Zelig

09-10-2014
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Zelig

Bruno Alves

01 Out 2014

António Costa é uma espécie de versão política de Zelig, o “camaleão humano” da comédia de Woody Allen.

É compreensível que, no calor da excitação da vitória nas "primárias" do PS, António Costa tenha dito que "este é o primeiro dia de uma nova maioria". Mas espero que, uma vez refreado o entusiasmo, e para seu próprio bem, Costa perceba que o passado domingo é, isso sim, o primeiro dia do seu processo de inevitável desilusão a que nenhum político escapa, e que no seu caso corre o risco de ser particularmente Costa é uma espécie de versão política de Zelig, o "camaleão humano" da comédia de Woody Allen. Tal como este último adquiria a aparência e personalidade de todo e qualquer interlocutor, Costa tem feito carreira política da sua capacidade de ser para tudo e todos aquilo que cada um deles quer ver: Mário Soares, há muito esquecido daquilo que representou, olha para Costa e vê nele o "socialismo de punho erguido" com que hoje parece sonhar. "Centristas" como a louvável Maria João Avillez vêem a passagem pelo governo de Guterres e a retórica de "contenção da dívida" da sua governação em Lisboa e têm esperança que ele seja um governante sensato e pragmático, capaz de lidar com os problemas reais do país. E as penadas alminhas do socratismo que ainda nos assombram acreditam que, em troca do seu apoio na luta interna, receberão um Ministério "útil" ou dois para distribuir o pouco dinheiro que o país vai tendo pelas mais ou menos vastas clientelas que vivem na sua sombra.

Não sei qual destas versões de Costa é a verdadeira, mas tal como Zelig descobriu, é impossível satisfazer tanto fã tão diferente em simultâneo. Quando, uma vez líder da oposição, apresentar alternativas ao Governo, arriscar-se-á a perder votos de quem hoje não viu ainda nada com que discordar. Se, por outra, a sua habilidade lhe permitir navegar na indefinição até às eleições, talvez chegue a S. Bento, mas apenas para sofrer o destino de todos os seus antecessores e defraudar as expectativas de quem lá o puser.

Zelig

Bruno Alves

01 Out 2014

António Costa é uma espécie de versão política de Zelig, o “camaleão humano” da comédia de Woody Allen.

É compreensível que, no calor da excitação da vitória nas "primárias" do PS, António Costa tenha dito que "este é o primeiro dia de uma nova maioria". Mas espero que, uma vez refreado o entusiasmo, e para seu próprio bem, Costa perceba que o passado domingo é, isso sim, o primeiro dia do seu processo de inevitável desilusão a que nenhum político escapa, e que no seu caso corre o risco de ser particularmente Costa é uma espécie de versão política de Zelig, o "camaleão humano" da comédia de Woody Allen. Tal como este último adquiria a aparência e personalidade de todo e qualquer interlocutor, Costa tem feito carreira política da sua capacidade de ser para tudo e todos aquilo que cada um deles quer ver: Mário Soares, há muito esquecido daquilo que representou, olha para Costa e vê nele o "socialismo de punho erguido" com que hoje parece sonhar. "Centristas" como a louvável Maria João Avillez vêem a passagem pelo governo de Guterres e a retórica de "contenção da dívida" da sua governação em Lisboa e têm esperança que ele seja um governante sensato e pragmático, capaz de lidar com os problemas reais do país. E as penadas alminhas do socratismo que ainda nos assombram acreditam que, em troca do seu apoio na luta interna, receberão um Ministério "útil" ou dois para distribuir o pouco dinheiro que o país vai tendo pelas mais ou menos vastas clientelas que vivem na sua sombra.

Não sei qual destas versões de Costa é a verdadeira, mas tal como Zelig descobriu, é impossível satisfazer tanto fã tão diferente em simultâneo. Quando, uma vez líder da oposição, apresentar alternativas ao Governo, arriscar-se-á a perder votos de quem hoje não viu ainda nada com que discordar. Se, por outra, a sua habilidade lhe permitir navegar na indefinição até às eleições, talvez chegue a S. Bento, mas apenas para sofrer o destino de todos os seus antecessores e defraudar as expectativas de quem lá o puser.

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