Um cabaz que pode valer 1,3 mil milhões

04-12-2011
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Entrámos em dezenas de lojas à procura de um jogo de tabuleiro. Desesperámos por tecnologia. E percorremos o globo, da China aos EUA, em busca de frutos secos. Tudo para montar um cabaz 100% português, dos presentes à ceia. Despesa final: 320 euros, que se traduziria num ganho de 1,3 mil milhões para a economia nacional, se todas as famílias comprassem um cabaz assim.

São 11h de uma terça-feira com pouco movimento nas lojas. Talvez por isso as duas funcionárias da perfumaria onde entrámos não se tenham negado a um desafio que parecia, desde logo, condenado ao insucesso. O objectivo: encontrar um produto 100% português para oferecer este Natal. Começámos pelos perfumes. Nada. Depois a cosmética. Nada também. Finalmente, a higiene. No topo de uma das prateleiras, uma embalagem fazia lembrar os sabonetes da portuguesa Ach. Brito. Enganámo-nos. A loja chegou a ter estes produtos, mas os clientes preferiam outras marcas. Hoje, vende-se apenas uma linha britânica - dois euros mais barata.

Saímos da perfumaria de mãos a abanar. Uma sensação que se repetiria nos dias seguintes. Nas lojas de desporto, nos hipermercados, nos bazares de brinquedos. A ideia de construir um cabaz de Natal "made in Portugal", da ceia aos presentes, adivinhava-se um projecto difícil, sobretudo porque tínhamos de cumprir um orçamento em linha com a actual conjuntura. E isso significava não ir muito além dos 300 euros.

Muitas lojas depois, com ou sem ajuda dos funcionários, mais ou menos conhecedores de tudo o que são etiquetas, rótulos e códigos de barras, chegámos ao final com 53 produtos portugueses e uma conta de 319,34 euros. Em alguns casos, ficámos aquém do objectivo inicial. Foi o que aconteceu com o bacalhau e o chocolate, já que a matéria-prima tem mesmo de ser importada, e noutros casos pontuais, como as natas e algumas bebidas, porque não encontrámos no mercado artigos que cumprissem o critério definido: 100% de produção, embalamento, distribuição e venda por empresas portuguesas.

Se todas as famílias comprassem este cabaz para a quadra que se aproxima, a economia portuguesa ganharia mais de 1,3 mil milhões de euros, multiplicando o preço dos 53 produtos (319,34 euros) pelo total de lares em Portugal - 4.079.577, de acordo com os Censos de 2011. Não seria o suficiente para o país sair da crise, mas daria uma ajuda, defendem os especialistas. Na prática, a transferência do consumo para produtos nacionais reduziria as importações, o que teria um impacto positivo na balança comercial e, consequentemente, no Produto Interno Bruto (PIB), mas também acarretaria riscos. A indústria poderia não estar preparada para aumentos inesperados na procura, as empresas importadoras ficariam em perigo e outros países poderiam seguir o exemplo, fechando as suas fronteiras às exportações portuguesas.

Todos estes cenários pressupõem, porém, que haja no país oferta (a preços competitivos, sublinhe-se) para satisfazer um qualquer ímpeto por compras "made in Portugal", num momento que é de crise, de cortes nos rendimentos e de contenção nas despesas. E descobrir uma solução 100% nacional, à medida da conjuntura presente, não é fácil, tendo em conta as dificuldades encontradas e o tempo despendido nas lojas em que a Pública entrou nos últimos dias. E mais difícil se torna quando se chega à lista de prendas.

E a China aqui tão perto

Comecemos pelos brinquedos. Procurávamos um jogo de tabuleiro, dos que juntam famílias à mesa. A oferta é variada, seja nos hipermercados ou nos grandes bazares. Tão variada quanto a invasão de marcas estrangeiras. Ainda assim, encontrámos duas empresas portuguesas a combater por um lugar nas prateleiras: a septuagenária Majora e a jovem Mesa Board Games, fundada há apenas dois anos. O problema surgiu quando virámos as caixas e, em vez de fabricado em Portugal, encontrámos "made in China" ou nenhuma informação.

Era esse o caso da Mesa Board Games, que nada dizia sobre o local de fabrico dos produtos que comercializa - que vão desde clássicos inspirados na produção de vinhos no Douro a simulações de investimentos na bolsa. Gil D"Orey, um dos sócios da empresa de Cascais, disse à Pública que os jogos são produzidos na Alemanha e Turquia, o que os colocou fora do cabaz. "Tentámos encontrar fornecedores nacionais, mas havia certas peças em que nos pediam o dobro do preço e a qualidade não é a mesma", explicou, acrescentando que "não pensaria duas vezes em produzir no país se houvesse uma oferta competitiva".

Não é uma justificação invulgar neste sector. Aliás, é exactamente a mesma da Majora, fundada em 1939 e com uma fábrica no Porto desde o final dos anos 1960. "Não conseguimos produzir em Portugal componentes de plástico mais complexas, por exemplo, porque cada produto ficaria a um preço exorbitante", esclareceu Luís de Sousa, porta-voz da empresa. O verso das caixas de jogos confirma. Tudo o que é mais minucioso ou que envolve mais mecânica tem um selo do Oriente. O país de eleição é a China.

Para o cabaz da Pública, entrou o jogo de xadrez da Majora, à venda por nove euros. Poderiam ter também entrado as damas, o loto, o Sabichão ou o Mikado, que fazem parte do lote de produtos que fabrica em território nacional - que chega a uma centena. "Em Espanha, a indústria é muito mais forte. Portugal é uma periferia muito periférica", disse Luís de Sousa à Pública, sublinhando que a empresa não está em perigo apesar da verdadeira batalha que se trava com as multinacionais do sector, como a Parker ou a Distel, com os consumidores a olhar mais ao preço do que à origem.

A mesma sorte não tiveram muitas outras empresas portuguesas que se dedicavam a fazer brinquedos, como a Sobrinca, que faliu em 2004. Outras resistem, mas tiveram de se adaptar à força. Sónia Piedade, herdeira da Facobon, explicou à Pública que a fábrica da Abóboda, nos arredores de Lisboa, "já não produz brinquedos", a não ser por encomenda. Restam as mascotes e artigos de Carnaval por causa "da concorrência desleal de países como a China e Índia" e das próprias "lojas chinesas abertas em cada esquina do nosso país", disse, acrescentando que se "torna muito difícil competir com preços completamente descabidos, quando o nosso nível de vida e impostos é completamente diferente".

A realidade seria outra, certamente, se, da tal batalha por um lugar no carrinho de compras, os produtos portugueses saíssem sempre vencedores. Mas persiste a dúvida se a indústria estaria à altura do desafio. Sónia Piedade garante que sim. "Temos capacidade, como já temos desde 1977, ano em que foi criada a empresa. A procura é que é praticamente nenhuma", frisou. Não é essa, porém, a opinião de alguns especialistas. João César das Neves, economista e professor da Universidade Católica Portuguesa, acredita que o tecido produtivo "no curto prazo não estaria certamente" preparado. E explica porquê.

Se os portugueses começassem a comprar exclusivamente produtos feitos em Portugal, independentemente do tipo de artigo, "iria haver grande falta de produtos, porque as empresas não estão à espera de um aumento tão grande da procura". Agora, se esta tendência se mantivesse, ultrapassando os limites da quadra natalícia, "far-se-ia um ajustamento" para responder às necessidades dos consumidores. Mas, mesmo que fosse esse o caso, o país não estaria livre das consequências. "Haveria um efeito positivo em certas empresas e negativo noutras. É importante não esquecer que os importadores também são empresas nacionais, que empregam trabalhadores nacionais", alertou.

A longo prazo, também as empresas penalizadas pela quebra na procura de produtos estrangeiros poderiam fazer a sua própria adaptação à mudança de hábitos dos portugueses. "Se essa escolha [de artigos nacionais] se mantivesse e fosse duradoura, as empresas nacionais que perdem(as importadoras)seriam menos do que aquelas que ganham e os trabalhadores que sairiam das importadoras poderiam encontrar emprego nas empresas que fabricam produtos nacionais, que teriam mais procura", explicou, deixando, no entanto, um alerta. "É importante lembrar que, em geral, os consumidores não escolhem estrangeiro por engano ou mania, mas porque é melhor e mais barato."

Não resolve, mas ajuda

Mesmo que essa realidade se alterasse, colocando todos os produtos portugueses na mesma categoria de competição (de qualidade e preço), "a crise é bastante mais profunda" e não se resolveria com carrinhos de compras carregados de "made in Portugal"", disse César das Neves. E não é certo que, se isso acontecesse, o país saísse a ganhar. "Se esse ganho fosse usado em investimento e inovação, o país ficaria melhor. Se fosse esbanjado, seria um desperdício", rematou, em linha com as ideias de outros economistas, que acreditam que o dinheiro que ficaria retido no país poderia servir para as empresas portuguesas crescerem e converterem essa ascensão em mais emprego, melhores salários e recuperação da economia.

É essa a opinião de Paulo Nunes de Almeida, vice-presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), que fala em "inovação, valorização dos recursos humanos e aposta clara na internacionalização" como efeitos positivos desta transferência de consumo. A associação que fundouo projecto "Compro o que é nosso", que já reúne 815 empresas portuguesas, está convicta de que um aumento do consumo de produtos portugueses "teria um forte impacto ao nível da redução do défice externo, ao equilibrar a balança comercial", através de uma redução das importações. Mas, ainda assim, o responsável diz "ter consciência de que não será condição suficiente para sairmos da crise".

O programa "Compro o que é nosso" tem cumprido os objectivos, tendo apanhado o comboio de uma tendência que se foi instalando no país. Hoje, os símbolos que identificam produtos portugueses estão um pouco por todo o lado, sobretudo na área alimentar, promovendo um atributo (a origem) que para muitos não era, até há pouco tempo, um motivador de compra. Desde que o projecto arrancou, em 2006, o rótulo da AEP tem contribuído "para aumentar as vendas entre cinco e 15%", disse o seu vice-presidente, citando um estudo feito junto das empresas associadas, que representam cerca de 2500 marcas.

Para fazerem parte desta campanha, estas companhias têm de preencher quatro requisitos: ter sede e marcas registadas em Portugal, contribuir para a economia portuguesa (através de um rácio que calcula o valor acrescentado e a incorporação nacional, dividindo pelo valor da produção), ter situação regularizada junto do Estado e cumprir a legislação em vigor em termos de formação, licenciamento e segurança, por exemplo.

Recentemente, a AEP viu-se envolvida numa polémica com o Governo, que mostra como a marca Portugal é um valor que continua por trabalhar de forma mais consistente e pacífica. O Ministério da Economia anunciou, e deverá concretizar ainda este ano, um novo programa para dinamizar o consumo nacional, do qual a associação não sabe se fará parte. A ideia do executivo é criar uma campanha mais global, que agregue todas as iniciativas já em marcha, mas a associação receia que este projecto possa colidir com o "Compro o que é nosso".

De facto, iniciativas não faltam. O Movimento 560, fundado no Verão de 2005, continua activo nas redes sociais. Na última semana, foi lançada a marca Portugal Genial, que montou os seus próprios cabazes 100% portugueses. E os próprios produtores e retalhistas, mais conscientes do poder da origem, fazem questão de sublinhar que os produtos são do país, seja simplesmente nas embalagens ou fazendo disso um mote para campanhas de marketing nos corredores dos hipermercados, de bandeira em punho. O problema está no terreno, quando, de lista de compras na mão e com um orçamento reduzido, se tenta encontrar um artigo realmente português.

Voltemos aos perfumes. Neste caso, o dilema ficou resolvido na segunda loja em que a Pública entrou, naquela mesma terça-feira. Numa parede totalmente dedicada a perfumaria, com centenas de artigos expostos, havia, na última prateleira, bem ao canto, três possibilidades para escolha. Consultando o verso das embalagens, uma foi de imediato eliminada: a linha de perfumes da criadora de moda Ana Salazar - alguns aromas são totalmente fabricados no estrangeiro e outros dois, como o mais recente (Silêncio), repartidos entre produção internacional e portuguesa.

A montagem final dos produtos "é feita em Portugal", o "maior valor acrescentado reside na marca, no desenvolvimento e design" e, por isso, a empresa de Ana Salazar considera os seus perfumes "produtos portugueses". No entanto, a maioria dos componentes é "made in Europa", como é caso do vaporizador (Espanha), da tampa (Reino Unido), do frasco (França) e da própria fragrância (França ou Suíça), explicou à Pública.

E tecnologia? Não temos

Restavam, por isso, duas opções: os perfumes Amor Perfeito, de José António Tenente, e Amo.te, da marca criada por Pedro Miguel Ramos, que tem também negócios sob a mesma insígnia na restauração e nos eventos, por exemplo.

"Há capacidade e qualidade para fazermos em Portugal. O nosso grau de intervenção e participação é maior, a proximidade funciona como vantagem. E sentimos que todos os intervenientes têm também muito entusiasmo pela participação num projecto que conhecem e que é português", justificou Margarida Tenente, irmã do criador português.

Neste caso, a cadeia de valor começa numa empresa do Porto, a I-Sensis, que trabalhou a fragrância de Amor Perfeito. O desenvolvimento da marca e comercialização estão nas mãos da 100ml, uma companhia fundada há praticamente quatro anos por Luís Pereira e Catarina Fragata, que também lançaram uma linha própria e acreditam que a compra de produtos nacionais nesta área tem tendência para crescer.

"Não é fácil porque há uma invasão de multinacionais, mas a procura tem vindo a intensificar-se nos últimos três anos porque as pessoas começam a perceber que Portugal tem bons produtores e há mais inovação a acontecer, fruto da necessidade de inventar coisas novas para lutarmos contra a crise", argumenta Luís Pereira. Pedro Miguel Ramos, da Amo.te, partilha dessa opinião. "Há um nicho de mercado que, com a actual conjuntura, está preocupado em estimular a economia nacional. E esse nicho vai aumentar."

Para este cabaz de Natal, o preço teve de falar mais alto e foi esse o critério que levou a Pública a optar pelo perfume deste empresário, à venda por 35,50 euros para a embalagem de 100ml. "Produção nacional é uma política da marca, nem sequer procurámos um fornecedor estrangeiro. É lógico que seria mais barato comprar feito lá fora, mas fomos contactados por uma empresa de Leiria que nos desafiou e vendemos-lhes os direitos de exploração na perfumaria", explicou Pedro Miguel Ramos.

Com esta escolha, e apesar de a oferta ser escassa, tínhamos dois produtos no cabaz - perfumes e brinquedos, num total de 44,50 euros. Faltavam ainda outras sete prendas e a alimentação. E o pior estava para vir: quando a lista chega à tecnologia. Nem sequer percorremos o interior de muitas lojas. Mal aparecia um funcionário, logo à entrada, a resposta era sempre a mesma. Não havia produtos nacionais à venda. Nem gadgets, nem DVD, nem jogos, nem máquinas fotográficas, nem qualquer tipo de electrónica de consumo. Nada.

Numa das investidas, um funcionário de uma grande cadeia nacional do sector dispôs-se a dar uma ajuda ao projecto da Pública. E foi assim que chegámos a Filipe Pina, da portuguesa Seed Studios. A empresa nasceu em 2006 e mantém-se, desde então no Porto, dedicada ao desenvolvimento de videojogos. O premiado Under Siege foi direito para o cabaz por 9,99 euros. Foi a única opção que encontrámos, apesar de não respeitar a 100% os critérios definidos. É que, embora seja de produção nacional, a tradução é feita lá fora.

"Quando se chega à parte de traduzir, é preciso ter pessoas a fazê-lo enquanto o jogo está a correr. E isso obriga a que tenhamos um fornecedor que disponha de equipamentos (Playstation 3, neste caso) e de uma licença da Sony, o que em Portugal não existe porque o investimento não compensa", explicou o produtor da Seed Studios. O videojogo não pode ser adquirido numa loja, apenas descarregado online. E saiu agora o livro A Arte de Under Siege, que revela os esboços, ilustrações e esquemas do videojogo. Tudo feito em Portugal e à venda por 15 euros.

Próxima paragem: música. Não falta oferta portuguesa, apesar de ficar completamente na sombra dos álbuns internacionais, que ocupam 80% do espaço dedicado à arte nas lojas que visitámos. Mas o maior problema é encontrar um produto totalmente "made in Portugal" - da produção em si à embalagem, sem esquecer o booklet e o próprio CD.

A maioria das editoras internacionais com delegação em território português opta por fabricar em Portugal a música e o pacote vem de fora. É o caso da EMI, que representa, por exemplo, o fadista Ricardo Ribeiro, e que desafiou Luís Represas e João Gil a lançarem um álbum conjunto, pela primeira vez desde que os Trovante chegaram ao fim. "É uma obrigação que temos de respeitar porque fazemos parte de uma multinacional. Os motivos estão relacionados com a produção em escala, de grandes volumes e, para não sair caro, é feita essa escolha", disse à Pública António Marinho, da EMI.

As etiquetas não mentem

Ainda há, porém, algumas opções neste mercado, embora não tenhamos conseguido uma solução perfeita. A mais aproximada que encontrámos dá pelo nome de Chifre - uma pequena editora independente, lançada em Julho. A origem dos produtos e o preço ditaram a escolha. "É tudo feito em Portugal porque queremos apoiar a indústria, num momento que é difícil para todos. Além disso, o processo é muito mais rápido e conseguimos ter mais controlo de qualidade. Algumas coisas ficam mais caras, é verdade, mas compensa", explicou Marta Moiteiro.

Para contornar eventuais dificuldades em encontrar fornecedores, a empresa abdicou de embalagens em plástico e utiliza apenas cartão reciclável. "Montamos tudo", acrescentou. Mas há uma parte do produto que só conseguem lá fora: os CD, que vêm de uma fábrica em Vigo. "Não encontrámos em Portugal uma opção, porque o formato é muito específico, parece um vinil", explicou. O novo álbum de Diego Armés (Mafra, 1979) entrou assim para o cabaz da Pública. Canções para Senhoras, com João Gil ao piano, custa dez euros.

Faltava ainda o desafio do vestuário e do calçado. A lista obrigava a encontrar um conjunto de roupa de criança, um acessório para adulto e um par de ténis. Esta parte foi mais fácil, apesar do desencanto que é entrar em lojas portuguesas e só encontrar etiquetas "made in China", aqui e ali "made inIndia" e, um pouco mais raro, "made in Turkey". Os funcionários bem quiseram ajudar. "Tem de haver aqui qualquer coisa", dizia um deles, enquanto se amontoavam cabides de uma marca comercializada por uma das principais cadeias portuguesas da grande distribuição.

E essa "qualquer coisa" lá apareceu. Na Zippy, do grupo Sonae (proprietário do PÚBLICO), encontrámos um conjunto para criança que ficava por 25 euros. Outras soluções foram aparecendo, mas já fugiam ao orçamento. Na Lanidor ou na Laranjinha, há produtos 100% nacionais. Porém, mais caros. Na loja Lápis de Cor, num centro comercial em Cascais, descobrimos peças da BW Kids, uma fabricante de vestuário infantil com preços mais comedidos, que não respondeu às perguntas enviadas pela Pública.

A dona da loja, Jaqueline Coimbra, explicou que "quem procura mais os produtos portugueses são os turistas", que "chegam até a desistir de comprar quando escolhem um artigo e percebem que é feito na China". Os consumidores portugueses "não têm tanto essa preocupação", contou. Para Pedro Cavaco, um dos três impulsionadores do Movimento 560, esta tendência "é uma questão de hábito, de educação", com um misto do factor "preço" e da "falta de oferta".

Daniel Bessa, economista, é mais assertivo. "Há produtos que Portugal não pode oferecer. Noutros casos, há oferta interna, mas nem sempre se apresenta nas configurações ou qualidade desejadas, nem nas relações qualidade/preço tidas por mais convenientes", disse à Pública. O ex-ministro é, porém, um dos defensores de que só consumir produtos feitos no país não é a solução. "Portugal precisa de exportar, não podendo nunca liderar, salvo em produtos muito específicos, nenhum movimento de "rejeição das importações", fechando-se ao comércio mundial."

Aqui o perigo residiria na amplificação do fenómeno, levando outros países a seguir o exemplo e a barrar a entrada de produtos portugueses. As empresas locais ficariam limitadas a um mercado com apenas dez milhões de potenciais consumidores - um inibidor da ambição e da capacidade que muitas têm. Em última análise, este cenário deitaria por terra o veículo apontado como ressuscitador da economia portuguesa: as exportações, precisamente. "Comprar português pode dar uma ajuda, mas o progresso faz-se de abertura, não de fecho ao comércio internacional. O mundo ficaria bem pior se todos decidíssemos comprar apenas português", acredita Daniel Bessa.

No final do périplo pelas lojas de roupa e calçado, o cabaz da Pública passou a contar com o conjunto da Zippy, um cachecol da Lanidor (14,90 euros) e um par de ténis da Lacatoni (24,60 euros). No caso do calçado, as escolhas são muito limitadas, face à especial profusão de fabrico no Oriente. Resumiram-se à empresa de Braga, da qual um dos sócios é o ex-treinador do Sporting Carlos Carvalhal, e aos clássicos da Sanjo, de São João da Madeira. Mais uma vez, o preço falou mais alto e optou-se pela Lacatoni, que trabalha sobretudo com encomendas para clubes de futebol (Académica e Vitória de Setúbal são dois dos clientes), mas também aceita pedidos na fábrica ou na Internet.

Faltavam apenas dois produtos para fechar a lista das prendas de Natal: um livro e um vinho do Porto. Ao contrário do que acontecera até aqui, bastou entrar na primeira loja para encontrarmos o que procurávamos. A explicação é a mesma: são duas indústrias com histórico e força no país. Atendendo sobretudo ao preço, com o alerta do orçamento dos 300 euros sempre a piscar, escolhemos o novo livro de Mário Soares, Um Político Assume-se. Um ensaio editado pela Temas e Debates/Círculo de Leitores/, empresa fundada no início da década de 1970, produzido pela Bloco Gráfico, da Maia, e vendido por 15,75 euros.

A atribulada ceia

O vinho do Porto escolhido foi o Offley da Sogrape, detida por accionistas portugueses. O produto está à venda por 4,49 euros. E, com esta última compra virtual, fechámos o cabaz dos presentes com nove produtos e uma despesa de 149,23 euros. O gasto final acabou por cumprir a meta definida, com um preço total de 319,34 euros. Mais de metade desta verba corresponde aos gastos com a ceia. E neste ponto, tal como aconteceu com as prendas, a tarefa foi difícil. Conseguir um produto 100% nacional é impossível em algumas categorias e, quando finalmente conseguimos encontrar soluções, já tínhamos perdido a conta ao sem fim de artigos importados.

"Falta uma política industrial (e agrícola) de estímulo à produção e de valorização da criação de riqueza", disse à Pública José Reis, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, para justificar a falta de oferta nas prateleiras dos hipermercados. "É dessa política, e não de um qualquer nacionalismo mais ou menos serôdio ou passageiro, que verdadeiramente precisamos", sublinhou o especialista, acrescentando que, "apesar de a capacidade de produção não utilizada ser muito grande", a indústria está nas restrições de acesso ao crédito, que inibem o investimento. "É depressivo e oprime as empresas", rematou.

Nesta parcela algumas categorias mostraram-se mais difíceis do que outras. Porque não existe matéria-prima em Portugal ou porque, apesar de fabricados em território português, os produtos são, muitas vezes, embalados por fornecedores estrangeiros. A maioria dos artigos que entrou no cabaz da Pública respeita o critério 100% made in Portugal, mas há excepções. É o caso de um elemento quase indispensável na ceia de Natal: o bacalhau, que é pescado em águas frias, maioritariamente na Noruega.

Encontrámos, ainda assim, uma empresa portuguesa que, tirando a pesca, se ocupa de toda a cadeia de valor, até que o produto chega à mesa. A Riberalves, criada em 1985 e que hoje emprega quatro mil pessoas nas duas fábricas em Portugal - Torres Vedras e Moita. Ricardo Alves, administrador e filho do fundador, explica que também já têm instalações na Islândia e na Noruega, onde fazem parte do processo, como salgar o bacalhau, por exemplo.

Quando passa a fronteira portuguesa, pode chegar congelado ou salgado, passando depois pelas diferentes fases da produção. "Só não conseguimos pescar porque as nossas águas são quentes. Senão também pescaríamos", disse o empresário, acrescentando que os produtos ultracongelados já representam 50% das receitas da Riberalves.

E com o bacalhau, vêm os legumes - da batata aos grelos, sem esquecer os nabos, as cenouras e tantos outros. Neste campo, é fácil encontrar soluções à medida, apesar de, em alguns casos, a concorrência estrangeira ganhar no preço. O azeite e o vinagre fecham esta fase da ceia e, também aqui, encontrámos soluções portuguesas em produtos com marca própria (dos hipermercados). No final de contas, esta parte do jantar ficou-nos por cerca de 50 euros.

Figos do Chile e passas do Irão

O problema começou quando chegámos às entradas. E piorou nas prateleiras das bebidas. Frutos secos encontrámos, mas apenas pinhões, amêndoas e nozes (estas últimas muito mais caras do que as espanholas). Figos do Chile, passas do Irão, pevides da China e até pistácios dos Estados Unidos. De Portugal, sobraram aqueles três produtos, difíceis de descobrir por entre os amontoados de embalagens de origem difícil de decifrar.

Nas bebidas, a parte dos licores, aguardentes, espumantes e vinhos é simples. Não faltam produtores portugueses com preços acessíveis. Mas a tarefa vai piorando à medida que se chega aos sumos, cervejas e águas e é difícil encontrar uma solução 100% portuguesa. Na Unicer, por exemplo, a incorporação nacional "é de cerca de 80%", explicou a empresa de Leça do Bailio, no Porto, da qual seleccionámos Frisumo e Água do Caramulo. O problema são as cápsulas. "É tudo de fornecedores portugueses, à excepção desse componente."

O mesmo acontece com muitas outras companhias do sector, sobretudo as que recorrem a embalagens de cartão, vendidas pela sueca Tetra Pak e, portanto, produzidas no exterior. Também na Central de Cervejas, dona da cerveja Sagres (que entrou no cabaz da Pública), subsiste esta questão. Do estrangeiro, chegam as latas e as cápsulas e também parte da cevada "quando não há produção nacional suficiente", justificou Nuno Pinto Magalhães, porta-voz da empresa com fábrica em Vialonga. Neste caso, há ainda a questão da propriedade. É que, embora esteja instalada em Portugal, empregando 1100 trabalhadores, a companhia tem como único accionista os dinamarqueses da Heineken.

Pão, broa, enchidos e queijos entram para o carrinho de compras com facilidade. Há produção, há oferta variada, qualidade e preços competitivos. Azeitonas e tremoços também. Quando chega a fase das sobremesas, as prateleiras são menos altruístas. Para já, despendemos boa parte do tempo a tentar confirmar se os produtos são 100% portugueses e não foram poucas as vezes em que ao telefone ouvimos "não". O custo e o tempo de produção foram os grandes motivos apontados.

Nos chocolates, encontrámos a gama da Imperial, uma empresa do grupo RAR, com produtos 100% portugueses como Pantagruel, Regina e Allegro - só o cacau não é português por "inexistência de matéria-prima no nosso país", explicou a gestora da marca, Mafalda da Silva Semedo. No entanto, há alternativas mais baratas. Nos chocolates de culinária, por exemplo, encontrámos um artigo espanhol a custar menos 30 cêntimos.

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A busca pelos restantes ingredientes para as sobremesas planeadas (tronco de Natal, sonhos, filhozes e fatias douradas) foi de extremos. Ovos, limão, fermento de padeiro, sal, farinha, açúcar e óleo são fáceis de encontrar. Mas tudo o que envolve a categoria de lacticínios pode ser uma verdadeira dor de cabeça. No leite, o mais próximo dos parâmetros definidos que descobrimos foi a marca Matinal, da Lactogal, e isto porque a empresa investiu numa máquina que produz as embalagens concebidas pela sueca Tetra Pak. O cartão, porém, também vem de fora. Nas natas e na manteiga, o critério foi apenas um: preço. Escolhemos o mais barato porque, dos contactos efectuados ao longo destes dias, não recebemos um único "sim" à pergunta "é 100% português?".

António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal, acredita que isso pode mudar, se os hábitos de compra mudarem também. "Enquanto consumidores, a resposta que poderemos dar passa pela opção por produtos nacionais (...) ou mesmo pela alteração das nossas escolhas, de forma a favorecer a produção nacional." E, por isso, diz que "as compras de Natal são uma excelente oportunidade para introduzir este critério nas nossas decisões". O facto é que, independentemente do efeito final, os tais 1,3 mil milhões que este cabaz daria a ganhar à economia representam mais dinheiro do que aquele que o Governo estima arrecadar com os cortes dos subsídios na função pública (935 milhões de euros) e mais de metade do esperado com a subida das taxas do IVA (dois mil milhões de euros).comAna Rute Silva

raquel.correia@publico.pt

Entrámos em dezenas de lojas à procura de um jogo de tabuleiro. Desesperámos por tecnologia. E percorremos o globo, da China aos EUA, em busca de frutos secos. Tudo para montar um cabaz 100% português, dos presentes à ceia. Despesa final: 320 euros, que se traduziria num ganho de 1,3 mil milhões para a economia nacional, se todas as famílias comprassem um cabaz assim.

São 11h de uma terça-feira com pouco movimento nas lojas. Talvez por isso as duas funcionárias da perfumaria onde entrámos não se tenham negado a um desafio que parecia, desde logo, condenado ao insucesso. O objectivo: encontrar um produto 100% português para oferecer este Natal. Começámos pelos perfumes. Nada. Depois a cosmética. Nada também. Finalmente, a higiene. No topo de uma das prateleiras, uma embalagem fazia lembrar os sabonetes da portuguesa Ach. Brito. Enganámo-nos. A loja chegou a ter estes produtos, mas os clientes preferiam outras marcas. Hoje, vende-se apenas uma linha britânica - dois euros mais barata.

Saímos da perfumaria de mãos a abanar. Uma sensação que se repetiria nos dias seguintes. Nas lojas de desporto, nos hipermercados, nos bazares de brinquedos. A ideia de construir um cabaz de Natal "made in Portugal", da ceia aos presentes, adivinhava-se um projecto difícil, sobretudo porque tínhamos de cumprir um orçamento em linha com a actual conjuntura. E isso significava não ir muito além dos 300 euros.

Muitas lojas depois, com ou sem ajuda dos funcionários, mais ou menos conhecedores de tudo o que são etiquetas, rótulos e códigos de barras, chegámos ao final com 53 produtos portugueses e uma conta de 319,34 euros. Em alguns casos, ficámos aquém do objectivo inicial. Foi o que aconteceu com o bacalhau e o chocolate, já que a matéria-prima tem mesmo de ser importada, e noutros casos pontuais, como as natas e algumas bebidas, porque não encontrámos no mercado artigos que cumprissem o critério definido: 100% de produção, embalamento, distribuição e venda por empresas portuguesas.

Se todas as famílias comprassem este cabaz para a quadra que se aproxima, a economia portuguesa ganharia mais de 1,3 mil milhões de euros, multiplicando o preço dos 53 produtos (319,34 euros) pelo total de lares em Portugal - 4.079.577, de acordo com os Censos de 2011. Não seria o suficiente para o país sair da crise, mas daria uma ajuda, defendem os especialistas. Na prática, a transferência do consumo para produtos nacionais reduziria as importações, o que teria um impacto positivo na balança comercial e, consequentemente, no Produto Interno Bruto (PIB), mas também acarretaria riscos. A indústria poderia não estar preparada para aumentos inesperados na procura, as empresas importadoras ficariam em perigo e outros países poderiam seguir o exemplo, fechando as suas fronteiras às exportações portuguesas.

Todos estes cenários pressupõem, porém, que haja no país oferta (a preços competitivos, sublinhe-se) para satisfazer um qualquer ímpeto por compras "made in Portugal", num momento que é de crise, de cortes nos rendimentos e de contenção nas despesas. E descobrir uma solução 100% nacional, à medida da conjuntura presente, não é fácil, tendo em conta as dificuldades encontradas e o tempo despendido nas lojas em que a Pública entrou nos últimos dias. E mais difícil se torna quando se chega à lista de prendas.

E a China aqui tão perto

Comecemos pelos brinquedos. Procurávamos um jogo de tabuleiro, dos que juntam famílias à mesa. A oferta é variada, seja nos hipermercados ou nos grandes bazares. Tão variada quanto a invasão de marcas estrangeiras. Ainda assim, encontrámos duas empresas portuguesas a combater por um lugar nas prateleiras: a septuagenária Majora e a jovem Mesa Board Games, fundada há apenas dois anos. O problema surgiu quando virámos as caixas e, em vez de fabricado em Portugal, encontrámos "made in China" ou nenhuma informação.

Era esse o caso da Mesa Board Games, que nada dizia sobre o local de fabrico dos produtos que comercializa - que vão desde clássicos inspirados na produção de vinhos no Douro a simulações de investimentos na bolsa. Gil D"Orey, um dos sócios da empresa de Cascais, disse à Pública que os jogos são produzidos na Alemanha e Turquia, o que os colocou fora do cabaz. "Tentámos encontrar fornecedores nacionais, mas havia certas peças em que nos pediam o dobro do preço e a qualidade não é a mesma", explicou, acrescentando que "não pensaria duas vezes em produzir no país se houvesse uma oferta competitiva".

Não é uma justificação invulgar neste sector. Aliás, é exactamente a mesma da Majora, fundada em 1939 e com uma fábrica no Porto desde o final dos anos 1960. "Não conseguimos produzir em Portugal componentes de plástico mais complexas, por exemplo, porque cada produto ficaria a um preço exorbitante", esclareceu Luís de Sousa, porta-voz da empresa. O verso das caixas de jogos confirma. Tudo o que é mais minucioso ou que envolve mais mecânica tem um selo do Oriente. O país de eleição é a China.

Para o cabaz da Pública, entrou o jogo de xadrez da Majora, à venda por nove euros. Poderiam ter também entrado as damas, o loto, o Sabichão ou o Mikado, que fazem parte do lote de produtos que fabrica em território nacional - que chega a uma centena. "Em Espanha, a indústria é muito mais forte. Portugal é uma periferia muito periférica", disse Luís de Sousa à Pública, sublinhando que a empresa não está em perigo apesar da verdadeira batalha que se trava com as multinacionais do sector, como a Parker ou a Distel, com os consumidores a olhar mais ao preço do que à origem.

A mesma sorte não tiveram muitas outras empresas portuguesas que se dedicavam a fazer brinquedos, como a Sobrinca, que faliu em 2004. Outras resistem, mas tiveram de se adaptar à força. Sónia Piedade, herdeira da Facobon, explicou à Pública que a fábrica da Abóboda, nos arredores de Lisboa, "já não produz brinquedos", a não ser por encomenda. Restam as mascotes e artigos de Carnaval por causa "da concorrência desleal de países como a China e Índia" e das próprias "lojas chinesas abertas em cada esquina do nosso país", disse, acrescentando que se "torna muito difícil competir com preços completamente descabidos, quando o nosso nível de vida e impostos é completamente diferente".

A realidade seria outra, certamente, se, da tal batalha por um lugar no carrinho de compras, os produtos portugueses saíssem sempre vencedores. Mas persiste a dúvida se a indústria estaria à altura do desafio. Sónia Piedade garante que sim. "Temos capacidade, como já temos desde 1977, ano em que foi criada a empresa. A procura é que é praticamente nenhuma", frisou. Não é essa, porém, a opinião de alguns especialistas. João César das Neves, economista e professor da Universidade Católica Portuguesa, acredita que o tecido produtivo "no curto prazo não estaria certamente" preparado. E explica porquê.

Se os portugueses começassem a comprar exclusivamente produtos feitos em Portugal, independentemente do tipo de artigo, "iria haver grande falta de produtos, porque as empresas não estão à espera de um aumento tão grande da procura". Agora, se esta tendência se mantivesse, ultrapassando os limites da quadra natalícia, "far-se-ia um ajustamento" para responder às necessidades dos consumidores. Mas, mesmo que fosse esse o caso, o país não estaria livre das consequências. "Haveria um efeito positivo em certas empresas e negativo noutras. É importante não esquecer que os importadores também são empresas nacionais, que empregam trabalhadores nacionais", alertou.

A longo prazo, também as empresas penalizadas pela quebra na procura de produtos estrangeiros poderiam fazer a sua própria adaptação à mudança de hábitos dos portugueses. "Se essa escolha [de artigos nacionais] se mantivesse e fosse duradoura, as empresas nacionais que perdem(as importadoras)seriam menos do que aquelas que ganham e os trabalhadores que sairiam das importadoras poderiam encontrar emprego nas empresas que fabricam produtos nacionais, que teriam mais procura", explicou, deixando, no entanto, um alerta. "É importante lembrar que, em geral, os consumidores não escolhem estrangeiro por engano ou mania, mas porque é melhor e mais barato."

Não resolve, mas ajuda

Mesmo que essa realidade se alterasse, colocando todos os produtos portugueses na mesma categoria de competição (de qualidade e preço), "a crise é bastante mais profunda" e não se resolveria com carrinhos de compras carregados de "made in Portugal"", disse César das Neves. E não é certo que, se isso acontecesse, o país saísse a ganhar. "Se esse ganho fosse usado em investimento e inovação, o país ficaria melhor. Se fosse esbanjado, seria um desperdício", rematou, em linha com as ideias de outros economistas, que acreditam que o dinheiro que ficaria retido no país poderia servir para as empresas portuguesas crescerem e converterem essa ascensão em mais emprego, melhores salários e recuperação da economia.

É essa a opinião de Paulo Nunes de Almeida, vice-presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), que fala em "inovação, valorização dos recursos humanos e aposta clara na internacionalização" como efeitos positivos desta transferência de consumo. A associação que fundouo projecto "Compro o que é nosso", que já reúne 815 empresas portuguesas, está convicta de que um aumento do consumo de produtos portugueses "teria um forte impacto ao nível da redução do défice externo, ao equilibrar a balança comercial", através de uma redução das importações. Mas, ainda assim, o responsável diz "ter consciência de que não será condição suficiente para sairmos da crise".

O programa "Compro o que é nosso" tem cumprido os objectivos, tendo apanhado o comboio de uma tendência que se foi instalando no país. Hoje, os símbolos que identificam produtos portugueses estão um pouco por todo o lado, sobretudo na área alimentar, promovendo um atributo (a origem) que para muitos não era, até há pouco tempo, um motivador de compra. Desde que o projecto arrancou, em 2006, o rótulo da AEP tem contribuído "para aumentar as vendas entre cinco e 15%", disse o seu vice-presidente, citando um estudo feito junto das empresas associadas, que representam cerca de 2500 marcas.

Para fazerem parte desta campanha, estas companhias têm de preencher quatro requisitos: ter sede e marcas registadas em Portugal, contribuir para a economia portuguesa (através de um rácio que calcula o valor acrescentado e a incorporação nacional, dividindo pelo valor da produção), ter situação regularizada junto do Estado e cumprir a legislação em vigor em termos de formação, licenciamento e segurança, por exemplo.

Recentemente, a AEP viu-se envolvida numa polémica com o Governo, que mostra como a marca Portugal é um valor que continua por trabalhar de forma mais consistente e pacífica. O Ministério da Economia anunciou, e deverá concretizar ainda este ano, um novo programa para dinamizar o consumo nacional, do qual a associação não sabe se fará parte. A ideia do executivo é criar uma campanha mais global, que agregue todas as iniciativas já em marcha, mas a associação receia que este projecto possa colidir com o "Compro o que é nosso".

De facto, iniciativas não faltam. O Movimento 560, fundado no Verão de 2005, continua activo nas redes sociais. Na última semana, foi lançada a marca Portugal Genial, que montou os seus próprios cabazes 100% portugueses. E os próprios produtores e retalhistas, mais conscientes do poder da origem, fazem questão de sublinhar que os produtos são do país, seja simplesmente nas embalagens ou fazendo disso um mote para campanhas de marketing nos corredores dos hipermercados, de bandeira em punho. O problema está no terreno, quando, de lista de compras na mão e com um orçamento reduzido, se tenta encontrar um artigo realmente português.

Voltemos aos perfumes. Neste caso, o dilema ficou resolvido na segunda loja em que a Pública entrou, naquela mesma terça-feira. Numa parede totalmente dedicada a perfumaria, com centenas de artigos expostos, havia, na última prateleira, bem ao canto, três possibilidades para escolha. Consultando o verso das embalagens, uma foi de imediato eliminada: a linha de perfumes da criadora de moda Ana Salazar - alguns aromas são totalmente fabricados no estrangeiro e outros dois, como o mais recente (Silêncio), repartidos entre produção internacional e portuguesa.

A montagem final dos produtos "é feita em Portugal", o "maior valor acrescentado reside na marca, no desenvolvimento e design" e, por isso, a empresa de Ana Salazar considera os seus perfumes "produtos portugueses". No entanto, a maioria dos componentes é "made in Europa", como é caso do vaporizador (Espanha), da tampa (Reino Unido), do frasco (França) e da própria fragrância (França ou Suíça), explicou à Pública.

E tecnologia? Não temos

Restavam, por isso, duas opções: os perfumes Amor Perfeito, de José António Tenente, e Amo.te, da marca criada por Pedro Miguel Ramos, que tem também negócios sob a mesma insígnia na restauração e nos eventos, por exemplo.

"Há capacidade e qualidade para fazermos em Portugal. O nosso grau de intervenção e participação é maior, a proximidade funciona como vantagem. E sentimos que todos os intervenientes têm também muito entusiasmo pela participação num projecto que conhecem e que é português", justificou Margarida Tenente, irmã do criador português.

Neste caso, a cadeia de valor começa numa empresa do Porto, a I-Sensis, que trabalhou a fragrância de Amor Perfeito. O desenvolvimento da marca e comercialização estão nas mãos da 100ml, uma companhia fundada há praticamente quatro anos por Luís Pereira e Catarina Fragata, que também lançaram uma linha própria e acreditam que a compra de produtos nacionais nesta área tem tendência para crescer.

"Não é fácil porque há uma invasão de multinacionais, mas a procura tem vindo a intensificar-se nos últimos três anos porque as pessoas começam a perceber que Portugal tem bons produtores e há mais inovação a acontecer, fruto da necessidade de inventar coisas novas para lutarmos contra a crise", argumenta Luís Pereira. Pedro Miguel Ramos, da Amo.te, partilha dessa opinião. "Há um nicho de mercado que, com a actual conjuntura, está preocupado em estimular a economia nacional. E esse nicho vai aumentar."

Para este cabaz de Natal, o preço teve de falar mais alto e foi esse o critério que levou a Pública a optar pelo perfume deste empresário, à venda por 35,50 euros para a embalagem de 100ml. "Produção nacional é uma política da marca, nem sequer procurámos um fornecedor estrangeiro. É lógico que seria mais barato comprar feito lá fora, mas fomos contactados por uma empresa de Leiria que nos desafiou e vendemos-lhes os direitos de exploração na perfumaria", explicou Pedro Miguel Ramos.

Com esta escolha, e apesar de a oferta ser escassa, tínhamos dois produtos no cabaz - perfumes e brinquedos, num total de 44,50 euros. Faltavam ainda outras sete prendas e a alimentação. E o pior estava para vir: quando a lista chega à tecnologia. Nem sequer percorremos o interior de muitas lojas. Mal aparecia um funcionário, logo à entrada, a resposta era sempre a mesma. Não havia produtos nacionais à venda. Nem gadgets, nem DVD, nem jogos, nem máquinas fotográficas, nem qualquer tipo de electrónica de consumo. Nada.

Numa das investidas, um funcionário de uma grande cadeia nacional do sector dispôs-se a dar uma ajuda ao projecto da Pública. E foi assim que chegámos a Filipe Pina, da portuguesa Seed Studios. A empresa nasceu em 2006 e mantém-se, desde então no Porto, dedicada ao desenvolvimento de videojogos. O premiado Under Siege foi direito para o cabaz por 9,99 euros. Foi a única opção que encontrámos, apesar de não respeitar a 100% os critérios definidos. É que, embora seja de produção nacional, a tradução é feita lá fora.

"Quando se chega à parte de traduzir, é preciso ter pessoas a fazê-lo enquanto o jogo está a correr. E isso obriga a que tenhamos um fornecedor que disponha de equipamentos (Playstation 3, neste caso) e de uma licença da Sony, o que em Portugal não existe porque o investimento não compensa", explicou o produtor da Seed Studios. O videojogo não pode ser adquirido numa loja, apenas descarregado online. E saiu agora o livro A Arte de Under Siege, que revela os esboços, ilustrações e esquemas do videojogo. Tudo feito em Portugal e à venda por 15 euros.

Próxima paragem: música. Não falta oferta portuguesa, apesar de ficar completamente na sombra dos álbuns internacionais, que ocupam 80% do espaço dedicado à arte nas lojas que visitámos. Mas o maior problema é encontrar um produto totalmente "made in Portugal" - da produção em si à embalagem, sem esquecer o booklet e o próprio CD.

A maioria das editoras internacionais com delegação em território português opta por fabricar em Portugal a música e o pacote vem de fora. É o caso da EMI, que representa, por exemplo, o fadista Ricardo Ribeiro, e que desafiou Luís Represas e João Gil a lançarem um álbum conjunto, pela primeira vez desde que os Trovante chegaram ao fim. "É uma obrigação que temos de respeitar porque fazemos parte de uma multinacional. Os motivos estão relacionados com a produção em escala, de grandes volumes e, para não sair caro, é feita essa escolha", disse à Pública António Marinho, da EMI.

As etiquetas não mentem

Ainda há, porém, algumas opções neste mercado, embora não tenhamos conseguido uma solução perfeita. A mais aproximada que encontrámos dá pelo nome de Chifre - uma pequena editora independente, lançada em Julho. A origem dos produtos e o preço ditaram a escolha. "É tudo feito em Portugal porque queremos apoiar a indústria, num momento que é difícil para todos. Além disso, o processo é muito mais rápido e conseguimos ter mais controlo de qualidade. Algumas coisas ficam mais caras, é verdade, mas compensa", explicou Marta Moiteiro.

Para contornar eventuais dificuldades em encontrar fornecedores, a empresa abdicou de embalagens em plástico e utiliza apenas cartão reciclável. "Montamos tudo", acrescentou. Mas há uma parte do produto que só conseguem lá fora: os CD, que vêm de uma fábrica em Vigo. "Não encontrámos em Portugal uma opção, porque o formato é muito específico, parece um vinil", explicou. O novo álbum de Diego Armés (Mafra, 1979) entrou assim para o cabaz da Pública. Canções para Senhoras, com João Gil ao piano, custa dez euros.

Faltava ainda o desafio do vestuário e do calçado. A lista obrigava a encontrar um conjunto de roupa de criança, um acessório para adulto e um par de ténis. Esta parte foi mais fácil, apesar do desencanto que é entrar em lojas portuguesas e só encontrar etiquetas "made in China", aqui e ali "made inIndia" e, um pouco mais raro, "made in Turkey". Os funcionários bem quiseram ajudar. "Tem de haver aqui qualquer coisa", dizia um deles, enquanto se amontoavam cabides de uma marca comercializada por uma das principais cadeias portuguesas da grande distribuição.

E essa "qualquer coisa" lá apareceu. Na Zippy, do grupo Sonae (proprietário do PÚBLICO), encontrámos um conjunto para criança que ficava por 25 euros. Outras soluções foram aparecendo, mas já fugiam ao orçamento. Na Lanidor ou na Laranjinha, há produtos 100% nacionais. Porém, mais caros. Na loja Lápis de Cor, num centro comercial em Cascais, descobrimos peças da BW Kids, uma fabricante de vestuário infantil com preços mais comedidos, que não respondeu às perguntas enviadas pela Pública.

A dona da loja, Jaqueline Coimbra, explicou que "quem procura mais os produtos portugueses são os turistas", que "chegam até a desistir de comprar quando escolhem um artigo e percebem que é feito na China". Os consumidores portugueses "não têm tanto essa preocupação", contou. Para Pedro Cavaco, um dos três impulsionadores do Movimento 560, esta tendência "é uma questão de hábito, de educação", com um misto do factor "preço" e da "falta de oferta".

Daniel Bessa, economista, é mais assertivo. "Há produtos que Portugal não pode oferecer. Noutros casos, há oferta interna, mas nem sempre se apresenta nas configurações ou qualidade desejadas, nem nas relações qualidade/preço tidas por mais convenientes", disse à Pública. O ex-ministro é, porém, um dos defensores de que só consumir produtos feitos no país não é a solução. "Portugal precisa de exportar, não podendo nunca liderar, salvo em produtos muito específicos, nenhum movimento de "rejeição das importações", fechando-se ao comércio mundial."

Aqui o perigo residiria na amplificação do fenómeno, levando outros países a seguir o exemplo e a barrar a entrada de produtos portugueses. As empresas locais ficariam limitadas a um mercado com apenas dez milhões de potenciais consumidores - um inibidor da ambição e da capacidade que muitas têm. Em última análise, este cenário deitaria por terra o veículo apontado como ressuscitador da economia portuguesa: as exportações, precisamente. "Comprar português pode dar uma ajuda, mas o progresso faz-se de abertura, não de fecho ao comércio internacional. O mundo ficaria bem pior se todos decidíssemos comprar apenas português", acredita Daniel Bessa.

No final do périplo pelas lojas de roupa e calçado, o cabaz da Pública passou a contar com o conjunto da Zippy, um cachecol da Lanidor (14,90 euros) e um par de ténis da Lacatoni (24,60 euros). No caso do calçado, as escolhas são muito limitadas, face à especial profusão de fabrico no Oriente. Resumiram-se à empresa de Braga, da qual um dos sócios é o ex-treinador do Sporting Carlos Carvalhal, e aos clássicos da Sanjo, de São João da Madeira. Mais uma vez, o preço falou mais alto e optou-se pela Lacatoni, que trabalha sobretudo com encomendas para clubes de futebol (Académica e Vitória de Setúbal são dois dos clientes), mas também aceita pedidos na fábrica ou na Internet.

Faltavam apenas dois produtos para fechar a lista das prendas de Natal: um livro e um vinho do Porto. Ao contrário do que acontecera até aqui, bastou entrar na primeira loja para encontrarmos o que procurávamos. A explicação é a mesma: são duas indústrias com histórico e força no país. Atendendo sobretudo ao preço, com o alerta do orçamento dos 300 euros sempre a piscar, escolhemos o novo livro de Mário Soares, Um Político Assume-se. Um ensaio editado pela Temas e Debates/Círculo de Leitores/, empresa fundada no início da década de 1970, produzido pela Bloco Gráfico, da Maia, e vendido por 15,75 euros.

A atribulada ceia

O vinho do Porto escolhido foi o Offley da Sogrape, detida por accionistas portugueses. O produto está à venda por 4,49 euros. E, com esta última compra virtual, fechámos o cabaz dos presentes com nove produtos e uma despesa de 149,23 euros. O gasto final acabou por cumprir a meta definida, com um preço total de 319,34 euros. Mais de metade desta verba corresponde aos gastos com a ceia. E neste ponto, tal como aconteceu com as prendas, a tarefa foi difícil. Conseguir um produto 100% nacional é impossível em algumas categorias e, quando finalmente conseguimos encontrar soluções, já tínhamos perdido a conta ao sem fim de artigos importados.

"Falta uma política industrial (e agrícola) de estímulo à produção e de valorização da criação de riqueza", disse à Pública José Reis, professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, para justificar a falta de oferta nas prateleiras dos hipermercados. "É dessa política, e não de um qualquer nacionalismo mais ou menos serôdio ou passageiro, que verdadeiramente precisamos", sublinhou o especialista, acrescentando que, "apesar de a capacidade de produção não utilizada ser muito grande", a indústria está nas restrições de acesso ao crédito, que inibem o investimento. "É depressivo e oprime as empresas", rematou.

Nesta parcela algumas categorias mostraram-se mais difíceis do que outras. Porque não existe matéria-prima em Portugal ou porque, apesar de fabricados em território português, os produtos são, muitas vezes, embalados por fornecedores estrangeiros. A maioria dos artigos que entrou no cabaz da Pública respeita o critério 100% made in Portugal, mas há excepções. É o caso de um elemento quase indispensável na ceia de Natal: o bacalhau, que é pescado em águas frias, maioritariamente na Noruega.

Encontrámos, ainda assim, uma empresa portuguesa que, tirando a pesca, se ocupa de toda a cadeia de valor, até que o produto chega à mesa. A Riberalves, criada em 1985 e que hoje emprega quatro mil pessoas nas duas fábricas em Portugal - Torres Vedras e Moita. Ricardo Alves, administrador e filho do fundador, explica que também já têm instalações na Islândia e na Noruega, onde fazem parte do processo, como salgar o bacalhau, por exemplo.

Quando passa a fronteira portuguesa, pode chegar congelado ou salgado, passando depois pelas diferentes fases da produção. "Só não conseguimos pescar porque as nossas águas são quentes. Senão também pescaríamos", disse o empresário, acrescentando que os produtos ultracongelados já representam 50% das receitas da Riberalves.

E com o bacalhau, vêm os legumes - da batata aos grelos, sem esquecer os nabos, as cenouras e tantos outros. Neste campo, é fácil encontrar soluções à medida, apesar de, em alguns casos, a concorrência estrangeira ganhar no preço. O azeite e o vinagre fecham esta fase da ceia e, também aqui, encontrámos soluções portuguesas em produtos com marca própria (dos hipermercados). No final de contas, esta parte do jantar ficou-nos por cerca de 50 euros.

Figos do Chile e passas do Irão

O problema começou quando chegámos às entradas. E piorou nas prateleiras das bebidas. Frutos secos encontrámos, mas apenas pinhões, amêndoas e nozes (estas últimas muito mais caras do que as espanholas). Figos do Chile, passas do Irão, pevides da China e até pistácios dos Estados Unidos. De Portugal, sobraram aqueles três produtos, difíceis de descobrir por entre os amontoados de embalagens de origem difícil de decifrar.

Nas bebidas, a parte dos licores, aguardentes, espumantes e vinhos é simples. Não faltam produtores portugueses com preços acessíveis. Mas a tarefa vai piorando à medida que se chega aos sumos, cervejas e águas e é difícil encontrar uma solução 100% portuguesa. Na Unicer, por exemplo, a incorporação nacional "é de cerca de 80%", explicou a empresa de Leça do Bailio, no Porto, da qual seleccionámos Frisumo e Água do Caramulo. O problema são as cápsulas. "É tudo de fornecedores portugueses, à excepção desse componente."

O mesmo acontece com muitas outras companhias do sector, sobretudo as que recorrem a embalagens de cartão, vendidas pela sueca Tetra Pak e, portanto, produzidas no exterior. Também na Central de Cervejas, dona da cerveja Sagres (que entrou no cabaz da Pública), subsiste esta questão. Do estrangeiro, chegam as latas e as cápsulas e também parte da cevada "quando não há produção nacional suficiente", justificou Nuno Pinto Magalhães, porta-voz da empresa com fábrica em Vialonga. Neste caso, há ainda a questão da propriedade. É que, embora esteja instalada em Portugal, empregando 1100 trabalhadores, a companhia tem como único accionista os dinamarqueses da Heineken.

Pão, broa, enchidos e queijos entram para o carrinho de compras com facilidade. Há produção, há oferta variada, qualidade e preços competitivos. Azeitonas e tremoços também. Quando chega a fase das sobremesas, as prateleiras são menos altruístas. Para já, despendemos boa parte do tempo a tentar confirmar se os produtos são 100% portugueses e não foram poucas as vezes em que ao telefone ouvimos "não". O custo e o tempo de produção foram os grandes motivos apontados.

Nos chocolates, encontrámos a gama da Imperial, uma empresa do grupo RAR, com produtos 100% portugueses como Pantagruel, Regina e Allegro - só o cacau não é português por "inexistência de matéria-prima no nosso país", explicou a gestora da marca, Mafalda da Silva Semedo. No entanto, há alternativas mais baratas. Nos chocolates de culinária, por exemplo, encontrámos um artigo espanhol a custar menos 30 cêntimos.

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A busca pelos restantes ingredientes para as sobremesas planeadas (tronco de Natal, sonhos, filhozes e fatias douradas) foi de extremos. Ovos, limão, fermento de padeiro, sal, farinha, açúcar e óleo são fáceis de encontrar. Mas tudo o que envolve a categoria de lacticínios pode ser uma verdadeira dor de cabeça. No leite, o mais próximo dos parâmetros definidos que descobrimos foi a marca Matinal, da Lactogal, e isto porque a empresa investiu numa máquina que produz as embalagens concebidas pela sueca Tetra Pak. O cartão, porém, também vem de fora. Nas natas e na manteiga, o critério foi apenas um: preço. Escolhemos o mais barato porque, dos contactos efectuados ao longo destes dias, não recebemos um único "sim" à pergunta "é 100% português?".

António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal, acredita que isso pode mudar, se os hábitos de compra mudarem também. "Enquanto consumidores, a resposta que poderemos dar passa pela opção por produtos nacionais (...) ou mesmo pela alteração das nossas escolhas, de forma a favorecer a produção nacional." E, por isso, diz que "as compras de Natal são uma excelente oportunidade para introduzir este critério nas nossas decisões". O facto é que, independentemente do efeito final, os tais 1,3 mil milhões que este cabaz daria a ganhar à economia representam mais dinheiro do que aquele que o Governo estima arrecadar com os cortes dos subsídios na função pública (935 milhões de euros) e mais de metade do esperado com a subida das taxas do IVA (dois mil milhões de euros).comAna Rute Silva

raquel.correia@publico.pt

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