Francisco Miguel Santos Leonardo – As Folhas Ardem

26-01-2012
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A invenção da noite

Inventamos a noite porque não há noite bastante

que nos adormeça,

nem teia que nos enrede na absoluta lucidez

do último minuto.

Como queríamos lá estar, bem presos

nos fios de seda,

imóveis

resignados

carne-exposta,

a esperar o fim

do tiquetaquear estridente do relógio

e a culpar o sorriso diabólico da aranha.

É quando a noite se estende e nós voltamos a

inventá-la

que desafiamos o tempo.

Montamos os vários palcos do duelo

Que tal um toque vintage na decoração, madame?

arquitectamos as teias onde seremos as presas e,

pelo sim pelo não,

anestesiamo-nos ainda com um pouco mais de noite.

Por favor, mais dois dry martini, um para mim e outro para a senhora. Como é mesmo o seu nome?

Então somos só nós e ele.

A densa escuridão injecta-se nas veias como um sedativo,

e já poucos conseguem ver o movimento dos vultos.

Mais dois destes! Como que raio é que disseste

que te chamavas?

Ouve-se apenas: contidos gritos humanos,

o ranger de ponteiros

e um som agudo

de lâminas e guindastes.

Amanhecemos retalhados –

nós e o tempo –

entre o escuro das paredes nocturnas e

a claridade das janelas. Corpos mutilados e horas paradas.

Mas as horas logo voltam à vida

dos relógios que afinal nunca pararam

de contar;

só nós, consumida a noite,

ficamos desfeitos no palco

a refazer a topografia dos membros e do corpo

próprio.

Ainda hoje,

à mesma hora,

voltaremos a cortar os pulsos

porque a noite não nos adormecerá.

Boa noite… Não se quer sentar e oferecer-me uma bebida?

Helena Carvalho, in, a luz da noite, blogue da autora.

A invenção da noite

Inventamos a noite porque não há noite bastante

que nos adormeça,

nem teia que nos enrede na absoluta lucidez

do último minuto.

Como queríamos lá estar, bem presos

nos fios de seda,

imóveis

resignados

carne-exposta,

a esperar o fim

do tiquetaquear estridente do relógio

e a culpar o sorriso diabólico da aranha.

É quando a noite se estende e nós voltamos a

inventá-la

que desafiamos o tempo.

Montamos os vários palcos do duelo

Que tal um toque vintage na decoração, madame?

arquitectamos as teias onde seremos as presas e,

pelo sim pelo não,

anestesiamo-nos ainda com um pouco mais de noite.

Por favor, mais dois dry martini, um para mim e outro para a senhora. Como é mesmo o seu nome?

Então somos só nós e ele.

A densa escuridão injecta-se nas veias como um sedativo,

e já poucos conseguem ver o movimento dos vultos.

Mais dois destes! Como que raio é que disseste

que te chamavas?

Ouve-se apenas: contidos gritos humanos,

o ranger de ponteiros

e um som agudo

de lâminas e guindastes.

Amanhecemos retalhados –

nós e o tempo –

entre o escuro das paredes nocturnas e

a claridade das janelas. Corpos mutilados e horas paradas.

Mas as horas logo voltam à vida

dos relógios que afinal nunca pararam

de contar;

só nós, consumida a noite,

ficamos desfeitos no palco

a refazer a topografia dos membros e do corpo

próprio.

Ainda hoje,

à mesma hora,

voltaremos a cortar os pulsos

porque a noite não nos adormecerá.

Boa noite… Não se quer sentar e oferecer-me uma bebida?

Helena Carvalho, in, a luz da noite, blogue da autora.

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