Brasil: Ainda há tesouros por descobrir

28-09-2015
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Entre repúblicas de estudantes, ciúmes, montanhas e estrelas

O sol aninha-se por trás do morro e o casario ganha nova silhueta. É impossível não recordar a colina onde se ergue a Alta de Coimbra tais são as semelhanças arquitectónicas. Inclusive num "pormenor" tão coimbrão como as repúblicas de estudantes, que surgiram no Brasil por influência portuguesa no Reinado de D. Pedro II e vingaram especialmente em Ouro Preto, cidade também ela universitária. Numa das muitas ruas íngremes, onde repúblicas e pequenas lojas coabitam, um alfaiate mergulhado na penumbra e em pedaços de tecido responde carrancudo à minha pergunta: "Ainda há muitos estudantes a morar por aqui?". "Gente preguiçosa que faz bagunça e ruído não é bom p'ra a cidade não". E mais não disse. Recolheu à sua concha e ficou a resmungar palavras ininteligíveis. Segui viagem por mais uma rua tortuosa que de repente se estreita para depois subir e voltar a transformar-se numa ladeira vertiginosa, daquelas que subitamente desemboca num pequeno largo com uma igreja, antes de recolher a casa, ao meu Pouso.

Sigo pela calçada de pedra quando o sino da igreja mais próxima dobra as dez da noite. Vem gente de todo o lado e as vozes começam a encher o ar. O linguajar económico do mineiro, que come as últimas sílabas e enlaça languidamente as restantes como se fosse um samba a namorar uma morna, entra pelo ouvido e fica por ali a dançar. Estou diante do Teatro Municipal de Ouro Preto, o mais antigo das Américas em funcionamento, mandado construir em 1770 pelo coronel João de Souza Lisboa dentro da tradição arquitectónica luso-brasileira. Sobreviveu a inúmeras peripécias e tentativas de demolição, e hoje serve de palco ao ensaio geral da orquestra da terra. Dois ou três temas depois rumo ao adro da igreja de São Francisco de Paula, onde fico a contar estrelas e a recordar uma expressão que ouvi à saída do teatro: "Devagar que eu tenho pressa".

*Artigo publicado na edição de 10 de Julho de 2015 da Fora de Série

Entre repúblicas de estudantes, ciúmes, montanhas e estrelas

O sol aninha-se por trás do morro e o casario ganha nova silhueta. É impossível não recordar a colina onde se ergue a Alta de Coimbra tais são as semelhanças arquitectónicas. Inclusive num "pormenor" tão coimbrão como as repúblicas de estudantes, que surgiram no Brasil por influência portuguesa no Reinado de D. Pedro II e vingaram especialmente em Ouro Preto, cidade também ela universitária. Numa das muitas ruas íngremes, onde repúblicas e pequenas lojas coabitam, um alfaiate mergulhado na penumbra e em pedaços de tecido responde carrancudo à minha pergunta: "Ainda há muitos estudantes a morar por aqui?". "Gente preguiçosa que faz bagunça e ruído não é bom p'ra a cidade não". E mais não disse. Recolheu à sua concha e ficou a resmungar palavras ininteligíveis. Segui viagem por mais uma rua tortuosa que de repente se estreita para depois subir e voltar a transformar-se numa ladeira vertiginosa, daquelas que subitamente desemboca num pequeno largo com uma igreja, antes de recolher a casa, ao meu Pouso.

Sigo pela calçada de pedra quando o sino da igreja mais próxima dobra as dez da noite. Vem gente de todo o lado e as vozes começam a encher o ar. O linguajar económico do mineiro, que come as últimas sílabas e enlaça languidamente as restantes como se fosse um samba a namorar uma morna, entra pelo ouvido e fica por ali a dançar. Estou diante do Teatro Municipal de Ouro Preto, o mais antigo das Américas em funcionamento, mandado construir em 1770 pelo coronel João de Souza Lisboa dentro da tradição arquitectónica luso-brasileira. Sobreviveu a inúmeras peripécias e tentativas de demolição, e hoje serve de palco ao ensaio geral da orquestra da terra. Dois ou três temas depois rumo ao adro da igreja de São Francisco de Paula, onde fico a contar estrelas e a recordar uma expressão que ouvi à saída do teatro: "Devagar que eu tenho pressa".

*Artigo publicado na edição de 10 de Julho de 2015 da Fora de Série

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