O Cachimbo de Magritte: Os pescadores

03-07-2011
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Não há profissão em Portugal que tenha uma memória histórica da fome, fome real, mais viva do que os pescadores. Talvez só os jornaleiros, que enchem os romances do neo-realismo. Mas os jornaleiros acabaram e os pescadores ainda saem todos os dias para o mar, como sempre, como há séculos, como desde o princípio do mundo. No tempo em que o Estado social ainda não existia para eles, mais ou menos até meados do século XX, os dias em que os barcos ficavam em terra eram dias de incerteza. Sem rede - literalmente. Sem trabalho, sem pescado, sem subsídios, a pobreza era uma ameaça física. Raul Brandão captou bem essa sensação material de desespero n`Os Pescadores . A pesca está muito mais dependente do clima do que qualquer outra actividade. Três dias de chuva podem deitar abaixo grande parte de uma colheita, mas salva-se o que está nos celeiros. Com a pesca não é assim. Até ao século passado, três dias sem ir ao mar podiam trazer a fome a uma aldeia inteira.Lembrei-me de tudo isto, hoje, ao ver os piquetes de greve dos pescadores na televisão. Claro que eles estão a cometer uma ilegalidade. Claro que já não passam fome como os avós. Mas o desespero é o mesmo. Primeiro, um decreto qualquer de Bruxelas mandou-os abater traineiras - para não descer o preço do peixe... Depois, afastaram-nos das costas de Espanha e de Marrocos em nome de uns acordos esquisitos. Finalmente, proibiram-nos de ir pescar à Terra Nova para não extinguir o bacalhau.Ao que parece, os pescadores são a única espécie não protegida do país.


Não há profissão em Portugal que tenha uma memória histórica da fome, fome real, mais viva do que os pescadores. Talvez só os jornaleiros, que enchem os romances do neo-realismo. Mas os jornaleiros acabaram e os pescadores ainda saem todos os dias para o mar, como sempre, como há séculos, como desde o princípio do mundo. No tempo em que o Estado social ainda não existia para eles, mais ou menos até meados do século XX, os dias em que os barcos ficavam em terra eram dias de incerteza. Sem rede - literalmente. Sem trabalho, sem pescado, sem subsídios, a pobreza era uma ameaça física. Raul Brandão captou bem essa sensação material de desespero n`Os Pescadores . A pesca está muito mais dependente do clima do que qualquer outra actividade. Três dias de chuva podem deitar abaixo grande parte de uma colheita, mas salva-se o que está nos celeiros. Com a pesca não é assim. Até ao século passado, três dias sem ir ao mar podiam trazer a fome a uma aldeia inteira.Lembrei-me de tudo isto, hoje, ao ver os piquetes de greve dos pescadores na televisão. Claro que eles estão a cometer uma ilegalidade. Claro que já não passam fome como os avós. Mas o desespero é o mesmo. Primeiro, um decreto qualquer de Bruxelas mandou-os abater traineiras - para não descer o preço do peixe... Depois, afastaram-nos das costas de Espanha e de Marrocos em nome de uns acordos esquisitos. Finalmente, proibiram-nos de ir pescar à Terra Nova para não extinguir o bacalhau.Ao que parece, os pescadores são a única espécie não protegida do país.

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