade, faz parte da sua maneira de ser”, reforça Hugo Soares, deputado e ex-líder da JSD que até à semana passada fazia parte da comissão permanente que reunia regularmente com Passos. A opinião é unânime entre as personalidades próximas do primeiro-ministro ouvidas pelo Observador: não é arma de campanha eleitoral, mas que resulta para a mensagem chegar mais facilmente ao público, “lá isso resulta”.

"Ao contrário do que diz o jargão popular, (...) desta vez quem se lixou não foi o mexilhão" Passos Coelho, 5 de dezembro

A frase mais polémica terá sido a “que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal”. Disse-o no final de julho de 2012, durante o jantar do grupo parlamentar do PSD para assinalar o fim da sessão legislativa, e a frase colou. Colou nos jornais, colou nos ouvidos, colou na memória – até hoje. O ambiente era propício, “cosy” como diz Teresa Leal Coelho, e isso também conta. “Lembro-me muito bem, era um ambiente informal, em que estavam só os deputados num jantar lá em cima no restaurante do Parlamento”, recorda a vice-presidente do PSD, para explicar que o tipo de discurso ou linguagem usada depende sempre do contexto em que é empregue.

Do contexto e do tipo de audiência, acrescenta Isabel Casanova, linguista e professora universitária, contactada pelo Observador. Por mais que o contexto fosse o jantar com os membros e colegas do partido, os jornalistas estavam na sala e dessa forma a audiência era também a população em geral. “Falar como o povo compreende é a melhor forma de transmitir uma mensagem”, afirma a especialista em análise do discurso da Universidade Católica, defendendo que o primeiro-ministro recorre a uma linguagem popular “com o objetivo claro de se fazer compreender e de se aproximar dos eleitores”.

Também a deputada e ex-presidente do PSD Nilza de Sena defende que tudo depende do target e da audiência. Mas mais do que uma característica de Passos Coelho, diz que a linguagem popular é uma característica dos políticos no geral, “de Jerónimo de Sousa ao próprio Paulo Portas”. Não no sentido da propaganda, mas no sentido da aproximação ao cidadão comum.

"Não vou pôr porcaria na ventoinha para assustar os portugueses." Passos Coelho, 11 de julho de 2012

Ainda assim, as personalidades próximas de Passos Coelho com quem o Observador falou recusam os ímpetos eleitoralistas e dizem que a moda das frases populares “não é de agora” (agora que estamos a cerca de nove meses das eleições). “Estávamos a meio da legislatura quando disse ‘que se lixem as eleições’, por isso não era campanha, era mesmo para dizer que ganhar eleições não importa, o que importa é defender o interesse nacional”, defende o deputado Hugo Soares. Uma ideia que, segundo lembra Teresa Leal Coelho, até já tinha sido expressa várias vezes mas de formas diferentes e por diferentes pessoas, “e só quando foi dita desta maneira é que chegou a toda a gente”.

“A minha linguagem é a vossa linguagem”

É a fórmula mágica? Não tanto, mas “é a regra de ouro do discurso”, diz a especialista em análise discursiva ao Observador. “Criar empatia com o ouvinte é uma das regras de ouro do discurso”, afirma, explicando que a melhor forma de criar essa empatia é “ir ao encontro daquilo que se julga ser o ouvinte”. E como no discurso político o ouvinte é sempre o público em geral, “que é um cidadão de classe média e não uma elite intelectual”, o discurso deve ser tanto menos denso quanto mais apelativo.

“A minha linguagem é a vossa linguagem”, é isso que o primeiro-ministro quer mostrar quando usa expressões ou adágios populares nas suas intervenções, afirma Isabel Casanova.

Uns dias antes de mandar “lixar as eleições”, ainda no verão de 2012, Passos teve outra saída que também desencadeou gargalhadas e burburinho nos corredores. “Não vou pôr porcaria na ventoinha [no original, a palavra ‘porcaria’ é substituída por outra mais feia] para assustar os portugueses”, disse durante o debate do Estado da Nação, que é um dos debates mais longos travados no Parlamento. Respondia a uma questão do então deputado do Bloco de Esquerda Francisco Louçã sobre a inconstitucionalidade dos cortes dos subsídios.

"Devemos persistir, ser exigentes, não sermos piegas e ter pena dos alunos, coitadinhos, que sofrem tanto para aprender."

Passos, 6 de fevereiro de 2012

Agora mais recente, foi o caso do mexilhão que se tornou célebre. “Ao contrário do que era o jargão popular de que quem se lixa é o mexilhão, de que são sempre os mesmos (…), desta vez todos contribuíram e contribuiu mais quem tinha mais, disso não há dúvida”, disse Passos em Braga, no encerramento de um seminário sobre Economia Social. Dias depois, o “mexilhão” acabou mesmo por ser o tema central do debate quinzenal com o primeiro-ministro no Parlamento. Afinal o povo é “o mexilhão ou a lagosta?”, questionou a oposição. Passos tinha dado o tiro de partida para começarem os trocadilhos.

No início de dezembro, foi a “Maria vai com as outras”. Também em Braga, no encerramento do congresso da JSD, Passos apontou o dedo ao PS para dizer que, ao contrário dos socialistas, os sociais-democratas não são “uma Maria vai com as outras, ‘digam-me o que quer o povo para eu dizer e fazer'”. E esta quarta-feira voltou à carga, falando das contas e da despesa do Estado como se se estivesse a dirigir a uma criança: “O Estado tem de se portar bem, esteja o Governo ocupado por partidos que são mais gastadores ou mais poupadinhos”, disse, acrescentando que “o Estado já emagreceu, mas precisa ainda de emagrecer um bocadinho mais”. Estava na Ortigosa, em Leiria, num jantar conferência onde estavam cerca de 400 cidadãos da região.

A força dos ditados

A dirigente do PSD Nilza de Sena lembra Jerónimo de Sousa a propósito dos ditados populares, como que dizendo que Passos não é o único a usar esta bengala discursiva. E não é por acaso. É conhecida a destreza com que o secretário-geral comunista recorre a expressões e adágios populares em todas as suas intervenções políticas. Por vezes até inventa quadras ou dá meia volta aos provérbios.

"Costuma-se dizer que quem anda sempre com um martelo na mão, tudo lhe parece um prego (...)"; "Está-nos a sair do lombo, está-nos a sair da pele. Nós sabemos o que tem custado em Portugal cumprir estes objetivos." Passos, 24 de março de 2012

“É mais fácil apanhar um mentiroso do que um deficiente de uma perna”, disse há dois anos, adaptando o provérbio original propositadamente para não usar a palavra “coxo”, que podia ser lida num sentido pejorativo. Uns anos antes tinha-se referido a Paulo Portas dizendo que estava “com um olho no burro e outro no cigano”, o que suscitou críticas pela alegada desconsideração que fizera dos ciganos. Em 2009, numa visita à Bordeira, chegou mesmo a cantar com um grupo folclórico local e a inventar uma quadra inspiradora: “Vocês fazem-me muita inveja/ Do Parlamento eu saía/ Não é por causa da cerveja/ é por causa da vossa alegria”.

O recurso a provérbios nos discursos políticos é, segundo a professora Isabel Casanova, uma das chaves para criar a desejada empatia entre o locutor e a audiência. “Regra geral os ditados rimam e a rima ajuda muito para a mensagem ficar no ouvido”, diz. E acrescenta que o ditado por si só é uma das formas mais eficazes de “concentração de uma mensagem mais ou menos complexa numa frase curta e simples”. A linguista dá mesmo o exemplo do provérbio camponês “não traz nem sol nem eira, nem chuva no nabal”, que por acaso já tinha sido usado por Jerónimo para caracterizar o Orçamento do Estado para 2010, como exemplo de ditado que expressa a ideia do contraditório numa frase curta e sonante. Com mais força, portanto.

É o que faz Passos Coelho, intuitivamente e não para “criar uma imagem pública”, diz Hugo Soares. “Usar expressões que toda a gente usa e que, em política, servem como metáforas e imagens para assuntos mais complexos” é uma forma de se fazer ouvir.

"Todas as dificuldades por que passámos servirão para alguma coisa quando não nos comportarmos como baratas tontas e soubermos bem para onde vamos."

Passos, 25 de julho de 2012

Até o professor Marcelo…até Ferreira Leite

Outra fonte próxima do primeiro-ministro e líder do PSD acrescenta ao Observador que, por norma, os discursos de Passos são densos, “e até nem não gosta muito de simplificar as mensagens”, mas por outro lado, quando comunica mais diretamente com as pessoas “comunica de forma muito frontal”. Para a deputada Nilza de Sena, essa é, aliás, uma característica que tende a ser transversal à classe política no seu todo. A deputada lembra não só Jerónimo e Paulo Portas, como até ex-ministra Manuela Ferreira Leite, “que tende a ter uma imagem mais formal e conservadora” mas que também tinha saídas de linguagem popular. E à memória veio a expressão “vão-se os dedos, ficam os anéis”, usada e citada na altura pela ex-líder social-democrata.

“Até o próprio professor Marcelo [Rebelo de Sousa], que é um académico, usa muitas expressões populares e um tipo de linguagem muito simples para falar para as massas”, diz a deputada do PSD.

Isabel Casanova serve-se do exemplo da Igreja católica para explicar o poder do discurso, já que um padre tem sempre de adaptar a linguagem e o maior ou menor uso de metáforas no discurso se estiver a dar missa numa aldeia ou num seminário com membros da Igreja. “Esse foi precisamente um dos problemas do Papa Bento XVI”, remata a linguista: “Não conseguir nos seus discursos adaptar a linguagem para criar empatia com os ouvintes, por isso a audiência não compreendia as suas palavras e consequentemente não criava ligação com ele”.

Podia ter sido Jerónimo, mas foi Passos Coelho. Usar expressões populares tem sido uma das bengalas discursivas do primeiro-ministro. É "genuíno", dizem. Mas também um trunfo para se fazer ouvir.

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Fazem títulos rápidos nos jornais e ficam no ouvido de toda a gente, prontas para ser disparadas nas conversas de café. Algumas, como as “que se lixem as eleições” ou o “quem se lixa é o mexilhão”, fazem um eco tal que dias e semanas depois ainda se continuam a ouvir dentro e fora das paredes da Assembleia da República. Desde a célebre frase “que se lixem as eleições” à mais recente que não se “lixe o mexilhão”, passando pela “porcaria na ventoinha”, pelos portugueses que são “piegas” ou pelo esforço que nos sai “do lombo”, têm sido várias as expressões mais ou menos felizes usadas por Passos Coelho ao longo destes quase quatro anos à frente do Governo. Mas, afinal, o uso de uma linguagem mais popular trata-se de uma manobra discursiva ou apenas de genuinidade comunicativa do primeiro-ministro?

“Ele é uma pessoa muito genuína”, garante ao Observador Teresa Leal Coelho, vice-presidente do PSD, e um dos nomes mais próximos de Passos no partido, para justificar o recurso frequente a adágios ou expressões populares. “É muito terra a terra, e sempre nos habituou a essa genuinidade, faz parte da sua maneira de ser”, reforça Hugo Soares, deputado e ex-líder da JSD que até à semana passada fazia parte da comissão permanente que reunia regularmente com Passos. A opinião é unânime entre as personalidades próximas do primeiro-ministro ouvidas pelo Observador: não é arma de campanha eleitoral, mas que resulta para a mensagem chegar mais facilmente ao público, “lá isso resulta”.

"Ao contrário do que diz o jargão popular, (...) desta vez quem se lixou não foi o mexilhão" Passos Coelho, 5 de dezembro

A frase mais polémica terá sido a “que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal”. Disse-o no final de julho de 2012, durante o jantar do grupo parlamentar do PSD para assinalar o fim da sessão legislativa, e a frase colou. Colou nos jornais, colou nos ouvidos, colou na memória – até hoje. O ambiente era propício, “cosy” como diz Teresa Leal Coelho, e isso também conta. “Lembro-me muito bem, era um ambiente informal, em que estavam só os deputados num jantar lá em cima no restaurante do Parlamento”, recorda a vice-presidente do PSD, para explicar que o tipo de discurso ou linguagem usada depende sempre do contexto em que é empregue.

Do contexto e do tipo de audiência, acrescenta Isabel Casanova, linguista e professora universitária, contactada pelo Observador. Por mais que o contexto fosse o jantar com os membros e colegas do partido, os jornalistas estavam na sala e dessa forma a audiência era também a população em geral. “Falar como o povo compreende é a melhor forma de transmitir uma mensagem”, afirma a especialista em análise do discurso da Universidade Católica, defendendo que o primeiro-ministro recorre a uma linguagem popular “com o objetivo claro de se fazer compreender e de se aproximar dos eleitores”.

Também a deputada e ex-presidente do PSD Nilza de Sena defende que tudo depende do target e da audiência. Mas mais do que uma característica de Passos Coelho, diz que a linguagem popular é uma característica dos políticos no geral, “de Jerónimo de Sousa ao próprio Paulo Portas”. Não no sentido da propaganda, mas no sentido da aproximação ao cidadão comum.

"Não vou pôr porcaria na ventoinha para assustar os portugueses." Passos Coelho, 11 de julho de 2012

Ainda assim, as personalidades próximas de Passos Coelho com quem o Observador falou recusam os ímpetos eleitoralistas e dizem que a moda das frases populares “não é de agora” (agora que estamos a cerca de nove meses das eleições). “Estávamos a meio da legislatura quando disse ‘que se lixem as eleições’, por isso não era campanha, era mesmo para dizer que ganhar eleições não importa, o que importa é defender o interesse nacional”, defende o deputado Hugo Soares. Uma ideia que, segundo lembra Teresa Leal Coelho, até já tinha sido expressa várias vezes mas de formas diferentes e por diferentes pessoas, “e só quando foi dita desta maneira é que chegou a toda a gente”.

“A minha linguagem é a vossa linguagem”

É a fórmula mágica? Não tanto, mas “é a regra de ouro do discurso”, diz a especialista em análise discursiva ao Observador. “Criar empatia com o ouvinte é uma das regras de ouro do discurso”, afirma, explicando que a melhor forma de criar essa empatia é “ir ao encontro daquilo que se julga ser o ouvinte”. E como no discurso político o ouvinte é sempre o público em geral, “que é um cidadão de classe média e não uma elite intelectual”, o discurso deve ser tanto menos denso quanto mais apelativo.

“A minha linguagem é a vossa linguagem”, é isso que o primeiro-ministro quer mostrar quando usa expressões ou adágios populares nas suas intervenções, afirma Isabel Casanova.

Uns dias antes de mandar “lixar as eleições”, ainda no verão de 2012, Passos teve outra saída que também desencadeou gargalhadas e burburinho nos corredores. “Não vou pôr porcaria na ventoinha [no original, a palavra ‘porcaria’ é substituída por outra mais feia] para assustar os portugueses”, disse durante o debate do Estado da Nação, que é um dos debates mais longos travados no Parlamento. Respondia a uma questão do então deputado do Bloco de Esquerda Francisco Louçã sobre a inconstitucionalidade dos cortes dos subsídios.

"Devemos persistir, ser exigentes, não sermos piegas e ter pena dos alunos, coitadinhos, que sofrem tanto para aprender."

Passos, 6 de fevereiro de 2012

Agora mais recente, foi o caso do mexilhão que se tornou célebre. “Ao contrário do que era o jargão popular de que quem se lixa é o mexilhão, de que são sempre os mesmos (…), desta vez todos contribuíram e contribuiu mais quem tinha mais, disso não há dúvida”, disse Passos em Braga, no encerramento de um seminário sobre Economia Social. Dias depois, o “mexilhão” acabou mesmo por ser o tema central do debate quinzenal com o primeiro-ministro no Parlamento. Afinal o povo é “o mexilhão ou a lagosta?”, questionou a oposição. Passos tinha dado o tiro de partida para começarem os trocadilhos.

No início de dezembro, foi a “Maria vai com as outras”. Também em Braga, no encerramento do congresso da JSD, Passos apontou o dedo ao PS para dizer que, ao contrário dos socialistas, os sociais-democratas não são “uma Maria vai com as outras, ‘digam-me o que quer o povo para eu dizer e fazer'”. E esta quarta-feira voltou à carga, falando das contas e da despesa do Estado como se se estivesse a dirigir a uma criança: “O Estado tem de se portar bem, esteja o Governo ocupado por partidos que são mais gastadores ou mais poupadinhos”, disse, acrescentando que “o Estado já emagreceu, mas precisa ainda de emagrecer um bocadinho mais”. Estava na Ortigosa, em Leiria, num jantar conferência onde estavam cerca de 400 cidadãos da região.

A força dos ditados

A dirigente do PSD Nilza de Sena lembra Jerónimo de Sousa a propósito dos ditados populares, como que dizendo que Passos não é o único a usar esta bengala discursiva. E não é por acaso. É conhecida a destreza com que o secretário-geral comunista recorre a expressões e adágios populares em todas as suas intervenções políticas. Por vezes até inventa quadras ou dá meia volta aos provérbios.

"Costuma-se dizer que quem anda sempre com um martelo na mão, tudo lhe parece um prego (...)"; "Está-nos a sair do lombo, está-nos a sair da pele. Nós sabemos o que tem custado em Portugal cumprir estes objetivos." Passos, 24 de março de 2012

“É mais fácil apanhar um mentiroso do que um deficiente de uma perna”, disse há dois anos, adaptando o provérbio original propositadamente para não usar a palavra “coxo”, que podia ser lida num sentido pejorativo. Uns anos antes tinha-se referido a Paulo Portas dizendo que estava “com um olho no burro e outro no cigano”, o que suscitou críticas pela alegada desconsideração que fizera dos ciganos. Em 2009, numa visita à Bordeira, chegou mesmo a cantar com um grupo folclórico local e a inventar uma quadra inspiradora: “Vocês fazem-me muita inveja/ Do Parlamento eu saía/ Não é por causa da cerveja/ é por causa da vossa alegria”.

O recurso a provérbios nos discursos políticos é, segundo a professora Isabel Casanova, uma das chaves para criar a desejada empatia entre o locutor e a audiência. “Regra geral os ditados rimam e a rima ajuda muito para a mensagem ficar no ouvido”, diz. E acrescenta que o ditado por si só é uma das formas mais eficazes de “concentração de uma mensagem mais ou menos complexa numa frase curta e simples”. A linguista dá mesmo o exemplo do provérbio camponês “não traz nem sol nem eira, nem chuva no nabal”, que por acaso já tinha sido usado por Jerónimo para caracterizar o Orçamento do Estado para 2010, como exemplo de ditado que expressa a ideia do contraditório numa frase curta e sonante. Com mais força, portanto.

É o que faz Passos Coelho, intuitivamente e não para “criar uma imagem pública”, diz Hugo Soares. “Usar expressões que toda a gente usa e que, em política, servem como metáforas e imagens para assuntos mais complexos” é uma forma de se fazer ouvir.

"Todas as dificuldades por que passámos servirão para alguma coisa quando não nos comportarmos como baratas tontas e soubermos bem para onde vamos."

Passos, 25 de julho de 2012

Até o professor Marcelo…até Ferreira Leite

Outra fonte próxima do primeiro-ministro e líder do PSD acrescenta ao Observador que, por norma, os discursos de Passos são densos, “e até nem não gosta muito de simplificar as mensagens”, mas por outro lado, quando comunica mais diretamente com as pessoas “comunica de forma muito frontal”. Para a deputada Nilza de Sena, essa é, aliás, uma característica que tende a ser transversal à classe política no seu todo. A deputada lembra não só Jerónimo e Paulo Portas, como até ex-ministra Manuela Ferreira Leite, “que tende a ter uma imagem mais formal e conservadora” mas que também tinha saídas de linguagem popular. E à memória veio a expressão “vão-se os dedos, ficam os anéis”, usada e citada na altura pela ex-líder social-democrata.

“Até o próprio professor Marcelo [Rebelo de Sousa], que é um académico, usa muitas expressões populares e um tipo de linguagem muito simples para falar para as massas”, diz a deputada do PSD.

Isabel Casanova serve-se do exemplo da Igreja católica para explicar o poder do discurso, já que um padre tem sempre de adaptar a linguagem e o maior ou menor uso de metáforas no discurso se estiver a dar missa numa aldeia ou num seminário com membros da Igreja. “Esse foi precisamente um dos problemas do Papa Bento XVI”, remata a linguista: “Não conseguir nos seus discursos adaptar a linguagem para criar empatia com os ouvintes, por isso a audiência não compreendia as suas palavras e consequentemente não criava ligação com ele”.

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