Uma sensação de déjà vu

03-12-2011
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Os trabalhos de Catarina Saraiva continuam a supreender (nesta página e fotografia maior na página da esquerda). A internacionalização da feira fica-se pela presença de galerias espanholas (fotografia da dupla Almalé/Bondia e escultura na página da esquerda)

A 11ª edição da Arte Lisboa, que amanhã abre as portas ao público, ainda é um lugar de encontros com a arte que uns compram e outros vêem. Mas vai padecendo de velhos equívocos. E este ano parece espelhar o estado do país. Conformada, assustada, fechada sobre si mesmo.

A Feira de Arte Contemporânea de Lisboa tem dois tipos de visitantes. Aqueles que compram e aqueles que vêem. Na primeira categoria, incluem-se os coleccionadores e os amantes de arte com capacidade financeira, mesmo que esporádica, para adquirirem um desenho ou uma pintura. Na segunda, estudantes e professores (em visitas de estudo), amadores curiosos e desinteressados, sem meios para a aventura da posse. Para uns e para outros, a feira tem um encanto especial. Longe da solidão do cubo branco e do aparato cénico dos museus, sentem-se livres para exprimir espanto, repulsa, irritação. Ninguém está a ouvir, ninguém está a olhar. As obras estão a centímetros, desapareceram as folhas de sala e os assistentes.

Apesar do ambiente democrático, as galerias distinguem-se. As da primeira linha são nomes da arte contemporânea: Filomena Soares, 111, Baginski, Fonseca Macedo, João Esteves de Oliveira Macedo, Miguel Nabinho, Módulo, Carlos Carvalho e Presença. Seguem-se as presenças habituais da Perve, São Mamede, Arte Periférica ou Valbom, dirigidas a um mercado alheio ou pouco entusiasmado com as transformações que a arte viveu nas últimas quatro décadas. Por fim, as galerias espanholas, sem monstros hiper-realistas (como tem sido habitual), mas com pouco para ver de interessante; a única excepção é a SCQ, de Santiago de Compostela. Para além de esculturas de Rui Chafes e Natalie Stachon e pinturas de Pedro Calapez e Tobias Lehner, apresenta (surpresa) uma estrutura de vidro de Dan Graham.

E a internacionalização da feira fica por aí. A paisagem que se abre no Pavilhão 1 da FIL ao visitante é reveladora de um contraste confuso e surge uma sensação de déjà vu. A maioria das galerias repete nomes de outras edições e somos capazes de jurar que algumas obras já tinham sido apresentadas no ano passado. Por outro lado, as saídas da Alecrim 50, Quadrado Azul e Graça Brandão vieram enfraquecer a qualidade da feira, afastando-a ainda mais de uma parte significativa do meio da arte contemporânea portuguesa. O divórcio, independentemente das razões e dos efeitos, é hoje uma situação aceite (o futuro é outra conversa).

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Feira de arte contemporânea ou apenas feira de arte, a Arte Lisboa 2011 deve o seu poder de sedução (cada vez mais tímido, diga-se) às pinturas, aos desenhos, às esculturas e às fotografias que durante quatro dias mostra ao público. Na Galeria 111, salientam-se os trabalhos feitos com beatas de cigarros, de João Leonardo (expostos pela primeira vez em One Hundred And Six Columns, Four Heads And One Table, em Setembro passado), as superfícies encarnadas de Pedro A. H. Paixão e as pinturas atmosféricas de Diogo Evangelista. São três momentos que sintonizam o visitante com o que de melhor se vai fazendo no contexto nacional. O mesmo se pode dizer dos desenhos feitos a giz sobre ardósia que João Pedro Vale exibiu em English As She Is Spoke, na Fundação PLMJ (podem ser apreciados no stand da Galeria Filomena Soares), as telas de Ana Vidigal (Baginski) os ecrãs de papel de Ana Jotta (Miguel Nabinho), os retratos dos espaços arquitectónicos de Paulo Catrica (Carlos Carvalho) ou as fotografias de Ângela Ferreira (outra vez na Filomena Soares)

Ao mesmo tempo, não faltam reencontros com nomes que, ainda distantes de uma consagração institucional, continuam a surpreender nas suas abordagens à narrativa, à cor e à história dos suportes com que trabalham. Na fotografia, Rodrigo Amado, Sandra Rocha e Catarina Botelho; na pintura, Vasco Monteiro e Mariana Gomes e, na escultura, Catarina Saraiva. Há também aparições inesperadas, quase invisíveis, com as de Chéri Samba, um dos mais importantes artistas africanos da actualidade (com várias pinturas no stand da Influx Contemporary Art) ou da norueguesa Lisbeth Moe Nilsen (Galeria 111).

Já o Espaço Proposta, sem qualquer orientação curatorial, assemelha-se a uma série de montras individuais organizadas pelas galerias participantes. Não podemos por isso falar de um projecto paralelo como Terraço, que Filipa Oliveira comissariou na edição anterior. A contextualização é mínima ou inexistente e as obras dos 19 seleccionados (entre os quais Mariana Gomes, Carla Cabanas, Rodrigo Oliveira e Martinho Costa, Paulo Brighenti e Pedro Valdez Cardoso) arriscam passar despercebidas ao público. Estão expostas nas paredes do pavilhão e, tapadas pelos stands, parecem tão desacompanhadas como a própria Arte Lisboa.

Os trabalhos de Catarina Saraiva continuam a supreender (nesta página e fotografia maior na página da esquerda). A internacionalização da feira fica-se pela presença de galerias espanholas (fotografia da dupla Almalé/Bondia e escultura na página da esquerda)

A 11ª edição da Arte Lisboa, que amanhã abre as portas ao público, ainda é um lugar de encontros com a arte que uns compram e outros vêem. Mas vai padecendo de velhos equívocos. E este ano parece espelhar o estado do país. Conformada, assustada, fechada sobre si mesmo.

A Feira de Arte Contemporânea de Lisboa tem dois tipos de visitantes. Aqueles que compram e aqueles que vêem. Na primeira categoria, incluem-se os coleccionadores e os amantes de arte com capacidade financeira, mesmo que esporádica, para adquirirem um desenho ou uma pintura. Na segunda, estudantes e professores (em visitas de estudo), amadores curiosos e desinteressados, sem meios para a aventura da posse. Para uns e para outros, a feira tem um encanto especial. Longe da solidão do cubo branco e do aparato cénico dos museus, sentem-se livres para exprimir espanto, repulsa, irritação. Ninguém está a ouvir, ninguém está a olhar. As obras estão a centímetros, desapareceram as folhas de sala e os assistentes.

Apesar do ambiente democrático, as galerias distinguem-se. As da primeira linha são nomes da arte contemporânea: Filomena Soares, 111, Baginski, Fonseca Macedo, João Esteves de Oliveira Macedo, Miguel Nabinho, Módulo, Carlos Carvalho e Presença. Seguem-se as presenças habituais da Perve, São Mamede, Arte Periférica ou Valbom, dirigidas a um mercado alheio ou pouco entusiasmado com as transformações que a arte viveu nas últimas quatro décadas. Por fim, as galerias espanholas, sem monstros hiper-realistas (como tem sido habitual), mas com pouco para ver de interessante; a única excepção é a SCQ, de Santiago de Compostela. Para além de esculturas de Rui Chafes e Natalie Stachon e pinturas de Pedro Calapez e Tobias Lehner, apresenta (surpresa) uma estrutura de vidro de Dan Graham.

E a internacionalização da feira fica por aí. A paisagem que se abre no Pavilhão 1 da FIL ao visitante é reveladora de um contraste confuso e surge uma sensação de déjà vu. A maioria das galerias repete nomes de outras edições e somos capazes de jurar que algumas obras já tinham sido apresentadas no ano passado. Por outro lado, as saídas da Alecrim 50, Quadrado Azul e Graça Brandão vieram enfraquecer a qualidade da feira, afastando-a ainda mais de uma parte significativa do meio da arte contemporânea portuguesa. O divórcio, independentemente das razões e dos efeitos, é hoje uma situação aceite (o futuro é outra conversa).

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Feira de arte contemporânea ou apenas feira de arte, a Arte Lisboa 2011 deve o seu poder de sedução (cada vez mais tímido, diga-se) às pinturas, aos desenhos, às esculturas e às fotografias que durante quatro dias mostra ao público. Na Galeria 111, salientam-se os trabalhos feitos com beatas de cigarros, de João Leonardo (expostos pela primeira vez em One Hundred And Six Columns, Four Heads And One Table, em Setembro passado), as superfícies encarnadas de Pedro A. H. Paixão e as pinturas atmosféricas de Diogo Evangelista. São três momentos que sintonizam o visitante com o que de melhor se vai fazendo no contexto nacional. O mesmo se pode dizer dos desenhos feitos a giz sobre ardósia que João Pedro Vale exibiu em English As She Is Spoke, na Fundação PLMJ (podem ser apreciados no stand da Galeria Filomena Soares), as telas de Ana Vidigal (Baginski) os ecrãs de papel de Ana Jotta (Miguel Nabinho), os retratos dos espaços arquitectónicos de Paulo Catrica (Carlos Carvalho) ou as fotografias de Ângela Ferreira (outra vez na Filomena Soares)

Ao mesmo tempo, não faltam reencontros com nomes que, ainda distantes de uma consagração institucional, continuam a surpreender nas suas abordagens à narrativa, à cor e à história dos suportes com que trabalham. Na fotografia, Rodrigo Amado, Sandra Rocha e Catarina Botelho; na pintura, Vasco Monteiro e Mariana Gomes e, na escultura, Catarina Saraiva. Há também aparições inesperadas, quase invisíveis, com as de Chéri Samba, um dos mais importantes artistas africanos da actualidade (com várias pinturas no stand da Influx Contemporary Art) ou da norueguesa Lisbeth Moe Nilsen (Galeria 111).

Já o Espaço Proposta, sem qualquer orientação curatorial, assemelha-se a uma série de montras individuais organizadas pelas galerias participantes. Não podemos por isso falar de um projecto paralelo como Terraço, que Filipa Oliveira comissariou na edição anterior. A contextualização é mínima ou inexistente e as obras dos 19 seleccionados (entre os quais Mariana Gomes, Carla Cabanas, Rodrigo Oliveira e Martinho Costa, Paulo Brighenti e Pedro Valdez Cardoso) arriscam passar despercebidas ao público. Estão expostas nas paredes do pavilhão e, tapadas pelos stands, parecem tão desacompanhadas como a própria Arte Lisboa.

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