Insónia: Caro Sérgio,

02-09-2020
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imagem respigada aquiAntes de mais, deixa-me agradecer a tua esclarecedora missiva. Quer-me parecer que, no essencial, estamos em concordância. Permito-me porém atirar mais alguma fagulha para a fogueira. Quando rematas defendendo o direito à diferença de opinião, estás a tocar no cerne do problema. Eu, quanto a isso, não estarei tão optimista. O princípio básico da democracia política é o direito ao voto livre. Prevejo para o próximo domingo o discurso costumeiro. Elogia-se o modo civilizado com que os portugueses responderam às eleições, sublinhando-se o facto de todos terem votado livremente. Mas será mesmo assim? É claro que no momento de exercitar o direito de voto, ninguém terá uma granada apontada à cabeça. Porém, digo eu, muitos de nós teremos a cabeça minada pelo lixo propagandístico que nos violentou durante estes dias de campanha. Digo violentou com o intuito de enfatizar o lado obscuro e coercivo das campanhas eleitorais. Sabemos bem da influência contemporânea daquilo a que usualmente chamamos de comunicação social, mormente das televisões, janelas surradas para o mundo, através das quais nos chega a sujidade do mundo. Esse poder a que usualmente chamamos comunicação social raramente nos oferece informação credível, fiável, objectiva. Dão-nos antes opinião disfarçada de informação. É, e isto toca a todos (embora a uns mais do que a outros), na base desse alicerce surrado que muitas cruzes serão desenhadas no próximo domingo. Podia para aqui perder-me em exemplos mais ou menos evidentes e representativos. Alguns são mesmo gritantes. Olha este: em Grândola, um jornalista da TVI reporta a visita de Jerónimo de Sousa; começa a peça afirmando a indignação (avaliação do dito jornalista) com que as gentes de Grândola terão assistido à performance do professor Cavaco quando arranhava os acordes da canção de Zeca Afonso; volta-se para uma cidadã e pergunta: O que sentiu quando viu Cavaco Silva a cantar Grândola Vila Morena aqui em Grândola?, ao que esta lhe responde, com um sorriso nos lábios, que o professor Cavaco enganou-se na canção; o jornalista volta a investir no assunto, junto de um outro cidadão; à mesma pergunta, tenta-se dar uma resposta: Ouça, estamos aqui a receber Jerónimo de Sousa…; o jornalista interrompe abruptamente o interpelado, que ainda se vê a olhar para o lado encolhendo os ombros, e assevera: Pois, mas a verdade é que as pessoas de Grândola ficaram indignadas com as imagens do professor Cavaco a cantar Grândola Vila Morena. Temos assim um jornalista que faz perguntas para as quais só ele sabe as respostas (convenientes). Em directo, a coisa fica mais caricata. Agora imagina se a reportagem tivesse sido trabalhada em estúdio. É destes jornalistas que não sendo de merda, assinam reportagens de merda, que surge a opinião que anda na boca da maioria das pessoas, a mesma que escorrerá livremente até ao papel no próximo domingo. Soluções para isto? A tal educação que escuda o cidadão com o conhecimento, dando-lhe os dados para que ele possa pensar pela própria cabeça e, desse modo, aprenda a resistir ao discurso publicitário, tipicamente persuasivo, daquilo a que usualmente chamamos comunicação social. Curiosamente, Cavaco é, dos Candidatos a concurso, aquele que melhor simboliza a negligência a que a educação e a formação têm sido votadas neste país. Dos candidatos a concurso, é ele o maior responsável pela iliteracia, quando não analfabetismo, dos portugueses. Não é por acaso que quando alguma direita apregoa que nem todos têm de ser doutores e engenheiros, alguma esquerda concorda acrescentando: mas a todos deve ser dada essa oportunidade. É óbvio que a particular afirmativa aplica-se aqui só para não chocar sensibilidades.(advertência: escrito de jorro)

imagem respigada aquiAntes de mais, deixa-me agradecer a tua esclarecedora missiva. Quer-me parecer que, no essencial, estamos em concordância. Permito-me porém atirar mais alguma fagulha para a fogueira. Quando rematas defendendo o direito à diferença de opinião, estás a tocar no cerne do problema. Eu, quanto a isso, não estarei tão optimista. O princípio básico da democracia política é o direito ao voto livre. Prevejo para o próximo domingo o discurso costumeiro. Elogia-se o modo civilizado com que os portugueses responderam às eleições, sublinhando-se o facto de todos terem votado livremente. Mas será mesmo assim? É claro que no momento de exercitar o direito de voto, ninguém terá uma granada apontada à cabeça. Porém, digo eu, muitos de nós teremos a cabeça minada pelo lixo propagandístico que nos violentou durante estes dias de campanha. Digo violentou com o intuito de enfatizar o lado obscuro e coercivo das campanhas eleitorais. Sabemos bem da influência contemporânea daquilo a que usualmente chamamos de comunicação social, mormente das televisões, janelas surradas para o mundo, através das quais nos chega a sujidade do mundo. Esse poder a que usualmente chamamos comunicação social raramente nos oferece informação credível, fiável, objectiva. Dão-nos antes opinião disfarçada de informação. É, e isto toca a todos (embora a uns mais do que a outros), na base desse alicerce surrado que muitas cruzes serão desenhadas no próximo domingo. Podia para aqui perder-me em exemplos mais ou menos evidentes e representativos. Alguns são mesmo gritantes. Olha este: em Grândola, um jornalista da TVI reporta a visita de Jerónimo de Sousa; começa a peça afirmando a indignação (avaliação do dito jornalista) com que as gentes de Grândola terão assistido à performance do professor Cavaco quando arranhava os acordes da canção de Zeca Afonso; volta-se para uma cidadã e pergunta: O que sentiu quando viu Cavaco Silva a cantar Grândola Vila Morena aqui em Grândola?, ao que esta lhe responde, com um sorriso nos lábios, que o professor Cavaco enganou-se na canção; o jornalista volta a investir no assunto, junto de um outro cidadão; à mesma pergunta, tenta-se dar uma resposta: Ouça, estamos aqui a receber Jerónimo de Sousa…; o jornalista interrompe abruptamente o interpelado, que ainda se vê a olhar para o lado encolhendo os ombros, e assevera: Pois, mas a verdade é que as pessoas de Grândola ficaram indignadas com as imagens do professor Cavaco a cantar Grândola Vila Morena. Temos assim um jornalista que faz perguntas para as quais só ele sabe as respostas (convenientes). Em directo, a coisa fica mais caricata. Agora imagina se a reportagem tivesse sido trabalhada em estúdio. É destes jornalistas que não sendo de merda, assinam reportagens de merda, que surge a opinião que anda na boca da maioria das pessoas, a mesma que escorrerá livremente até ao papel no próximo domingo. Soluções para isto? A tal educação que escuda o cidadão com o conhecimento, dando-lhe os dados para que ele possa pensar pela própria cabeça e, desse modo, aprenda a resistir ao discurso publicitário, tipicamente persuasivo, daquilo a que usualmente chamamos comunicação social. Curiosamente, Cavaco é, dos Candidatos a concurso, aquele que melhor simboliza a negligência a que a educação e a formação têm sido votadas neste país. Dos candidatos a concurso, é ele o maior responsável pela iliteracia, quando não analfabetismo, dos portugueses. Não é por acaso que quando alguma direita apregoa que nem todos têm de ser doutores e engenheiros, alguma esquerda concorda acrescentando: mas a todos deve ser dada essa oportunidade. É óbvio que a particular afirmativa aplica-se aqui só para não chocar sensibilidades.(advertência: escrito de jorro)

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