Quando Jacques Tati esteve em Lisboa

20-08-2015
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Começa esta quinta-feira, no Espaço Nimas, uma retrospectiva completa da obra do genial realizador e actor francês Jacques Tati, “Verão com Jacques Tati”, com versões digitais restauradas, que se prolonga até dia 16 de Setembro. No Porto, abre a um de Setembro no Teatro Campo Alegre. Mas quantos se recordarão que o autor de “Há Festa na Aldeia” e “As Férias do Sr, Hulot” já esteve em Portugal?

Foi há quase meio século, no dia 15 de Março de 1968, que Tati chegou a Lisboa proveniente da Argentina, do Festival de Cinema de Mar de la Plata, para assistir à antestreia, no Cinema Monumental, do seu novo filme, “Play Time-Vida Moderna”. Era o seu mais caro e ambicioso projecto até à data, uma sátira à socidade de consumo e de massas e à civilização do automóvel e da mecanização, e uma defesa do indivíduo, cujo fracasso comercial o haveria de arruinar e acabaria por cortar cerce a sua carreira de cineasta.

“Trailer” original de “Play Time-Vida Moderna”:

A fita, distribuída pela Lusomundo, passou numa sala onde não cabia uma agulha, em cópia de 70 mm Eastmancolor, e Tati foi apresentado aos espectadores por António Lopes Ribeiro, tendo tido um acolhimento apoteótico. Anos mais tarde, Lopes Ribeiro haveria de me descrever essa noite de antestreia no desaparecido Monumental como “inesquecível”, e Tati como “um sujeito simpatiquíssimo, sempre bem-disposto, sempre disponível – além de um extraordinário cómico e realizador, está claro”.

Depois de chegar a Lisboa e de se ter hospedado no Hotel Ritz, Jacques Tati dirigiu-se ao Instituto Francês, onde participou num “cocktail” oferecido pelo seu director e adido cultural de França em Lisboa, o autor e ensaísta Robert Bréchon, grande amigo de Portugal e da cultura portuguesa, e especialista em Fernando Pessoa, do qual escreveu uma biografia. O realizador saiu desta cerimónia directamente para o Monumental. A seguir à sessão, foi cear a uma cervejaria, onde não resistiu a mimar os gestos de um dos empregados de mesa, para gaúdio de quem o acompanhava.

No dia seguinte, Jacques Tati estava cansadíssimo, mas não cancelou nenhum dos compromissos que tinha com a comunicação social portuguesa. Uma das entrevistas que deu foi ao vespertino “A Capital”, tamém publicada na revista “O Tempo e o Modo”, conduzida por Jorge Silva Melo, Fernando Guerreiro e Eduardo Paiva Raposo, e a que foi dada o título. “O cinema como arte e personalidade – Diálogo com Jacques Tati”. Pormenor divertido: Tati recebeu os entrevistados ainda em pijama, porque tinha acabado de se levantar, como contou o jornalista do “Diário de Lisboa”, também presente. “Não é um ‘gag’, é naturalidade”, escreveu este sobre a cena.

Na longa conversa que teve com o trio, Tati disse, nomeadamente, que o humor e os “gags” dos seus filmes provinham não só da observação que o Sr. Hulot fazia do mundo à sua volta, mas também “da observação dos outros sobre Hulot. Por exemplo, um presidente de uma grande empresa pode muito bem interromper o seu discurso se por caso depara com uma personagem que nada tem a ver com ele, como Hulot. Neste caso é o presidente que é o observador.” Disse ainda que a sua escola de cinema foi “a curta-metragem. É a única escola verdadeira. Não há mais nenhuma”, ou que nunca faria um filme dramático: “Ora, já há demais!”.

À tarde, o realizador de “As Férias do Sr. Hulot” passeou por Lisboa e arredores, foi a um “cocktail” dado em sua honra na Varanda do Chanceler pela Lusomundo e pela gerência do Monumental, com a presença “da Imprensa, Rádio e Televisão”, como se lia nos jornais, e à noite falou num colóquio no Cine-Clube Imagem. “Play Time-Vida Moderna” foi um sucesso crítico mas um gravíssimo fracasso comercial, levando o cineasta á bancarrota. Jacques Tati faria apenas mais dois filmes, “Sim, Senhor Hulot” (1971), outro “flop” de bilheteira, e “Parade” (1974) , um telefilme para a televisão sueca, deixando incompleta a curta “Forza Bastia”, concluída em 2002 pela sua filha, Sophie Tatischeff. Mas Lisboa teve o grande privilégio de ver e ouvir Jacques Tati ao vivo, nessa distante noite de 15 de Março de 1968, no enorme palco do Cinema Monumental.

Consulte aqui a programação do ciclo em Lisboa.

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Começa esta quinta-feira, no Espaço Nimas, uma retrospectiva completa da obra do genial realizador e actor francês Jacques Tati, “Verão com Jacques Tati”, com versões digitais restauradas, que se prolonga até dia 16 de Setembro. No Porto, abre a um de Setembro no Teatro Campo Alegre. Mas quantos se recordarão que o autor de “Há Festa na Aldeia” e “As Férias do Sr, Hulot” já esteve em Portugal?

Foi há quase meio século, no dia 15 de Março de 1968, que Tati chegou a Lisboa proveniente da Argentina, do Festival de Cinema de Mar de la Plata, para assistir à antestreia, no Cinema Monumental, do seu novo filme, “Play Time-Vida Moderna”. Era o seu mais caro e ambicioso projecto até à data, uma sátira à socidade de consumo e de massas e à civilização do automóvel e da mecanização, e uma defesa do indivíduo, cujo fracasso comercial o haveria de arruinar e acabaria por cortar cerce a sua carreira de cineasta.

“Trailer” original de “Play Time-Vida Moderna”:

A fita, distribuída pela Lusomundo, passou numa sala onde não cabia uma agulha, em cópia de 70 mm Eastmancolor, e Tati foi apresentado aos espectadores por António Lopes Ribeiro, tendo tido um acolhimento apoteótico. Anos mais tarde, Lopes Ribeiro haveria de me descrever essa noite de antestreia no desaparecido Monumental como “inesquecível”, e Tati como “um sujeito simpatiquíssimo, sempre bem-disposto, sempre disponível – além de um extraordinário cómico e realizador, está claro”.

Depois de chegar a Lisboa e de se ter hospedado no Hotel Ritz, Jacques Tati dirigiu-se ao Instituto Francês, onde participou num “cocktail” oferecido pelo seu director e adido cultural de França em Lisboa, o autor e ensaísta Robert Bréchon, grande amigo de Portugal e da cultura portuguesa, e especialista em Fernando Pessoa, do qual escreveu uma biografia. O realizador saiu desta cerimónia directamente para o Monumental. A seguir à sessão, foi cear a uma cervejaria, onde não resistiu a mimar os gestos de um dos empregados de mesa, para gaúdio de quem o acompanhava.

No dia seguinte, Jacques Tati estava cansadíssimo, mas não cancelou nenhum dos compromissos que tinha com a comunicação social portuguesa. Uma das entrevistas que deu foi ao vespertino “A Capital”, tamém publicada na revista “O Tempo e o Modo”, conduzida por Jorge Silva Melo, Fernando Guerreiro e Eduardo Paiva Raposo, e a que foi dada o título. “O cinema como arte e personalidade – Diálogo com Jacques Tati”. Pormenor divertido: Tati recebeu os entrevistados ainda em pijama, porque tinha acabado de se levantar, como contou o jornalista do “Diário de Lisboa”, também presente. “Não é um ‘gag’, é naturalidade”, escreveu este sobre a cena.

Na longa conversa que teve com o trio, Tati disse, nomeadamente, que o humor e os “gags” dos seus filmes provinham não só da observação que o Sr. Hulot fazia do mundo à sua volta, mas também “da observação dos outros sobre Hulot. Por exemplo, um presidente de uma grande empresa pode muito bem interromper o seu discurso se por caso depara com uma personagem que nada tem a ver com ele, como Hulot. Neste caso é o presidente que é o observador.” Disse ainda que a sua escola de cinema foi “a curta-metragem. É a única escola verdadeira. Não há mais nenhuma”, ou que nunca faria um filme dramático: “Ora, já há demais!”.

À tarde, o realizador de “As Férias do Sr. Hulot” passeou por Lisboa e arredores, foi a um “cocktail” dado em sua honra na Varanda do Chanceler pela Lusomundo e pela gerência do Monumental, com a presença “da Imprensa, Rádio e Televisão”, como se lia nos jornais, e à noite falou num colóquio no Cine-Clube Imagem. “Play Time-Vida Moderna” foi um sucesso crítico mas um gravíssimo fracasso comercial, levando o cineasta á bancarrota. Jacques Tati faria apenas mais dois filmes, “Sim, Senhor Hulot” (1971), outro “flop” de bilheteira, e “Parade” (1974) , um telefilme para a televisão sueca, deixando incompleta a curta “Forza Bastia”, concluída em 2002 pela sua filha, Sophie Tatischeff. Mas Lisboa teve o grande privilégio de ver e ouvir Jacques Tati ao vivo, nessa distante noite de 15 de Março de 1968, no enorme palco do Cinema Monumental.

Consulte aqui a programação do ciclo em Lisboa.

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